terça-feira, 30 de abril de 2013

Longe do fim do Mundo

Nos últimos dias, tenho recebido por várias vias a pergunta “está tudo bem por aí?”. Sensiblizado pelas inquirições, sigo frustrado por não poder escrever livremente sobre este e outros temas (voltaremos ao estilo antigo, quando as funções terminarem…)…

Porém, cumpre chancelar a primeira crónica enviada da terra de Bolívar, Chavez “y” outros, dizendo que as notícias sobre o país são manifestamente exageradas.

Convém, no entanto, encontrar o ponto de equilíbrio para que se não pense no paraíso quando falo na Venezuela. Assim sendo, cumpre começar por reconhecer que a sua capital é, efectivamente, uma das cidades mais violentas do Mundo; Maduro e Capriles – os candidatos que dividiram o eleitorado ao meio nas eleições presidenciais de 14 de Abril – reconheceram-no durante a campanha eleitoral, inclusive com marchas gigantescas em evocação do tema. O maior drama, a mais do número de mortes, é o dos sequestros, que nada têm de amador; falamos de uma “indústria” muito bem montada e organizada.

Dito isto, é também dever desdramatizar o assunto. É necessário viver numa redoma e nunca por o pé na rua?! De todo!... Sente-se até muito mais a vida de uma verdadeira cidade do que em paragens como, designadamente, Joanesburgo. É mais do que possível ir ao “temido” centro e visitar a Praça Bolívar, as casas onde nasceu e viveu o “Libertador”, a Catedral e, noutras zonas, os museus e parques de Caracas. Sublinho mesmo que, pelas descrições, nos últimos anos, abnegado tem sido o esforço das autoridades para tornar as áreas em causa transitáveis, ao menos durante o dia. Em abono da oposição se diga de igual modo – não subscreverei maniqueísmos – que o Estado que Henrique Capriles (o grande contendor de Chavez e Maduro) governou até há pouco (que inclui as zonas “nobres” de Caracas) está classificado como zona segura para se andar (literalmente falando), embora com o relativismo que o termo impõe nesta urbe.

Por outro lado, mesmo o período pré e pós-eleitoral não foi o “faroeste” que me pareceu retratado na terra de Camões (a minha, por sinal…). Claro que mortes e grupos armados “em campanha” não cabem num duelo entre PSD e PS… Todavia, também será impossível, hoje em dia, ver por aí marchas e comícios com centenas de milhares de pessoas, com o condimento extra de uma cortante e inconciliável fractura ideológica entre “socialismo do século XXI” e liberalismo (não sei se Capriles aceitaria a etiqueta, mas foi a que me pareceu mais adequada para o fato que usou…), e sem esquecer a elevada temperatura do sangue latino-americano.

Tudo isto, em suma, para dizer que este é um País que vale a pena para trabalhar e visitar, desde que o leitor tome consciência de que as suas “calles” são um “bocadinho” mais agitadas do que a nossa Rua Ferreira Borges ou qualquer avenida lisboeta e tome as providências adequadas, mormente no que toca à simplicidade na aparência e à renúncia a qualquer acto de heroísmo em caso de infortúnio.

domingo, 28 de abril de 2013

Esquizofrenia generalizada

Definitivamente encontrei o termo que melhor define o momento político que vivemos. Mas o que é a esquizofrenia? É um transtorno mental que pode atingir qualquer pessoa independentemente da idade, sexo, raça, classe social e que se caracteriza por delírios, alucinações, etc..., no fundo uma descolagem perante a realidade.

Desde que este governo tomou posse, com o grande desígnio Nacional de evitar a bancarrota, cedo se percebeu que iríamos ser influenciados e condicionados por um movimento transversal à sociedade Portuguesa, liderado pela comunicação social no sentido de impedir o inevitável, o "fim dos interesses instalados".

