quarta-feira, 30 de março de 2011

Gastem aí, pá!

Ainda pensei que este Governo estaria a ser galhofeiro e que nos teria feito uma partida de dia 1 de Abril com a publicação do Decreto-Lei 40/2011 de 22 de Março. Mas pelos vistos não. O dito DL, caso não seja revogado, entrará mesmo em vigor no dia das mentiras.

Importa referir que, ao contrário do que tenho ouvido e lido nos últimos dias, como por exemplo aqui, esta verdadeira pérola legal não tem nada a ver com ajustes directos, mas sim com o regime da autorização de despesas com a celebração de contratos públicos. Parece complicado mas não é. Um ajuste directo é a formação de um contrato até um determinado valor, enquanto o regime de autorização de despesa será o valor atribuído/designado a uma determinada entidade pública para efectuar despesas, podendo ser, ou não, através de ajuste directo, desde que não ultrapasse os seus limites.

Passo o intróito, desde já vos digo que o PSD faz muito bem propor no Parlamento a revogação deste DL. É que não faz qualquer sentido, numa altura em que se exige rigor e contenção na despesa, esta nova Norma virá, na maioria dos casos, mais que duplicar a autorização de despesas, tanto no Estado, como nas autarquias, institutos, fundações, associações e empresas públicas.

Estas larguezas procedimentais são completamente opostas ao clima e estado actual. É uma mensagem completamente contrária da real situação do país e não vejo argumento retórico nenhum que o justifique.

Numa altura em que o país se debate com um défice enorme que está a exigir às pessoas esforços antes impensáveis, em que a dívida pública e externa atingem proporções gigantescas, com empresas a falir diariamente, em que não há empregos para milhares de pessoas desejosas de contribuir para a melhoria da nossa economia, vem este Governo, via chancela do Secretário de Estado José Junqueiro, um dos homens de mão de Sócrates, decidir esta enormidade.

A Ciber-Linguagem

Parece que a linguagem das redes sociais já chegou aos dicionários mais conceituados: as palavras LOL (iniciais de laughing out loud), OMG (iniciais de oh my God) e até o famoso coração digital - ♥ - constam já do Oxford English Dictionary. A origem destas palavras e símbolos prende-se com a necessidade de uma escrita rápida, já que a dimensão temporal do ciber-universo é outra...

Por cá ainda não se lembraram de fazer constar certas palavras no dicionário - a título de desabafo, já bem nos basta o hediondo Acordo Ortográfico... - mas ao ritmo das coisas, não me admira que dentro de uns tempos por lá conste o verbo «mensajar», «blogar» ou «twitar». Levanta-se a questão: o facto de um vocábulo ser muito usual na linguagem quotidiana é suficiente para entronizá-lo na Língua Portuguesa? A julgar pelo que aconteceu - ainda que com alguma polémica - em 2001, com a palavra «bué», que acabou por ser registada no Dicionário da Academia de Ciências, não restam dúvidas que mais cedo ou mais tarde vamos ter novas palavras consagradas nos dicionários de Língua Portuguesa...

sábado, 26 de março de 2011

O cardápio de combate ao défice

Infelizmente, nunca fui e estou certo que jamais serei encartado com o Nobel da Economia. Porém, creio que tal não me impede de vos confessar que não compreendo parte do artigo de Paul Krugman (norte-americano que ganhou o Nobel em 2008) e que hoje faz eco na imprensa.

Resumidamente, numa coluna de opinião publicada no New York Times, P. Krugman diz que “cortar no défice com o desemprego alto é um erro”.

Percebo que na base do seu articulismo esteja implícita a ideia de ser fundamental estimular a economia através de reformas estruturais e que Portugal, tal como a Europa, têm fundamentalmente um problema de crescimento.

Contudo, parece-me que o Nobel se esqueceu que face à voracidade dos mercados e das agências de rating, Portugal não tem tempo para esperar pelas reformas de fundo e torna-se obrigatório agir já, combatendo o défice no curto prazo. E para isso a teoria é elementar e não há grande ciência.

O cardápio para fazer face a desequilíbrios orçamentais é conhecido e não é preciso ir a restaurantes finos o degustar. Infelizmente, o problema que temos actualmente é que, devido à voracidade e agiotagem dos mercados financeiros, a contracção de empréstimos para financiar dívidas (ou seja défice) já não é possível, porque ninguém nos quer emprestar dinheiro e quando o querem é a taxas proibitivas.

