terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Para "coimbrês" ver

Cada vez mais me convenço que há uma diferença cultural de tomo entre os latinos e os anglo-saxónicos.

Falo da cultura do mérito e de todas as suas implicações. Por norma (não pode generalizar-se, como em nada na vida, é claro), um indivíduo de matriz anglófona, a mais de acreditar que o mérito pode ditar o bom ou mau resultado de um percurso pessoal, olhará os casos de sucesso com respeito e como um incentivo a melhorar; dirá que, se determinada pessoa alcançou um determinado feito, nada diz que, com igual esforço, qualquer outro não possa fazê-lo.

Por cá, se um tipo com posição de relevo se mantém simples nos modos, elogia-se (sempre que se opta por essa raridade que é um comportamento positivo) o facto de saber viver como o povo; ou seja, em vez de presumir que se trata de uma maneira de ser, gaba-se a não elevação do padrão de vida.

Por seu turno, se, de facto, um dos nossos compatriotas mais bem sucedidos muda de modus vivendi (por vezes, é mesmo incontornável), a inveja e a busca de pontos fracos passa a desporto olímpico. Mais do que olhar para a meta, procura-se fazer regressar os mais rápidos à linha de partida.

Vem isto (também) a propósito da nossa política e, para que fique claro, digo já que podem atacar-me (muitos já o fazem) de mil maneiras e sobre mil e um assuntos, mas garanto-vos que nunca misturei política com negócios e, por isso, estou à vontade para escrever o seguinte: independentemente dos contornos financeiros e legais da questão, que devem ser esclarecidos (sendo caso disso) pelas autoridades e pelos visados, a recente exposição mediática do nosso conterrâneo Nuno Freitas parece-me pensada, parcial e excessiva.

Sumariamente, para quem não tem acompanhado a polémica, alega-se, entre outras coisas, que Freitas teria favorecido, enquanto nº 1 do IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência), quer a irmã (que editaria uma revista financiada pelo IDT), quer uma empresa do seu (nosso) correligionário e dirigente da JSD, Filipe Nascimento.

Nuno Freitas alega a legalidade do processo e, como disse, creio que isso é assunto para ser esclarecido pelas vias competentes e não por um julgamento popular. Quem errou que pague, quem não o fez que veja o bom nome preservado.

Mas vamos aos passos do juízo que fiz sobre a atenção que o assunto tem merecido, mormente na “blogoesfera”. Entendo que é uma divulgação pensada, pois ando pela política há tempo suficiente para franzir o sobrolho quando vejo um assunto com algum tempo de maturação a merecer tanta atenção à porta de eleições concelhias. O facto é que se falava, fazia algum tempo, na hipótese de Nuno Freitas avançar para a comissão política concelhia de Coimbra do PSD. Que melhor altura? E mesmo se não foi ninguém do establishment a atear este fogo, teremos de convir que é uma coincidência danada.

E nem se pense que estou a culpar a imprensa tradicional; o seu dever é informar. O que me intriga é o sentido de oportunidade das fontes de informação, confesso… Mas creio que sobre isto, mais tardar na altura da próxima lista de deputados, iremos tendo mais pistas.

Em segundo lugar, afirmei que tudo isto me parece parcial. De facto, com o avolumar de outros rumores, já há muito que os justiceiros de Coimbra podiam ter gritado por justiça. Só ouviram falar deste assunto? Basta visitar os blogs locais para ler insinuações sobre água, vinho, gasosa, e milhares de assuntos.

Não insinuo nada sobre quem quer que seja, note-se! O que quero dizer é que é curiosa a devoção recente e exclusiva por este “caso”.

Por fim, digo que se trata de uma atenção excessiva, quando não mesmo cruel, porque olvida que se está a “derreter”, ainda sem o apuramento cabal do assunto, um dos mais brilhantes quadros do PSD (e é também por isto que nada me parece ao acaso).

Tenho dito e escrito que a política nacional, em geral, e a de Coimbra, em particular, têm caído no cinzentismo, no deserto de ideais e na orfandade de novas lideranças. Com todos os seus defeitos, o Nuno seria (será, digo eu) uma boa hipótese de regeneração.

Ninguém quer mais do que eu (também sou cidadão e contribuinte) que o caso seja levado às últimas consequências, mas dá-me dó e encoraja-me a desistir a mesquinhez, a crueldade, a leviandade, a falta de consideração e o anonimato com que hoje se abordam os temas de interesse cívico, como é, inegavelmente, o caso.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

Não é um filme

Lendo o Diário da República de 30 de Janeiro, conclui-se que Tomás Taveira passou a integrar o conselho consultivo do Instituto Português do Património Arquitectónico.