Esta esquizofrenia generalizada, vem em crescendo e atingiu o seu epílogo com o discurso do Presidente da Republica no dia 25 de Abril. Ora, seria fácil adivinhar, que qualquer que fosse o discurso se responsável , e de estado, seria criticado da esquerda à direita e ontem alguém por quem não tenho grande simpatia, dizia algo muito obvio mas que a esquerda só releva quando é conveniente. Ao rejeitar eleições antecipadas, apelando à estabilidade política e aos consensos, o Presidente da Republica não fez mais do que cumprir e respeitar a constituição, a saber os mandatos são de 4 anos.

Ao contrário, Jorge Sampaio violou a constituição quando dissolveu a Assembleia da Republica sem qualquer razão objectiva e porque todas as sondagens davam uma vitória clara ao PS, convocou eleições antecipadas, vindo a dar posse ao governo que levou o País à bancarrota. A esquerda e uma parte da direita aplaudiram e o resultado foi aquele que se viu e para o qual somos hoje todos chamados a pagar.

Não posso estar mais de acordo com o Presidente da Republica, "À primeira qualquer cai, à segunda só cai quem quer"

Mas afinal de contas quem são os maiores beneficiários desta esquizofrenia?

A lista é extensa, mas nada como dar alguns exemplos:
No topo da pirâmide podemos encontrar as elites económicas, que historicamente sempre viveram à custa do orçamento de estado. A seguir, temos as elites políticas, que vêm o sistema de reformas chorudas ameaçado, depois, todos os operadores judiciais a começar pelos juízes, procuradores, terminando nos advogados. Mais abaixo os jornalistas e comentadores (normalmente ex- políticos) e finalmente os funcionários públicos em geral, que pela sua dimensão e capacidade de gerar vitórias eleitorais, foram acumulando benesses insustentáveis, roçando em alguns casos a indecência. A propósito disto, muitos se questionarão porque é que o tribunal constitucional nunca invocou a falta de equidade e justiça, evitando assim a divisão da sociedade Portuguesa, entre Portugueses de primeira e Portugueses de segunda.

Numa soma de resultado nulo, se uns são beneficiados, alguém tem que ser prejudicado.
A resposta é simples, Portugal, e a maioria dos Portugueses, os tais cidadãos de segunda, que pagam com os seus impostos todos estes desmandos.

Contudo, os beneficiários desta esquizofrenia, sofrem de outra patologia, a miopia galopante, porque ainda não perceberam que quanto mais cedo reformarmos e acabarmos com todas estas distorções insustentáveis, menores serão as perdas. O colapso de todo este sistema, é o pior dos cenários e a pior das opções.

Muitos Portugueses, estranharão porque é que a maioria dos comentadores adoptou a política do bota abaixo e invariavelmente está contra toda e qualquer medida anunciada pelo governo, mesmo aquelas há muito reclamadas por toda a sociedade Portuguesa. Eu não estranho e as razões são simples e deviam ser perceptíveis ao comum dos mortais.

Para começar, os media por uma questão cultural, a que eu chamo "intelectualite de esquerda", recrutaram desde muito cedo, jornalista e comentadores simpatizantes da tão conhecida esquerda caviar, gostam de viver bem, ganhar bem, julgam-se intocáveis, não se sujeitam a qualquer julgamento e acham que só eles detêm a verdade. Depois, porque nos últimos dois anos, muitos destes pseudo-comentadores foram sujeitos pela primeira vez a cortes salariais e para quem se julgava intocável e acima do comum dos mortais, começou sentir toda esta construção em perigo.
Finalmente, porque os grupos económicos de media, sentiram-se ameaçados com a perspectiva da privatização da RTP, e sub-repciamente, as administrações terão passado a mensagem aos jornalistas que eles seriam os principais prejudicados pelo sucesso desta operação. Como quem não quer a coisa, a mensagem foi clara e muito objectiva do tipo, "façam pela vida que os tempos estão difíceis"

Temos assim um " melting pot" de interesses, que nada tem a ver com as reais necessidades do País ou do cidadão em geral, mas apenas e tão só, com a defesa de interesse corporativos e pessoais, que ameaça a cada momento a estabilidade tão necessária para sermos bem sucedidos na defesa do interesse geral e do nosso futuro.