Não tenhamos dúvidas que o problema é deveras preocupante. Principalmente porque os empréstimos e juros que hoje se fala são, ou para financiar a máquina do Estado ou para pagar compromissos assumidos. Ou seja, não se trata de pedir dinheiro emprestado para financiar obras de investimento das quais as gerações futuras também venham a usufruir. Não há aqui qualquer princípio de equidade intergeracional.

De facto, enquanto o crédito nos mercados financeiros estava acessível havia “mais vida para além do défice” porque o prejuízo podia ser abafado. Esta era, e sempre foi a solução mais fácil para os sucessivos governos e restantes agentes políticos.

Mas voltando à teoria de 1.º ano numa qualquer licenciatura de Economia ou Gestão para combater o défice. Se pedir dinheiro emprestado já não é solução, podemos sempre vender os anéis, ou seja, património. Só que, com estes indicadores de dívida pública e externa creio que teríamos de vender o Algarve à senhora Merkel ou a algum fundo petrolífero para equilibrar as nossas contas.

Portanto, quem está a acompanhar estas linhas já percebeu que goradas as duas hipóteses anteriores, restam outras duas: aumentar a receita via carga fiscal; ou então reduzir a despesa pública.

E como a União Económica e Monetária, à qual Portugal pertence, proíbe os Estados membro de manterem défices acima dos 3%, a solução passa mesmo pela adopção das medidas descritas no parágrafo anterior, escreva Paul Krugman o que escrever.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Um dia de glória

Interrompo a série de artigos dedicada à viagem que fiz no Transiberiano, para me debruçar sobre um fenómeno que teve tanto de novo como de efémero, entendendo eu que a maioria das análises pecaram ora por euforia, ora por superficialidade: refiro-me à manifestação da “Geração à Rasca”…


Antes de mais, cumpre reconhecer o óbvio: foi uma mobilização pioneira em Portugal, mostrando a obsolescência crescente dos blogues (que perdurarão, mas com menos comentários e leitores) e o cariz inorgânico de muitas movimentações sociais hodiernas.


Porém, cumpre dizer que os parteiros e os cangalheiros da repercussão da iniciativa foram os mesmos: os media. Quero com isto dizer que, mesmo com o Facebook como propulsor, a manifestação não teria tido números tão avultados, não fora a intensa divulgação prévia e a cobertura em directo pelos jornais, rádios e televisões. Porém, foram os mesmos órgãos de comunicação social que, emersa a polémica em torno do PEC IV (que conduziu a mais um período de agitação política), liquidaram as notícias e consequências da enorme manifestação, volvidas algumas horas ou, na melhor das hipóteses, pouquíssimos dias.


Outra nota que se me oferece partilhar tem a ver com as rédeas desta nova forma de mobilização, pois, a meu ver e em geral, rapidamente os autores destas torrentes de mensagens e convocatórias perdem o comando das mesmas. No caso vertente, se é certo que os autores foram entrevistados e a prova de paternidade e maternidade feita, não é menos verdade que à manifestação se juntaram professores, partidos, pessoas com reivindicações avulsas e mesmo gente com a lata suficiente para reclamar uma freguesia para o Parque das Nações (gente “pobre”, portanto…), perdendo-se o guião inicial no meio da vozearia dispersa e de palhaçadas de certos homens de luta nenhuma.


Eis, contudo, mais um momento em que os media intervieram de forma relevante, já que, ao dar igualmente projecção aos comentadores moderados que denunciaram infiltrações consabidas, conseguiram que o grosso dos aderentes à manifestação diluísse as tentativas de manipulação da extrema-esquerda, mormente do Bloco da dita.


Do que não há dúvida, em suma, é que milhares de portugueses largaram o conforto do lar para expressar descontentamento com uma situação de que muitos, como eu, não têm memória ou sequer vislumbre.


