quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Começa a fazer sentido

 

        Passando vários anos fora do País, aproveitei para meditar nas questões que muitos de nós (mormente os que, como eu, não têm actividade política) consideramos promessas incumpridas da democracia, que chegou em 1974. Designadamente, atormenta-me não conseguir respostas para algumas questões basilares como sejam a do atraso recorrente em relação a países que nos seguiam na escala de desenvolvimento e a do agravamento grosseiro das desigualdades sociais, nivelando por baixo.

            Tendo dado o meu modestíssimo contributo para uma iniciativa que, espero, conhecerá a luz do dia num futuro próximo, fico, ainda assim, com a sensação de que a explicação reside, em parte não despicienda, em nós próprios enquanto nação. Dito isto, o, hoje em dia, obrigatório aviso de salvaguarda: não me imagino a ser outra coisa que não português e, mais do que provavelmente, terei de me incluir em todos os “pecadilhos” referidos “infra”.

            Usufruindo da possibilidade de a confrontar com a vivência de outras “culturas” (nenhuma delas perfeita, mas todas diferentes), fico com a sensação de que o nosso fado será sempre triste, enquanto não nos envolvermos num processo de mudança de mentalidade ou, como se diz agora, de “chip”. Desde logo, creio que temos a tendência para invejar o sucesso alheio, perdendo preciosos momentos de aprofundamento das nossas virtudes. Se o vizinho compra um carro melhor ou muda para uma urbanização mais cara; se o colega é promovido ou ganha umas coroas extra com uma regalia; se um companheiro (ou camarada, para os praticantes da modalidade) alcança um lugar de destaque – se todas ou alguma destas coisas tiver(em) lugar, dizia –, a tentação de muitos de nós será pensar e até verbalizar uma ideia que atribua esse avanço a amiguismo, “lambe-botismo”, “cunhas”, sorte ou até mesmo a suposições sobre actividades a que, no contexto, atribuímos maior grau de perversidade (atoarda que, pese embora os progressos na igualdade de género, continua a ser “cuspida” contra as nossas concidadãs).

            Ao mesmo passo, esta mesma “dor de cotovelo” alimenta rancores que nos distraem, nos debilitam e nos tornam descrentes.

            E é neste último ponto que entronca uma terceira linha de pensamento: parece-me que não acreditamos no mérito. Em vez de crermos que, trabalhando como os que têm êxito, podemos chegar a outros patamares, preferimos refugiar-nos na azia mencionada. E o pior é que, muitas vezes, temos razão e o sucesso anda divorciado do mérito.

            Neste particular e em quarto lugar, não vale sequer a pena (outras das nossas pechas) passar as culpas para “os tipos do governo” (embora várias vezes apeteça e outras tantas seja merecido), pois eles saem do meio de nós. Enquanto não melhorarmos como todo, pouca será a excelência das partes.

            Por fim, uma última nota: em vez de acreditarmos que podemos ser excelentes quando vemos exemplos de excepcionalidade como o de Cristiano Ronaldo e outros, preferimos conservar o nosso obscurantismo medieval e acreditar em homens providenciais. Assim, será difícil…

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Entre pouca e sem vergonha

Salvo o devido respeito pelas pessoas envolvidas, o recente anúncio por parte do

Primeiro-Ministro de que tenciona privatizar a TAP envolveu um momento inicial de

contenção para evitar grosserias e enxovalhos.


Então o antipatriótico negócio de Passos Coelho que, imagine-se, ousara

privatizar a companhia de bandeira agora é bom?!


Foram precisos milhares de milhões de euros para que Costa e o Ministro-que-

não-quer-perder-o-lugar Santos percebessem que a gestão pública não só pratica preços

caríssimos (exemplos disso mesmo, a Madeira e a Venezuela) como acumula prejuízos

colossais?!


Que seria se fosse um governo de base PSD a gastar rios de dinheiro para chegar

à conclusão de que a decisão do executivo anterior estava correcta? Qualquer coisa

menor do que um mar de demissões não calaria a nossa esquerda, guardiã da moral que

é ou julga ser.


Traz isto também à memória a Caixa Geral de Depósitos, ainda na senda da saga

“socialismo lava mais branco” (salvo seja, referindo-me à habilidade de comunicação):

de que me serve a mim português um banco público com comissões iguais ou mais

caras do que os outros bancos?! A menos que… Se calhar já devia ter percebido que

cada vez menos contamos. É tudo macro e o micro que seja devidamente entretido,

confundido e esmagado pela circunstância, ainda para mais quando os seus gestores se

deixam mansamente desalojar e produzem lucros interessantes para os novos inquilinos.

Com franqueza, o que mais me espanta é a apatia da maioria da população,

provavelmente sufocada pelas contas que não consegue pagar e encandeada pelas

esmolas que o Terreiro do Paço vai lançando seja sob a forma de uns pós de reforma

que iludem os cortes vindouros, seja como ruido imperceptível sobre a factura

energética que só entenderemos quando doer a valer.


Temo que já não haja vergonha… Se a houvesse, logo desde o início, Passos

Coelho (que venceu) não teria sido destronado pelo PS com apoio do BE e do PCP; o

mesmo PS que foge do Chega como o diabo da cruz, sem referir que os nossos

camaradas apoiaram e continuam a apoiar os maiores facínoras à face da Terra.


É este o despudor que leva a aceitar a continuidade de uma Ministra (de cuja

honestidade legal e financeira não duvido) cujo marido concorreu a fundos tutelados ou

administrados pelo seu ministério. Legal? Com certeza. Ético? Eu não aceitaria, mas

depois deste rol, vejo que a minha moral é medieval. Siga a festa, pois,

inequivocamente, gostamos de ser levados por sorrisos e esmolas.