Vivemos assim tempos a que eu chamaria de censura silenciosa, muito mais perniciosa do que a censura do lápis azul, porque se nos tempos idos e em alguns casos se escrevia aquilo que se pensava, que posteriormente poderia ou não ser censurado, hoje, à partida, já nos dizem que se não escrevermos em determinado sentido, é a nossa última missiva. Honra seja feita aos blogs, local onde ainda podemos ser genuínos e escrever segundo as nossas convicções.

Nem há muito tempo, um comentador e articulista da nossa praça, confidenciava-me que tinha abandonado algumas convicções e se tinha dedicado a escrever e a comentar banalidades e terminou dizendo, não quero fazer parte dessa grande fileira que são os desempregados do nosso País.

O corolário deste unanimismo ficou bem patente na primeira página do jornal de negócios desta semana. O convidado foi Fenando Rosas, um historiador, bloquista que para além de não acreditar na economia de mercado, também não a entende e é como sabemos um feroz crítico deste governo.

Este cinzentismo a que fomos votados, não augura nada de bom, não só porque a nossa cultura foi construída sob a diversidade, criatividade e espírito de aventura, mas também porque esta forma unânime de pensar tão ao estilo das ditaduras nunca deu bons resultados. Estranho é, que aqueles que mais defenderam a liberdade de expressão e a pluralidade de opiniões, estão hoje na linha da frente na defesa desta nova cultura.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Um problema de timings


A vida é mesmo assim, e quando este problema surge nas nossas vidas pessoais, com  austúcia, com imaginação ou até com algum poder de persuasão conseguimos os nossos objectivos.

Pois é, e volto aqui ao meu tema preferido, o que vai fazer o líder do principal partido da oposição, António José Seguro perante os mais recentes factos.

De um lado temos um governo reciclado, regenerado e com novos objectivos e do outro um partido no verdadeiro sentido da palavra, que se tenta também reinventar, reciclar e regenerar, os próximos tempos vão ser interessantes, vamos ver ganha este novo desafio.

Do ponto de vista político, Pedro Passos Coelho livrou-se de um peso morto, retirando assim espaço de manobra aos adversários, na medida em que Relvas deixou de ser arma de arremesso. Remodelou inteligentemente, pois como se diz na gíria Portuguesa, conseguiu fazer o dois em um, ao substituir Relvas por alguém com peso político, Marques Guedes e por outro lado reforçar a equipa governativa, com alguém insuspeito, competente e conhecedor dos dossiers Europeus, Poiares Maduro.

Contudo nem tudo correu bem, estas remodelações a conta-gotas dos secretários de Estado, ameaçam minar um pouco este processo, não só pelas razões que estiveram na sua base, mas essencialmente porque ainda não sabemos qual a factura a pagar por erros passados destes Senhores. Não quero ser mais papista que o Papa, mas esta factura será paga novamente pelos contribuintes Portugueses, resta saber quanto…

Do ponto de vista económico, tudo indica que melhores tempos virão. Segundo os últimos dados, a execução orçamental está no bom caminho, tanto do lado das receitas como do lado das despesas, a negociação sobre as maturidades dos empréstimos foram bem sucedidas, e finalmente, temos uma estratégia para o crescimento. Desenganem-se os vendedores de ilusões, quando afirmam que já vem tarde e que escusávamos de ter sofrido tanto. Quem anda nestas lides e for sério, sabe perfeitamente que qualquer estratégia tem sempre várias fases e tratando-se de um monstro como é a máquina do Estado, mais lento é o processo. Contrariar em dois anos uma cultura de despesismo instalada e promovida durante dez, é obra.

