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Não sei se já sentiram o mesmo, mas parece crescer o número de jovens cidadãos portugueses entre os vinte e os quarenta anos que, em conversas de café ou em alocuções mais estruturadas, começam a dizer pérolas do género “quem me dera ser espanhol” ou “estávamos melhor se fossemos uma província de Espanha”.
Evidentemente, digo isto sem esquecer que, embora com versões e correcções para todos os gostos e feitios, um ministro do actual Governo, Mário Lino, se declarou iberista, com a força política que as palavras ganham quando ditas por um governante.
Em boa verdade, nem para outro fenómeno queria eu alertar, quando sublinhei, no último congresso do PSD, que a Espanha está a conseguir por modo pacífico o que nunca conseguiu pela via agressiva, ao longo de uma história vicinal. Basta olhar o sector energético, a moda, e por aí em diante…
Vamos então conservar a bola a meio-campo e tentar perceber se é de atacar ou tempo de jogar à defesa…
Desde logo, arrasa quem começa por comparar os níveis de vida. Os vizinhos do lado ganham (muito) mais e gastam (muitíssimo) menos a atestar o depósito e a encher a despensa. Aliás, não há muito tempo, jantava nas cercanias do museu em que acabara de ver uma soberba exposição denominada “Rusia!” (Rússia) - falo do Guggenheim de Bilbau – e sou interpelado pela constatação de um amigo que me alertava para o quão caros achava os bocadillos, as tapas e todas aquelas comidas às prestações que fazem nuestros hermanos lamber os beiços… Como se tomado por um ataque de clarividência, cerce desmistifiquei o veredicto; bastou chamar a sua atenção para o facto de as mesas povoadas por espanhóis (todas, excepto a nossa, tanto quanto pude aperceber-me) estarem cheias de pratos e pratinhos. Resignados, concluímos que nós é que estamos (comparativamente, pelo menos) bem mais pobres…
Em segundo lugar, não falta que diga que muito do que podemos legislar ou fazer é, já hoje, ditado por Bruxelas, pelo que sermos uma província autónoma do país de Zapatero em nada apoquentaria, já que seremos, cada vez mais, uma província federada da União Europeia. A vantagem, na óptica dos cultores desta linha de raciocínio, era colhermos as prebendas de Madrid, numa espécie de epitalâmio que nos levaria a votar para o inquilino da Moncloa (sede do governo espanhol) - a residência de São Bento seria para o presidente da junta autónoma, calculo.
Por fim, os adeptos do casamento ibérico assestam baterias contra o alegado provincianismo alheio, afirmando que o discurso “patrioteiro” de muitos políticos nacionais tem a ver com o receio de perderem os lugares e sinecuras, dada a mediocridade reinante e a dimensão do “mercado político” numa escala peninsular. Este argumento, em meu entender, é o mais fraco de todos, já que, se é verdade que grande parte da geração que domina a política actual faz tudo para se agarrar o lugar, o receio tem mais a ver, salvo melhor opinião, com o facto de muitos se terem vindo a eternizar sem acautelar um lugar profissional de recuo. De facto, parece-me que a maleita magna da nossa vida pública é geracional e explica-se com as oportunidades de carreira do pós-revolução.
Entrando na contra-argumentação, faz-me confusão pensar que milhares de portugueses morreram em batalhas, navegaram para mundos desconhecidos e criaram pérolas do saber em vão. Não estou preparado para entregar de graça algo por que tantos pereceram e a que outros consagraram uma vida.
Acresce que estou em crer que nem o clássico “mercador de Veneza”, que queria cobrar a onça de carne ao devedor, trocaria a pátria por uma viagem mais barata a Lisboa ou mais sumos no armário.
Sendo algo de idiossincrático confesso que nem sei bem explicar a certeza de que não quero ser algo senão português; mas disso estou bem seguro.
Há, porém, algo em que ambos os lados da barricada estão irmanados: a necessidade de preservar com muito mais vigor a nossa identidade cultural. Até os que vêem bom vento e bom casamento a vir do quintal vizinho vão dizendo que sempre seríamos autónomos na língua e cultura. Eu, na minha insignificância, já venho dizendo que é com cultura que se defendem as fronteiras actuais, de há muito a esta parte.
Correndo o risco de desagradar a todos, sublinho que não vejo que os nossos decisores o saibam, de tão ridículos que continuam a ser os orçamentos para a cultura. Talvez seja assim que, um dia, um destes posts venha a terminar com um “hasta la vista”!...
* Em boa verdade vos digo que o título deste post é uma tradução "selvagem" para espanhol. O título do filme que (também) inspirou o baptismo do blog ("Há lodo no cais) é, na lingua de nuestros hermanos, "La ley del silencio". Em inglês é mesmo "On the waterfront".