sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Desisto…


No domingo, para passar o tempo, decido ir ao cinema; já para matar o tédio, escolho o último filme com Stallone e todos os seus camaradas que preencheram a minha adolescência. E que genial é vê-los todos juntos, na fase da artrose, esfanicando tudo e mais umas botas, com a tecnologia de hoje.

Mas tudo isto vem a propósito da saída do dito entretenimento; estão as salas alinhadas ao longo de um corredor do piso superior de um centro comercial (Millenium) de Caracas, desembocando a saída (ao lado do ecrã) em frente a vedação em vidro. Como é meu hábito, deixo-me ficar para último, pois não apenas gosto de ver a ficha técnica, como detesto atropelos e tenho um tremendo medo de espalhar-me nas modernas e abruptas descidas das semi-obscurecidas salas.

Assim sendo, decide aqui o vosso amigo, sendo a penúltima pessoa a deixar o quarto escuro (salvo seja), ficar um pouco a contemplar o centro comercial que, a mais de estar absolutamente deserto, tem uma arquitectura interessante. Nisto, educadamente, o jovem funcionário que estava mais próximo da porta saiu para avisar-me de que era obrigatório continuar a circular (assim tipo Torre de Londres ou Mausoléu de Lenine…). Ante a minha estupefacção, a última pessoa (uma jovem), explicou-me que a advertência era para permitir o escoamento dos espectadores e não haver pressão contra o tal muro envidraçado.

Aqui chegados, eis o ponto: a regra faz todo o sentido para uma sala cheia e/ou num dia em que o centro comercial tenha as lojas abertas e pessoas circulando. No caso, não só o corredor (que teve ter uns bons dois metros de largura) é exclusivo para as salas de cinema, como – repito – era a penúltima pessoa (e já com alguma dilação temporal para o “pelotão”) e não havia nenhuma outra sessão terminando.

Não quero discutir a regra (que, aliás, me parece ajustada), mas a falta de flexibilidade intelectual posta por ambos os intérpretes, que vejo repetida em largas fatias das gerações mais jovens. O empregado aplicou uma regra boa de forma abstracta, sem revelar capacidade para perceber (garanto que o santo moço não suspeitou sequer do motivo do meu esgar de surpresa) que o enunciado ficava ridículo no caso sub judice.

Foi aqui que pensamento me devolveu aos saudosos tempos da minha tese de mestrado: a configuração mental das gerações que já nasceram com a televisão como companheira é mesmo diferente! Como avisava Sartori, surge um homo videns que perde a capacidade de abstrair, sendo dotado de um raciocínio menos ágil, já que as imagens sucessivas impossibilitam essa pausa reflexiva.

Não se julgue que entrei na idade do “no meu tempo é que era”! Reconheço que a rapaziada jovem tem acesso a muito mais conhecimento (mormente, via Internet) do que o disponível nesses dias de maior vigor por parte do meu esqueleto, e que quem sabe de algumas áreas pode saber muitíssimo. Porém, perde o enciclopedismo e a visão ampla do mundo e da humanidade.

São linguagens diferentes… Não vale a pena insistir…

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Arranjando os ovos para a omeleta


Depois de, na semana passada, ter expressado a minha tristeza pela reiterada intenção de alienação do acervo Miró constante do património do BPN a liquidar, volto à área cultural para relatar-vos uma experiência apaixonante que estamos a ter na Venezuela: o concerto “Algo Eléctrico”, que vai ter lugar no próximo domingo, no Centro Português de Caracas, e que partiu de uma base de financiamento público igual a zero.

Ao concebermos este concerto procurámos ilustrar uma relação entre dois países e dois povos que, a nosso ver, vai muito para além dos limites estritos da política e da economia, entrando mar adentro por oceanos de cultura em que os povos venezuelano e português são, há muito, companheiros de viagem.

Esta ideia é transmitida pelo cruzamento que se fará entre maestros e compositores. A mais de dar a conhecer à audiência maioritariamente portuguesa os compositores clássicos de Portugal e Venezuela, de uma forma pedagógica, simboliza-se a universalidade da cultura ao solicitar ao Maestro Osvaldo Ferreira (Portugal) que dirija as obras venezuelanas (de Evencio Castellanos e de António Lauro) e ao Maestro Régulo Stabilito que o faça em relação às composições portuguesas (de Joly Braga Santos e de Luís de Freitas Branco), bem assim como ao adoptar como executante comum a mundialmente prestigiada Orquestra Sinfónica da Venezuela.