Analisemos agora o que se passa no principal partido da oposição.
António José Seguro ainda não se conseguiu afirmar como líder da oposição, não só porque não tem envergadura para isso, mas essencialmente, porque sofre de um síndroma cada vez mais em voga no nosso burgo e que afecta os partidos do arco do poder, "O síndroma do líder efémero". Se até agora havia um inimigo comum que os unia aparentemente, que passava  pela renegociação do memorando, nas metas do défice e no reembolso do empréstimos e na ausência de uma estratégia de crescimento, agora as coisas estão mais difíceis.

A acrescer a isto, José Socrates está de volta, Jorge Coelho regressou à vida política e António Costa que tarda em mostrar qualidades de Presidente de Câmara, acha que chegou a sua altura. Como se isto não bastasse, surgiu agora um documento promovido pelo ex-secretário de estado da presidência de José Sócrates, a solicitar que o futuro líder do PS seja eleito também pelos simpatizantes e não só pelos militantes.

De uma coisa AJS está seguro, só um deles quererá disputar a liderança do PS, António Costa, porque os outros dois, têm uma agenda muito mais pessoal e mais economicista, não só porque já deram para esse peditório, mas essencialmente porque preferem continuar a viver bem e de preferência à custa do orçamento de estado.

Como tudo isto já não bastasse, Pedro Passos Coelho ensaiou mais uma jogada de mestre, convidando AJS para reunião. Ao dar-lhe a mão nesta fase difícil, faz agora o três em um, dá-lhe o protagonismo de que ele tanto precisa, segura um líder da oposição fraco, oco e sem ideias e finalmente porque coloca o PS entre a espada e a parede. Agora AJS ou é parte da solução ou é um problema e isto porquê? Porque depois de quase todas as reivindicações terem sido atendidas, a saber, uma estratégia para o crescimento económico, renegociação do memorando nas metas, prazos e maturidades, fica a faltar muito pouco.
Os próximos tempos vão ser interessantes.

sábado, 20 de abril de 2013

OS VALORES


Isto vem a propósito dos "valores" , tema muito vasto, do "post" precedente do Sr.Gonçalo Capitao.

A Repúblicas exemplares que nos prometem os candidatos à presidência cada vez que há eleições nos diversos países europeus, deixam a desejar ao fim de alguns meses de governação.
Os escândalos financeiros e" les affaires" de corrupção que metem em causa membros dos governos respectivos em várias nações tendem a perpetuar-se, juntando-se assim aos empresários e banqueiros  apanhados em flagrante delito de fraude e evasão de capitais.

E num momento em que se exige da população sacrifícios cada vez mais pesados, cada vez mais insuportáveis, no momento em que os desempregados e os precários se contam em milhões, os representantes da burguesia, eles, permitem-se esconder os seus "tesouros" mal adquiridos , nos paraísos fiscais, servindo-se abundantemente nas caixas do Estado e gozam de inumeráveis privilégios.

Os vários exemplos recentes em França e noutros países, não são mais que alguns exemplos que não devem esconder o caracter recorrente e estrutural da corrupção que reina um pouco por todo o lado.
Porque os escândalos financeiros, corrupção, privilégios, e outras "negociatas", são intimamente ligados ao funcionamento mesmo do sistema capitalista que os produz e reproduz de maneira permanente.

O governo moderno não é mais que um comitê  que gera os negócios comuns da classe burguesa inteira.

O Estado, não está ao serviço de todos, mas serve somente os interesses privados de alguns .A polícia, a justiça, os deputados, os ministros etc. não são os representantes de toda a sociedade. O presidente não é o presidente de todos os cidadãos. O presidente gera o Estado contra o interesse geral em proveito do interesse particular, o da classe dominante. E serve os interesses da burguesia, pois que ele se afasta das classes populares.