Porém, tudo se resumiu a um dia de glória. Assim correm os tempos modernos…

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dezoito Anos de CCB

antes

durante

na inauguração

Já dizia o poeta que «Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce». No caso, alguns homens (Santana Lopes, Cavaco Silva, etc.) e mulheres (Teresa Patrício Gouveia) sonharam a construção de um equipamento arquitectónico digno de acolher a presidência portuguesa da União Europeia (1992) que, posto isso, se tornasse num pólo dinamizador de actividades culturais e de lazer. E o controverso projecto do Centro Cultural de Belém lá inaugurou para a sua finalidade primária em Janeiro de 1992, encerrando no final desse semestre para só reabrir aos 21 dias de Março de 1993.

Dezoito anos volvidos, é inegável que o CCB é um marco arquitectónico da cidade de Lisboa e um projecto cultural de sucesso. Para alguns talvez tenha sido um projecto megalómano e, nos primeiros tempos, terá sido entendido por muitos como o «elefante branco do regime». Nada de anormal: afinal, as grandes obras são sempre alvo de grandes críticas.

Apesar de, no seu arranque, ter caído num certo marasmo cultural, o que também não contribuiu para melhores opiniões... a verdade é que ao longo dos anos e na actualidade, o CCB assumiu-se como um pólo cultural dinâmico, contando com exposições, espectáculos, salas de congresso e um museu que cativam, não só os lisboetas, mas também os turistas, sobretudo o Museu Berardo, no qual se concentram interessantes obras do espólio de Joe Berardo.

Numa altura em que também se delineiam planos para grandes obras públicas (como o TGV ou o Aeroporto) dá que pensar se vale a pena sacrificar (ainda mais) as contas lusas para projectar estas obras e acrescentar valor ao país, ou se o caminho mais sensato não será refrear os ímpetos de desenvolvimento...

quarta-feira, 16 de março de 2011

Sobre a Corrupção, para reflexão...

A propósito destas palavras que o Bastonário da Ordem dos Advogados proferiu esta tarde, no âmbito da abertura do novo ano judicial, afirmando que "ao longo dos anos a corrupção alastrou a todos os níveis do aparelho de Estado", ocorreu-me uma passagem de um livro que li recentemente:

«(...) Eufórico, o ministro Prasad esboçou uma expressão erudita enquanto revelava a sua "filosofia da lei indiana". Segundo ele, uma manipulação tão óbvia era apenas possível porque a corrupção na Índia era endémica: não era a poluição do ar, era o ar.
Anos de testemunhos e de gestão de burlas tinham convencido o ministro Prasad de que, embora todos os países debaixo do Sol se debatessem com a corrupção nos seus sistemas, a Índia avançara um passo e aceitara que na verdade existia um sistema na sua corrupção. Assim que a fraude se instalava na consciência nacional, o sistema político não se movia para rectificar essa falha, mas sim para abraçar os seus ideais.» *

Por momentos deu-me ideia que podíamos ali substituir a palavra Índia por Portugal. Talvez esteja a exagerar (e o Brasil? e a Colômbia? e a Itália de Berlusconi?) mas, com excepção de meia dúzia de figuras políticas (Fernando Negrão, Teresa Morais e João Cravinho ou Vera Jardim, em diferentes espaços e tempos), não vejo ninguém realmente preocupado com o combate à corrupção, coisa que influenciaria ( e muito) o estado dos cofres do Estado. É certo que em Julho do ano passado foram aprovados alguns projectos-lei quanto a esta matéria, mas parece que ficaram na gaveta...

* «Os Flamingos Perdidos de Bombaim»,
de Siddharth Dhanvant Shanghvi, pág. 222 da 1º Edição, Civilização Editora

terça-feira, 15 de março de 2011

Transiberiano V – Kazan

Com franqueza, desconheço se o leitor que habitualmente me honra com a sua atenção tem interesse em crónicas de viagens. Porém, depois de muito pensar, continuo, já que me parece uma maneira de não ler sobre crises e convulsões.

Assim na rota do Transiberiano – para dizer a verdade, com um pequeno bypass à linha principal – chega-se à capital do Tataristão (dizem os entendidos assim, e não Tartaristão; da mesma maneira que dizem tátares e não tártaros), terra de gente que se notabilizou pela sua bravura, nas primeiras linhas das incursões mongóis e, depois disso, pelas dores de cabeça que sempre deram aos eslavos. Para a “malta da bola”, é ainda esta a casa do Rubin Kazan.