O cargo não deve ser principesco e, ainda que fosse, as habilitações do nomeado em causa chegam e sobram (confesso que odeio a mesquinhez que se instalou de perseguir quem é nomeado para o que quer que seja, só por o ser).

O destaque da questão - à parte de outros que os leitores entendam relevantes - é mesmo o vanguardismo com que o nosso IPPAR vai passar a ser aconselhado; basta olhar as Amoreiras, a sede do BNU (salvo erro, foi para este banco, o edifício da 5 de Outubro). o Estádio de Aveiro, entre tantas obras.

Obras como o Tunel de Ceuta passarão a ser coisas de moços?...

De Lisboa a Grozny


Entendo todos os argumentos adiantados: manter a prioridade dos temas da interioridade, não exaltar os ânimos, etc...
Contudo, não deixa de me espantar que o Presidente da República Portuguesa, em 2006, tenha de manter confidencial o programa da visita a um concelho do distrito de Viseu, no caso Nelas.
Por um lado, os cidadãos de Canas de Senhorim (os temidos "rebeldes") têm a obrigação legal e o dever cívico de respeitar o Chefe de Estado.
Por outro lado, acho que o Presidente não deve, jamais, "esconder-se" de nenhum habitante desta democracia de 30 anos. Ou não ía a Nelas, ou ía com toda a normalidade.
Que Putin vá assim à Chechénia e Saakashvili faça o mesmo na Ossétia do Sul, ainda vá, mas em Nelas?!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Quando o diferente quer ser igual

Já que falamos de liberdade e de tolerância, e alguns dias volvidos sobre o prime time da questão, falta uma palavra sobre as duas concidadãs que tentaram, assistidas por um advogado, registar o seu casamento na conservatória.
Indo por partes: parece-me, em primeiro lugar, que os três sabiam que a Lei Civil impedia esta união, já que tutela especificamente o contrato de casamento, ao passo que a Constituição enuncia princípios genéricos contra a discriminação.
Pode, por isso, dizer-se que procuraram chamar a atenção para uma situação que reputam de injusta.
Até aí, vamos indo, mas, em segundo lugar, é preciso que haja a consciência de que cada vez que se torna pública a vida privada, a devassa , mesmo quando não desejada, passa a ser regra; ou seja, se já se sentiam alvo de olhares e atitudes discriminatórias, creio que a situação não tende a amenizar (antes pelo contrário).
Depois, não creio sequer que possa falar-se em discriminação legal. Se formos sinceros, reconheceremos que é sabido o facto de o casamento ter sido pensado para unir pessoas de sexos diferentes. Foi uma ideia que fez curso na lei e na tradição.
Virá, nesta altura, o "Che" de serviço dizer-me: "mas a lei e a tradição mudam, senão o marido ainda podia abrir as cartas da mulher!"...
Pois sim, mas há discriminações antigas que não tinham alternativa; no caso dado era simples: ou podia, ou não podia ler correspondência alheia.
No que ao casamento diz respeito, a mais de se misturarem valores ideossincráticos que tocam fundo a muita gente, há alternativas de direito - como a parceria registada, creio, do direito francês - que permitem dar igual estatuto jurídico e cívico aos casais do mesmo sexo.
No fundo, creio que a luta dos casais de homossexuais e lésbicas é usufruir dos mesmos direitos (e deveres), pelo que o essencial não é o nome a dar ao laço jurídico que os une. Insistir em chamar casamento pode aumentar a animosidade social, sem que daí advenha proveito algum, e não deixa de ser curioso que a luta pelo "casamento" venha, no plano político, de sectores que, antes, o achavam uma instituição reaccionária.
Pessoalmente, valha a verdade, vejo com sincera normalidade a união de homens com homens e mulheres com mulheres (e se vier a ser permitido o casamento dos mesmos, não me apoquenta minimamente), esperando apenas que a minha heterossexualidade não venha a ser um estorvo, no futuro, já que parece que há certos sectores da extrema esquerda e dos media que fazem parecer inaceitável qualquer opinião de tom mais conservador.
Também neste domínio, há que usar de tolerância, permitir o exercício da liberdade, mas procurar um ponto de equilíbrio entre as sensibilidades da maioria e da minoria.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Ainda a lógica do toucinho

Vejamos se nos entendemos, ainda a propósito das caricaturas de Maomé...