A corrupção, ela também, substitui o interesse público pelo interesse privado. Ela afasta as fronteiras entre os dinheiros públicos e as rendas privadas. Os homens e as mulheres políticas sem escrúpulos podem assim servir-se, com um sentimento de impunidade, nas caixas do Estado como se tratasse do seu próprio patrimônio. Certos altos salários administrativos e pensões adquiridas quinze e vinte anos mais cedo que um trabalhador, e o nível indecente destas pensões, prova-o.  

A corrupção nega e despreza o princípio de transparência e permite a uma única e mesma classe social, através do Estado, de aceder de uma maneira oculta e ilegal aos recursos públicos.

Encontramo-nos assim perante uma república corrompida e uma democracia inteiramente abandonada ao capital e aos parasitas especuladores sem fé nem lei. Estamos longe da república irrepreensível prometida pelos candidatos à presidência.

Não se trata aqui duma questão de moral, mas o produto dum sistema econômico no qual os interesses das classes constituem o seu fundamento material. A moral não tem existência própria. Ela depende das condições materiais que a produzem. Ela é a emanação das atividades econômicas, dos comportamentos materiais dos homens.

O grande desafio da social democracia será de provar que é capaz de moralizar a vida publica, de lutar contra as derivas do dinheiro, a cupidez e a finança oculta, de lutar pela transparência da vida publica, contra a grande delinqüência econômica e financeira.

A classe trabalhadora, que não pede nada mais que trabalhar para sobreviver, descobre que aqueles que lhe impõem sempre mais sacrifícios usufruem de regalias sem conta. O que é escandaloso.

Mas o verdadeiro escândalo atual é sem duvida nenhuma o capitalismo financeiro selvagem que perverte as nações.

Freitas Pereira

quinta-feira, 18 de abril de 2013

ESTADO LIBERTARIO OU ESTADO LIBERAL ?