À medida que a ideia tomava corpo, ficava a sensação de que faltava um traço final para acabar de pintar o quadro musical que queríamos oferecer ao público. Eis, então, que ele nos aparece com a inclusão do conhecido músico venezuelano Pedro Castillo (conquistou fama como vocalista da banda Aditus, nos anos 90), cujo tema “Algo Eléctrico” ilustra a relação harmoniosa e de perfeita integração dos portugueses que emigraram para a Venezuela e das gerações subsequentes (algo que nem sempre se passa com as nossas Comunidades da diáspora), na tal mescla de culturas que ultrapassa todas as fronteiras. Como diz a letra da canção que empresta o mote para a tarde cultural de domingo:

Pregunté a los grandes entendidos
Y ellos no entienden lo que trato de explicar
No razono ni escucho, tú me has cambiado mucho
esto tiene que ser electricidad

Hay algo eléctrico entre tú y yo
que no sabemos como aparecio
Es algo eléctrico entre tú y yo
tú y yo, tú y yo

 

Coroando desta forma um desafio que convida um venezuelano a explicar a herança clássica portuguesa e vice-versa, dá-se uma banda sonora a uma relação sentida que vai muito além do explicável por palavras, já que há, efectivamente, “algo eléctrico” entre os dois povos e suas culturas.

O que destaco é o facto de Centro Português de Caracas, Orquestra Sinfónica da Venezuela, EDP, CGD e BPI terem dado mãos a uma Embaixada cujo o investimento material foi muitíssimo residual, cabendo-nos o gozo e o orgulho de “inventar” o espectáculo. Dito de outra forma: há sempre corrente para dar energia à nossa Cultura, assim havendo determinação.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

A surreal arte de decidir


Sempre fui um admirador das qualidades pessoais e políticas de Pedro Passos Coelho, desde os tempos em que me liderou na JSD. Creio mesmo que a sua determinação férrea (a roçar a obstinação, por vezes) já valeu de muito a Portugal, nestes tempos difíceis. Qualquer líder mais permeável a pressões partidárias internas ou com inclinação narcisista já teria vacilado e, consequente e matematicamente, deitado por terra o esforço heróico dos portugueses.

Porém, há um ponto em que teria seguido um trilho diferente: a venda da já célebre – embora pelos maus motivos – colecção Miró. Com passagem por vários estilos e artes, Joan Miró é comummente dito um surrealista e as suas obras são altamente apreciadas e fartamente cotadas nos circuitos artísticos internacionais. Penso, todavia, que o surrealismo é estimável na arte, mas não tanto na política cultural e, aqui, temos o cerne da minha respeitosa discordância.

Desde logo, se entendo a Cultura como algo essencial para o bem-estar individual de cada pessoa e para a auto-estima de um povo (ainda que se trate de um acervo de origem estrangeira, seria detido por nós, sendo, ademais, que a arte é universal), conservar esta colecção desencantada no fundo do abismo que o BPN abriu nas contas de todos nós seria uma homenagem a uma valorosa gente que tanto tem sofrido, entre outras coisas, para pagar tão obscuro negócio bancário.

Acresce que, bem anunciada, a decisão de criar um museu ou de repartir as obras pelos museus existentes seria uma bem acolhida e refrescante novidade no tétrico alinhamento dos noticiários actuais, que se fazem, predominantemente, de crises, guerras e temporais…

Vem depois a pedra de toque do Governo: os milhões a arrecadar. Muda, ab initio, a perspectiva se, como deve ser, se vir a Cultura como um investimento e não como um gasto, pelos motivos aduzidos. Contudo, nem é preciso pedir tanta “alma” aos decisores; mesmo economicamente, com as entradas a cobrar e com os empréstimos a museus estrangeiros (remunerados ou à troca de empréstimos que proporcionam exposições com entradas pagas), a colecção acabaria por se pagar a si própria com a indemnização à leiloeira e tudo o mais. Demoraria? Com certeza, mas uma decisão deste jaez deve considerar as gerações futuras.

Considero muito acertada, por isso, a decisão da Procuradora-Geral da República de combater judicialmente a venda daquilo que designou com acerto de “património nacional”. Numa decisão sábia, ou muito me engano ou já deteve a alienação por largo tempo (a incerteza é rainha nos próximos meses ou anos). Durante este tempo, a meu ver, recuar seria prova de força e não de fraqueza, politicamente falando.

Sinceramente, termino com uma nota de tristeza pelas palavras que escutei do meu amigo e Secretário de Estado, Jorge Barreto Xavier. Pelos vistos, ainda não será ele a dar um murro na mesa contra a ditadura da Economia sobre a Política e a Cultura…