Sabiam os editores que iriam irritar os muçulmanos, mormente os mais fanáticos?
Sabiam, até porque o projecto surgiu na sequência da dificuldade de um autor em arranjar quem desenhasse o profeta.

Deviam ter-se abstido da publicação?
Creio que não. Uma coisa é pisar o risco, outra é ceder a imposições culturais alheias, quando estamos em nossa casa.
Dito de outro modo, entendo que devemos cumprir certas regras (desde que não ofendam princípios inegociáveis de dignidade humana), quando estamos nos países muçulmanos, mas era o que mais faltava, por muito mau gosto que haja nisso, que não se possa desenhar, por cá.
A não ser assim, qual o limiar de comunidade muçulmana ou a "patente" de um visitante oficial dessas paragens necessários para que proíbamos o uso de mini-saias?
E a homossexualidade, quando passa a ser castigada, até com a morte?
E as barracas de entremeada, à porta dos estádios, quando serão incendiadas?

Sei que retratar Maomé poderá ser visto como ofensa magna, mas dar um passo atrás, por muito pequeno que seja, equivaleria a iniciar uma série de recuos, que não se sabe onde pararia.
A civilização ocidental teve os seus períodos históricos de intolerância, maxime com a Inquisição, e considera-se mais evoluída, hoje, quando já goza de uma ampla liberdade de expressão.
Ora só a interpretação que a esquerda libertária (anarca, digo eu) dá ao conceito de multiculturalismo é que nos pode fazer sentir pejo em afirmar que, neste domínio, acreditamos que estamos mais avançados.
Tal não implica que olhemos outras culturas e credos como inferiores, ou que não possamos conviver com eles; o que quer dizer-se é que há coisas em que, por já termos dado o "salto em frente" (que me perdoem os maoístas pelo plágio), não devemos ceder um milímetro. A liberdade de expressão é, precisamente, uma dessas conquistas.
Depois, há outro plano. Por cá, no mundo dos que, alegadamente, desrespeitam o profeta, há pequenas regras de convivência, como seja, entre outras, a da proporcionalidade da reacção.
Assim, e bem vistas as coisas, parece-me que ameaças de morte, pilhagem e destruição de postos diplomáticos, e violência sortida não abonam muito a favor da imagem dos seguidores de Maomé, por muito que sejam uma gota de água num oceano de gente pacífica. Embora a ideia também possa ser cretina, bem andou um jornal, salvo erro, iraniano, que decidiu responder com um concurso de cartoons sobre o holocausto. Já que não conseguiram ser superiores ao jornal dinamarquês, ao menos foram equivalentes...
Por ora, o remédio é mesmo esperar que se acalmem os ânimos, mas não pedir desculpa ao nível de Estados, já que, convenhamos, falamos de desenhos.
Doravante, há que consensualizar bases de tolerância recíproca, já que a "Idade Média" é tão extrema quanto o "Pós Modernismo", em que alguns europeus gostam de vogar.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Chico e o Diabo

Se há recordação que guardo dos debates parlamentares sobre novas tecnologias (aquelas sobre que se dizia, por vezes, na distribuição interna de tarefas, "isto é 'computadores' não é?!") é a de ver Francisco Louçã chamar a si os debates, em que aproveitava, "dia sim, dia sim", para aspergir bílis oratória sobre Bill Gates e a Microsoft.
Defendia o premier bloco-anarco-trotskista que o chamado software livre deveria ser a regra - deveria haver sempre acesso ao código-fonte e a possibilidade de alterar os programas - e que o de licença (os programas que compramos, como, por exemplo, o famoso Office - sim, se fez cópia, fique a saber que muita gente compra) seria excepcional, desde logo na actividade da Administração Pública.
Não vou entrar nos pormenores desses confrontos ideológicos (na altura não havia blog bloquista que não me enxovalhasse), dizendo apenas que o PSD defendia que a solução a adoptar pelo Estado seria a que mais servisse os seus objectivos, independentemente de ser livre ou de licença.
O ponto, agora, é o de lembrar que Gates representava para Louçã o que Lucífer representa para a Bíblia.
Ora é este mesmo homem (Gates) que, a mais das causas sociais em que se empenha (e podia não o fazer), em todo o mundo, veio a Portugal com um programa de acção que, a mais de 19 projectos que passam pela Educação e pela segurança, se dirige também ao problema dramático da iliteracia tecnológica no sector têxtil, e ao da qualificação de recursos humanos carenciados, em geral.
A parceria com a Microsoft parece-me mais um sucesso para José Sócrates, que, aliás, exultou, ainda ontem, numa escola do 1º ciclo, com a extensão universal da banda larga na rede de escolas.
O nosso atraso é, claramente, educacional e cultural (aqui, então, há milhares de anos-luz a acelerar, com o próximo Ministro da Cultura).
Espero, depois disto, que o Grupo Parlamentar do PSD pergunte ao Deputado Louçã como conseguiria resultados sequer parecidos, com as alternativas "reviralhistas" que sempre propõe.