Há tempos, fui dar um passeio até à bela cidade de Bruges, na Bélgica, o que me levou a atravessar uma região industrial francesa outrora florescente . Duas industrias reinavam nessa região : a têxtil e as minas de carvão. A primeira  é moribunda, a outra trespassou !
Ao passar pela auto-estrada Lille-Roubaix-Tourcoing ,que perdeu mais 2000 empregos recentemente, não pude deixar de pensar no drama do nosso Vale do Ave.
As portas da fiação Cavrois-Mahieu, à Roubaix (Nord) fecharam. Ultima fábrica de lanifícios,  que não pôde evitar a liquidação judiciária.
Aqueles  que aí tinham trabalhado durante dezenas de anos, deixaram a fábrica, em lágrimas, conscientes, que a vida profissional tinha acabado. Os mais jovens pensam desde já na reconversão, arriscada em tempos de crise, porque não é todos os dias que vem uma Toyota , como em Valenciennes, implantar-se na região.
Uma parte da historia desta região, construída sobre a industria têxtil apagou-se assim, tristemente.
Como foi possível chegar a esta situação ?
Globalização, deslocalisaçoees, concorrência desleal e selvagem dos países asiáticos, que não jogam com as mesmas cartas, cumplicidade dos nossos políticos e esta Europa sem fronteiras.
Mas, antes de tudo : o exemplo absoluto de um desastre provocado por um sistema económico mundial , não administrado.
O Estado liberal postula que a livre empresa é fonte de progresso. Estamos num mundo de concorrência política e social. Os melhores homens chegam aos melhores postos. As melhores empresas dominam o mercado. Os melhores pesquisadores são honrados e premiados. Os melhores correctores da bolsa são recompensados. Quanto aos outros, estes conservam o seu lugar entre o fundo e a superfície, em função dos seus esforços e dos seus méritos .
Esta organização social postula, para fazer crer que ela não é injusta, que todos os homens nascem livres e iguais e que eles arrancam todos da mesma linha de partida. Este postulado é , de imediato, falso, porque admite que alguns podem ser mais empreendedores que outros, ou fazem melhores esforços.
E somos obrigados de admitir que os mais dotados o são por natureza ou por herança, o que falseia de imediato a competição, porque é evidente que toda a gente não parte do mesmo ponto . Assim,  podemos contentar-nos de dizer que todos os homens nascem livres e iguais em direitos, mas em direitos somente.
A competição é a marca mais discutível do ambiente liberal. A competição supõe que há vencedores e vencidos e coloca estes últimos sob a dependência do bem querer, senão da caridade, dos primeiros. De qualquer maneira, o liberalismo não visa a igualdade. Ele visa uma sociedade economicamente produtiva e hierarquizada.
 Esta hierarquia pode ter várias facetas: No XIX ° século, as dinastias dos “mestres de forja” ( assim se chamavam as siderurgias , que o meu passeio através desta região sinistrada  trouxe à minha memória) , apropriaram-se do meio de produção.  Dispunham do poder de dar trabalho, o pão e um alojamento, alienando o trabalhador, dependente, portanto, do “mestre de forja” ! Perder o seu trabalho, era perder tudo.
Estes industriais enriqueciam-se, mas também criavam trabalho. Por vezes, um miserável trabalho, mas trabalho mesmo assim.
Mais tarde, veio o ultra-liberalismo, o capitalismo financeiro, sem projecto de sociedade, sem lei.  E tudo mudou : poucos empregos, poucos salários, pouca distribuição de riquezas e capitalistas invisíveis!
O Estado liberal não defende o povo,  por definição. No máximo, é forçado a legislar para impedir os abusos mais visíveis e imorais : trabalho das crianças, férias pagas , duração legal do trabalho, nem sempre respeitadas, cedendo pouco a pouco, contra vontade, sob a pressão dos movimentos sociais.
Incapaz de impedir o desemprego e a miséria social, o Estado ultra-liberal não protege o trabalhador. Está de conivência com os que possuem a riqueza das nações.
A miséria que assola Portugal, e não só, demonstra a falência dum sistema , que alguns procuram ainda salvar,  mudando os homens do sistema , quando é este que é imperioso de destruir.
J. de Freitas Pereira

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A crise e os valores

Hoje em dia, falar de valores apela, só por si, à materialização, visto que até os ditos são objecto de “bolsas” que lhe dão um aroma mercantil.

Se pensarmos bem, quem não tenha hábitos (não falo de crenças) religiosos dificilmente ouvirá referências a valores enquanto pilares de uma ética pessoal e/ou colectiva que, mesmo quando não norteiam, condicionem o processo que é o modo de vida.

Estou eu a consurmir dois parágrafos com tão hermética arenga em homenagem a uma situação que comigo se passou em torno do conceito de amizade.

De facto, quando considero alguém como amigo (doravante o termo engloba, bem entendido, as amigas), sou dos que não enjeita jamais essa amizade, mesmo que a pessoa passe um momento menos feliz do ponto de vista da sua “popularidade”, ou que seja alguém que, em virtude de ser detentora de uma personalidade menos consensual, não reúna o aplauso da maioria. Caso diferente é, evidentemente, aquele em que essa pessoa confirma a vox populi e desfere um ataque pessoal contra mim. Porém, mesmo aí, entendo que devemos analisar a situação, exclusivamente, pelo lado que nos toca, pois bem sei o que é ser vítima de energúmenos (a maioria estão, lembrando o ensinamento parlamentar inglês, nas nossas costas e não na frente oposta) que, à míngua de argumentos que ponham em causa o mérito e porque, regra geral, atacam em matilha, colam o rótulo de desleal ou pouco fiável a todo aquele que, obstinadamente, pense por si e entenda a lealdade e amizade como valores que acolhem a crítica construtiva como crisma.