A primeira nota de realce vai para o efectivo multiculturalismo, que coloca muçulmanos e cristãos ortodoxos lado a lado, tal como, sem burburinho, colocou uma enorme e bela mesquita (inaugurada em 2005)


dentro das muralhas do seu Kremlin,


em harmónico convívio com a velha catedral.



Não parece, aliás, despiciendo o facto de o conjunto amuralhado ser património classificado pela UNESCO.

Não se pense, porém, que o parto foi indolor, pois, com a excepção mencionada, as mesquitas estão a Sul do canal que divide a cidade milenar, pela qual passou a força de Ivan, o Terrível e onde estudaram Tolstoy e Lenine, que, como referi há tempos, ainda dá nome popular à universidade, embora seja a única etapa do périplo onde lhe não vi estátua erigida.


Voltando às vistas, a Torre Syuyumbike (no Kremlin) tem, a mais da inclinação, a lenda, que diz ter servido de rampa de lançamento a uma jovem tátar que havia sido prometida ao Czar Ivan (a flor que não podia cheirar-se)...



Entre belas igrejas e mesquitas,


o campanário da Igreja da Teofania impressiona.



Museus também não faltam. A mais do interessante museu regional – de onde nos retiraram “à força” do bar, com medo que não tivéssemos tempo de ver tudo antes de fechar, e no qual nos sentaram, quais cachopos de escola, em frente a um ecrã com um filme sobre a História da República do Tataristão -

a maioria está dentro do Kremlin, com um pequeno sublinhado para um pólo do famoso Hermitage (um dos tais que a Ministra Pires de Lima queria trazer para Portugal, o que, com pena minha, não fez)
e para o dedicado à II Guerra Mundial (a Grande Guerra Patriótica - como lhe chamam os russos - cuja vitória se comemora no dia em que nasci...).


Em termo de fait divers é também aqui que se vê o quanto a Rússia nos leva de avanço nas matérias da reciclagem, algo que pode aferir-se na casa de banho de apoio aos museus pela disponibilidade de jornais rasgados ou para rasgar no tamanho adequado e/ou desejado…



A terminar, uma nota para uma estátua que homenageia os gatos de Kazan, famosos pelas valentes coças que davam aos ratos, o que levava a Imperatriz Elisabete a “importá-los” regularmente e dar-lhes lugar de destaque na Corte.


Em Kazan descobrimos ainda que era o ano chinês do Coelho. Premonição?...

sábado, 12 de março de 2011

Dou a mão à palmatória

As manifestações de hoje atingiram números surpreendentes, que eu, crente na apatia dos portugueses, nunca julguei possíveis. Claro está que o tempo ajudou – como disse alguém, os revoltosos ficam menos revoltosos se tiverem de sair de um ambiente confortável -; claro que muitos dos que marcaram presença já há muito passaram os vinte (eu bem disse aqui que os jovens estavam a ser narcisistas); claro que havia várias causas à mistura, desvirtuando o movimento inicial; claro que houve muito de partidário nisto (do Bloco à JSD, passando por dinossauros políticos como Garcia Pereira); claro que a coisa foi abrilhantada por uns quantos deputados da esquerda, uma dúzia de cantores ditos de intervenção e resquícios do Carnaval (máscaras, vassouras e muitos óculos fantasiosos).

Porém, reconheça-se, foi um interessante exercício de cidadania, sobretudo por ter sido pacífico e não tomar contornos como noutros países, provando que a democracia está bem e recomenda-se, mesmo quando tudo o resto vai mal. O povo levantou o rabo do sofá, saiu à rua e chamou à atenção para os seus muitos e variados problemas.

Porém, era bom que não se ficassem por aqui, era bom que à semelhança de hoje fossem à procura de soluções e não ficassem a choramingar por melhores dias. O país está a atravessar uma crise grave, é certo, mas os jovens também estão acomodados (a própria música que inspirou o movimento dita que «sou da geração sem remuneração e não me incomoda esta condição (…) sou da geração ‘casinha dos pais’, se já tenho tudo p’ra quê querer mais?»). Querem tudo à mão de semear e esquecem-se que têm que levantar o rabinho (perdoem-me a expressão, mas acho-a oportuna) para outras coisas, como procurar emprego noutras frentes.