Maomé e a Dinamarca

Uma das formas de liberdade tem sido particularmente abordada, nos últimos tempos: a liberdade de expressão.

Nos tempos de mediatização extrema que vivemos, é muito comum usar de um tremendo pudor, quando falamos dos órgãos de comunicação social, já que, por um lado, qualquer reparo é comummente apelidado de censura e, por outro lado, porque há a noção de que não estar “no ar” é não existir publicamente. Um exemplo inocente deste último caso é o facto de, mesmo depois de ter sido substituído, há meses, haver transeuntes que se me dirigem, julgando que ainda desempenho funções parlamentares; tal é, sem dúvida, função da exposição de que fui alvo. Ora, se isto acontece a um quase-anónimo como eu, imagine-se o que sucede com as nossas “vedetas”, e perceba-se que a relação se torna, por vezes, quase promíscua, tal a “necessidade” de aparecer.

Em si, nada de mal vejo nisto. Comunicar com milhões exige meios de comunicação de massas, com as consequências para a mensagem que daí advêm, e que não são famosas.

Todavia, o que não pode, a meu ver, é cair-se no extremo de aceitar um poder mediático de facto, que não esteja obrigado a jogar o jogo de direito. Penso que é aceite que os media condicionam (legalmente, claro) os políticos e os eleitores e, assim sendo, não vejo como pode esta prerrogativa viver sem obrigações de igual monta.

A “razão de Estado” deve poder ditar algo, em ultima ratio, porque, por exemplo, se as televisões são privadas, o espaço ou espectro de emissão deve ser visto como espaço público. De igual modo, se a imprensa escrita for privada – e deve ser, como já defende o PSD, desde Sá Carneiro – não são privatizáveis os fundamentos da democracia que, designadamente, na óptica de Dahl, exigem acesso à informação e a fontes alternativas, para a obter.

A razão deste post tem a ver com muitas reclamações acertadas (penso, por exemplo, em uma ou duas de Garcia Pereira) e outras tantas “queixinhas” que ouvi, durante a mais recente campanha eleitoral. Entendo que Portugal deveria pensar o assunto com tempo e coragem, assim disponham os grupos parlamentares (não conheço a realidade actual) de representantes bem preparados, já que este é um daqueles temas em que não basta “ter umas luzes” ou achar que se sabe – algo comum no nosso “falabaratismo” político.

Um caso de estudo seria sem dúvida a polémica gerada em torno de publicações da Dinamarca e da Noruega que retrataram Maomé (primeira ofensa ao Islão) em termos pouco edificantes (aqui, nem se fala).

Ante os naturais protestos do mundo muçulmano – conhecido pela sua intolerância em assuntos religiosos e pela abertura quase nula dos programas escolares, salvo honrosas excepções – o Primeiro-Ministro dinamarquês “Anders Fogh Rasmussen repetiu a afirmação de há quatro meses "A liberdade de expressão é uma das bases da democracia dinamarquesa. O Governo não pode influenciar as decisões dos media privados".”, segundo o Diário de Notícias, na sua edição de anteontem. É preciso sublinhar que o contexto é apimentado por ameaças de morte aos autores dos desenhos e à direcção do jornal.

Vale tudo? Se não valer, onde se fixam os limites e quem zela por isso? Devemos ceder na nossa tradição de liberdade, perante um multiculturalismo que é, muitas vezes, a ditadura das minorias?

Creio, no fundo, e não achando particular piada a sátira religiosa, que o Premier escandinavo acertou no fim, mas não no meio, já que os poderes públicos não podem demitir-se da sua função da avaliar a interpretação que é feita do conceito de ordem pública democrática.
Serão os nossos políticos e a nova entidade reguladora capazes de tratarem esta questão, comme il faut?
Em resposta, cito Paulo Gonzo: "pagava para ver"...