Relembro que, nos meus tempos de activista e parlamentar, acalentei este debate com o meu grupo de amigos (verdadeiros, pois leva já, na maioria dos casos, mais de vinte anos de sã comunhão de ideias) em relação a um determinado sujeito que merecia “veto” da maioria e que eu entendia portador de qualidades. Valha a verdade, os tais amigos, porque genuínos, sempre respeitaram a minha insistência, como eu respeitei a merecida sátira quando a personagem versada resolveu fazer-me provar do seu veneno.

Ao invés do que possa parecer, não é de um recado que se trata, mas do facto de, há poucos dias, ter reavistado um amigo (a quem, aliás, devo gratidão) que suscita controvérsia na vida pública portuguesa, facto que foi público e que suscitou alguns comentários - na sua totalidade de amistosa provocação, reconheço – que me levaram à meditação presente.

Faço, por isso, o resumo da dita peregrinação ética: mesmo quando não subscrevo o seu enquadramento ideológico (e que benção é ter amigos que ainda sabem o que isto é!) e/ou as suas opções concretas; ainda que muitos dos meus (outros) amigos não o estimem; não obstante tratar-se de uma pessoa mais ou menos conhecida; considerando tudo isto, dizia, um amigo será sempre um amigo. Sinto-me bem assim…

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Estilo Emanuelino

Há estilos que ficam para a História e outros que ficam para uma história. Neste último caso, receio que possa vir a englobar-se o técnico da Briosa, Pedro Emanuel.
Aqui chegados, duas notas prévias, tentando desmontar a priori igual número de tentativas de desvalorização de opiniões como a que vou expressar: por um lado, aceito que é mais fácil ser “treinador de bancada” do que conduzir uma equipa. Todavia, se a análise amadora estivesse proibida ou fosse ilegítima, os estádios estariam (ainda mais) vazios. Acresce que a essência de qualquer democracia é, precisamente, evitar o governo da elite que tudo julga saber e que governa autoritariamente.
O segundo óbice que viso precludir é o mesmo que nunca aceitei na política: geralmente, diz quem defende o status quo que os críticos “fazem o jogo dos adversários”. Nada mais demagógico! É bem possível que quem critique se identifique incondicionalmente com a instituição cujo rumo questiona.
Feito o interlúdio para aplacar mentes mais pequenas (se as houver, bem entendido) entro na ideia que ora me ocupa: creio que o consulado de Pedro Emanuel se encontra esgotado. Digo-o não porque não se trate de um profissional sério e competente (é-o, indubitavelmente), mas porque me parece que a equipa tem jogado aquém das possibilidades do lote de jogadores que a compõe, porque me parece que em várias situações de jogo tem faltado a criatividade no banco para inverter o rumo dos acontecimentos, e porque talvez se tenha instalado um clima de habituação que se é benigno para o espírito coimbrão que devemos defender, parece maligno na capacidade de ganhar nova alma para escapar a lugares na tabela de que deveríamos estar a milhas…
Não entro em linha de conta com a valia dos jogadores, pois apoio a lógica de contenção salarial (o que não impediria, per se, a contratação de profissionais com outras características), e visto que, se o fizesse, estaria a dizer que o treinador teria caucionado más escolhas, o que, por ora, não interessa. Aliás, mais surpreende a performance academista se pensarmos que temos um dos melhores guarda-redes e um dos melhores pontas-de-lança do campeonato.
Em suma, creio que já na gloriosa época passada a prestação titubeante foi iludida pela vitória na Taça de Portugal e pela qualificação para a Liga Europa, como o foi no início da presente temporada pela muito digna participação neste torneio. Todavia, espero que a teimosia da Direcção em não “remodelar”, pelo menos, o treinador não saia cara.
Contudo, que ninguém se engane: torcerei até ao fim pela manutenção e apoiarei sempre a Académica, mesmo que o pior suceda, para além de continuar a dizer que tomara a Briosa que o actual Presidente a possa dirigir por muitos mais anos.