A propósito, aqui ficam três exemplos desse conformismo e de como há mais alternativas do que possa parecer:

* Hoje mesmo passou na rtp uma reportagem sobre uma empresa no concelho de Viseu que não consegue contratar pessoal especializado (engenheiros para ordenados médios superiores a 1000€) e que por causa disso diminui a sua produção e perspectivas de melhorar a sua qualidade;

* A Alemanha tem um tecido empresarial tal, que absorve todos os seus jovens qualificados e, ainda assim, precisa de muitos mais, pelo que tem requerido aos demais países da Europa (sobretudo Espanha) que lhes enviem jovens de áreas várias (engenheiros, médicos, enfermeiros e até cozinheiros!);

* Na Suíça e na África do Sul, bem como noutras comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, muitas vagas de professores de Português não são preenchidas, ano após ano, deixando os lusodescendentes sem direito a aprender a língua de Camões. Isto, enquanto passamos a vida a ouvir falar de professores desempregados – não digo que mudar de país seja fácil, mas para os mais novos, que não estabeleceram ainda família, não é propriamente insustentável!

Em suma, dá-me ideia que ao contrário dos nossos pais e avós, que outrora partiram (embora em condições inferiores, pois não tiveram oportunidade de ter a formação que actualmente temos), à procura de alternativas fora do seu casulo, as novas gerações estão à espera que a sorte esteja à sua espera na porta do lado.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Transiberiano: Nizhny Novgorod

Depois de Moscovo, haveriam as linhas de caminho-de-ferro russas de levar-nos até Nizhny Novgorod, cidade sem o bulício moscovita, que se espraia rua acima, rua abaixo, à beira Volga.


A experiência começa pelas 6h00 da manhã, com o guia (livro) a dizer que são apenas 400 metro até ao Hotel Central… Arrastando malas pela neve e ante russos pouco dados a conversas madrugadoras, demos com a “estalagem” bem mais de 1 quilómetro depois e com a ironia de uma ajuda especial: uma monumental estátua de um Lenine que aponta o gigantesco hotel, bem ao gosto dos tempos soviéticos.


Na cidade, que é muito bem servida de transportes (ainda a regra em todo o país), pontifica o Kremlin (sim, não existe apenas o de Moscovo…)


com as suas reminiscências de guerra (um avião, um tanque, etc…),

a chama eterna que homenageiam os heróis da II Grande Guerra,

uma pequena catedral do século XVII


e, se procurar com afinco, o Museu de Arte. Eu explico: o Museu é enorme e excelente; todavia, dentro das muralhas do Kremlin, onde fica o dito, não houve uma só pessoa (incluindo dois militares de uma reduzida guarnição aí localizada) que soubesse dizer onde ficava o imponente edifício e asseguro-vos que perceberam, em russo, que era um museu que procurávamos. Mistério…

A mais da usual miríade de igrejas, catedrais e mosteiros que pintalgam os cenários do país dos czares,



um destaque para uma casa onde viveu Máximo Gorki (era um filho da terra que, na era soviética, foi baptizada com o seu nome) e onde trabalhou, entre outras, na sua obra de construção de uma nova sociedade, “A Mãe” (que se lê bem, nesse contexto e não como obra literária de excepção). O museu aí instalado é interessante e servido por gente simpática.



Pela cidade casas tradicionais de madeira



vão sendo entremeadas com construções monolíticas mas imponentes, bem ao jeito soviético,


e com restaurantes e cafés aprazíveis. Num deles (“Capuccino”), a suprema ironia: sendo o tema o cinema, avista-se um retrato de Sylvester Stallone!...



Precisamente o protagonista de “Rocky IV” e “Rambo III”, filmes da chamada Guerra Fria, onde os “bons” (americanos, claro) ganham aos “maus” (os russos, evidentemente). Eis como se esbate a memória nas marés da globalização… Se calhar o mesmo esbatimento que faz com que na encantadora ulitsa (rua) Bolshaya Pokrovskaya, rua pedonal repleta de magnífica arquitectura do século XIX e do início do século XX,




se situe, orgulhosamente, o restaurante de comida rápida “Texas Chicken”… Pensar no Texas com vinte e tal graus negativos…

Sem esquecer o tradicional parque com esculturas de gelo iluminadas (outra constante sazonal russa),

assim ficou uma nota positiva à cidade a que haveria de suceder a orgulhosa Kazan, na nossa rota.

terça-feira, 8 de março de 2011

Homens da Luta - qual luta?!


Enquanto metade do país se congratula com a vitória dos Homens da Luta no Festival da Canção deste ano, a outra metade - da qual eu faço parte - dá por si a perguntar que raio de país é este (esse, já que escrevo de longe) que se revê numa dupla de (duvidoso) humor, cabelo lambido e ar propositadamente trôpego, palavras cheias de nada e pretensões de contracultura.

Não vi o Festival, nem estou a par dos demais concorrentes e da sua qualidade (ou falta dela), mas por muito maus que fossem, nada é tão mau como esta dupla que ridiculariza um país e um povo. Antes representada pelas Wandas Stuarts, Tonichas e Sabrinas, gente genuína e assumidamente lamechas, bem à portuguesa, que por dois palermas que levam até à Alemanha um número de circo que só irá confirmar, perante toda a Europa, a palhaçada que vai por estes lados.

E nem que o arranjo musical fosse bestial, nem que a letra fosse soberba, que não é. Muitos estão convencidos que a música é de intervenção, que a letra de A Luta é Alegria é oportuna e cheia de palavras de ordem, mas não só não há quaisquer resquícios de intervenção no conteúdo desta canção, como não vejo onde é que alegria rima com o estado do país...

E a luta, que luta é essa que os dois humoristas preconizam? Que contributo é que ambos deram ao nosso país? Foram dados a conhecer por um decadente programa de televisão e por sistemáticas intervenções despropositadas e ofensivas em actos solenes, comícios partidários, etc. Ah, espera, também são conhecidos por discursos a transbordar de conteúdo, que oscilam entre "camarada" e "e o povo, pá?".

E é com isto que o português se identifica? Com gente sem mensagem, que é do contra porque sim, porque é muito mais fácil captar atenções a esparvoar, que a actuar. É mais fácil ligar para uma linha de valor acrescentado ou deixar um «gosto disto» no facebook, que arregaçar as mangas e ir à procura de soluções. É mais fácil acreditar que o país pode mudar só porque dois tipos vão ao país de Angela Merkel debitar meia dúzia de parvoíces em camisa de flanela e acordeão ao peito.

No fundo, e ironicamente, os Homens da Luta representam precisamente os portugueses que não vão à luta, que bocejam a ver o país a afundar e que só espevitam ao som de megafones e palavras de ordem ao acaso, com muita farsa à mistura, pão e vinho – como dita a música - que isto é que alimenta o povo…!

terça-feira, 1 de março de 2011

Antes tarde que nunca

Foi preciso que o regime da Líbia levasse um abanão e que o seu líder respondesse ao seu jeito tirano, para que o Ocidente finalmente se curasse da cegueira selectiva com que sempre olhou para aquele país e para Kadhafi.

Depois dos ministros dos negócios estrangeiros, como Luís Amado e o italiano Franco Fratinni, que outrora o receberam com pompa e circunstância e não pouparam palmadinhas nas costas, terem vindo a público condenar o uso da força contra os manifestantes, seguiram-se os discursos de Nicolas Sarkozy, Hillary Clinton, Barack Obama, David Cameron e de Angela Merkel, a pedir que o líder da Líbia abandonasse o lugar e fosse sancionado. Também Ban Ki Moon veio condenar a violência de Kadhafi, bem assim como a de Laurent Gbagbo, na Costa do Marfim. E até alguns dos que participaram na vida de Kadhafi, como a cantora Nelly Furtado que em 2007 actuou para o ditador e a sua família com mais artistas de renome (como Mariah Carey e Beyoncé), já veio dizer-se de consciência pesada, declarando que vai doar o cachet do espectáculo (um milhão de dólares) a uma associação de caridade.

Depois de décadas como mero espectador do regime de Khadaffi, o Ocidente precisou que o sangue fosse jorrado pelas ruas de Tripoli (sem que desta vez desse para ocultar o que por lá acontece), para finalmente se aperceber da tirania do homem que há mais de quatro décadas governa o país.

Mas já diz o povo que «antes tarde que nunca». A ver vamos se a comunidade internacional se mantém firme nesta batalha de direitos humanos e se leva a cabo as prometidas e devidas sanções a Kadhafi. A ver vamos se a tal cegueira colectiva está definitivamente curada ou se daqui uns tempos voltamos todos à lógica das palmadinhas nas costas e das vendas nos olhos...