Realmente, o ser humano nem sempre é mau... ou será?!?
Enquanto estava em Lisboa fazia todos os dias o mesmo percurso: casa-escritório, escritório-ordem, ordem-escritorio, escritorio-casa... Claro que como a rede de metro, em Lisboa, é fantástica, decidi torná-lo o meu transporte de eleição.
E às 8h50 da manhã, lá entrava eu em Carnide (ou Telheiras) para chegar às 9h10 ao Marquês de Pombal. Só voltava a apanhar o metro de regresso depois das 19h15...
Achava que trabalhava imenso, que ficava estourada... que trabalhava horas a mais!
Um dia parei para pensar...
Havia um senhor, que todos os dias estava na escadaria do metro, na minha saída... Figura esguia, cara magra. Não consigo precisar a sua idade, mas era velho. Todos os dias, aquele homem estava no mesmo sitio: fim das escadas, no sitio em que a estação já não é coberta, encostado à parede, junto a um corrimão. Apoiava a cabeça nessa parede... olhar parado, perdido no vazio, expressão triste, marcado por uma vida amarga, sem fitar ninguém. Não estava mal vestido, mas a roupa era sempre a mesma, toda azul marinho, sóbria, assim como a “tacinha” laranja que tinha sempre junto de si, à espera que alguém se lembrasse dele. Ficava assim todo o dia (posso dizê-lo, cheguei a ter de sair do escritório a horas desencontradas e ele estava sempre ali, nem sequer saía para o almoço!). Acho que não reparava em ninguém, não sei se alguém repararia nele. Seria quase impossível não reparar, mas às vezes as pessoas andam tão perdidas nas suas vidas... não é por mal, acontece! Desde manhãzinha (quiçá madrugada) até à noite, ele não saía dali... praticamente nem se mexia. Fizesse chuva, sol, vento, calor, frio... ele não saia dali. Naquela escadaria desabrigada não havia faltas para ir ao médico, para ir de férias, para saír mais cedo. "Trabalhava" mais do que eu, mais horas, em condições muito piores... e não tinha ar de quem se queixasse.
Talvez gostasse de conversar: havia um dia da semana (talvez sexta-feira, não consigo precisar) em que tinha uma companhia e falavam. Ela falava com ele. Gorda, cabelo desanrajado, saia ligeiramente abaixo do joelho, vermelha, sapatilhas velhas, sujas e gastas e umas meias tipo soquettes que lhe deixavam as canelas expostas. Deviam ter assuntos e vivencias em comum… a vida tinha sido dura para os dois.
Lembrei-me dele na noite anterior à véspera de Natal... pensei onde iria estar, com quem iria estar. No dia 24, antes de fazer as últimas compras passei pela escadaria, para tentar dar-lhe um Natal melhor. Não estava lá. Nunca imaginei como aquela escadaria ficaria tão vazia sem ele. Nunca imaginei sentir assim a falta dele. Fiquei uns segundos parada a pensar... onde estará? O que faço com as coisas que lhe trouxe (que estavam devidamente embrulhadas e com laços bonitos)?
Durante 2 ou 3 dias ele faltou... E aquela falta angustiou-me! Achei que me teria lembrado dele tarde de mais. Fui inundada por um sentimento de culpa arrasador, afinal de contas, fazia aquele percurso desde meados de Setembro e nunca tinha tido coragem para o abordar...
Nessa semana ele voltou. a minha consciência sentiu-se mais aliviada.
Hoje já não passo por lá, já não sei se ele ainda lá está. Vou pensando nele...
Aprendi a não me queixar tanto!
Enquanto estava em Lisboa fazia todos os dias o mesmo percurso: casa-escritório, escritório-ordem, ordem-escritorio, escritorio-casa... Claro que como a rede de metro, em Lisboa, é fantástica, decidi torná-lo o meu transporte de eleição.
E às 8h50 da manhã, lá entrava eu em Carnide (ou Telheiras) para chegar às 9h10 ao Marquês de Pombal. Só voltava a apanhar o metro de regresso depois das 19h15...
Achava que trabalhava imenso, que ficava estourada... que trabalhava horas a mais!
Um dia parei para pensar...
Havia um senhor, que todos os dias estava na escadaria do metro, na minha saída... Figura esguia, cara magra. Não consigo precisar a sua idade, mas era velho. Todos os dias, aquele homem estava no mesmo sitio: fim das escadas, no sitio em que a estação já não é coberta, encostado à parede, junto a um corrimão. Apoiava a cabeça nessa parede... olhar parado, perdido no vazio, expressão triste, marcado por uma vida amarga, sem fitar ninguém. Não estava mal vestido, mas a roupa era sempre a mesma, toda azul marinho, sóbria, assim como a “tacinha” laranja que tinha sempre junto de si, à espera que alguém se lembrasse dele. Ficava assim todo o dia (posso dizê-lo, cheguei a ter de sair do escritório a horas desencontradas e ele estava sempre ali, nem sequer saía para o almoço!). Acho que não reparava em ninguém, não sei se alguém repararia nele. Seria quase impossível não reparar, mas às vezes as pessoas andam tão perdidas nas suas vidas... não é por mal, acontece! Desde manhãzinha (quiçá madrugada) até à noite, ele não saía dali... praticamente nem se mexia. Fizesse chuva, sol, vento, calor, frio... ele não saia dali. Naquela escadaria desabrigada não havia faltas para ir ao médico, para ir de férias, para saír mais cedo. "Trabalhava" mais do que eu, mais horas, em condições muito piores... e não tinha ar de quem se queixasse.
Talvez gostasse de conversar: havia um dia da semana (talvez sexta-feira, não consigo precisar) em que tinha uma companhia e falavam. Ela falava com ele. Gorda, cabelo desanrajado, saia ligeiramente abaixo do joelho, vermelha, sapatilhas velhas, sujas e gastas e umas meias tipo soquettes que lhe deixavam as canelas expostas. Deviam ter assuntos e vivencias em comum… a vida tinha sido dura para os dois.
Lembrei-me dele na noite anterior à véspera de Natal... pensei onde iria estar, com quem iria estar. No dia 24, antes de fazer as últimas compras passei pela escadaria, para tentar dar-lhe um Natal melhor. Não estava lá. Nunca imaginei como aquela escadaria ficaria tão vazia sem ele. Nunca imaginei sentir assim a falta dele. Fiquei uns segundos parada a pensar... onde estará? O que faço com as coisas que lhe trouxe (que estavam devidamente embrulhadas e com laços bonitos)?
Durante 2 ou 3 dias ele faltou... E aquela falta angustiou-me! Achei que me teria lembrado dele tarde de mais. Fui inundada por um sentimento de culpa arrasador, afinal de contas, fazia aquele percurso desde meados de Setembro e nunca tinha tido coragem para o abordar...
Nessa semana ele voltou. a minha consciência sentiu-se mais aliviada.
Hoje já não passo por lá, já não sei se ele ainda lá está. Vou pensando nele...
Aprendi a não me queixar tanto!
1 comentário:
Eis um post com um teor diferente do que o ‘lodo’ nos habituou...
Eis um post que me deixou um pouquinho melancólica e que me fez (re)pensar...
Neste mundinho caótico em que vivemos, somos (todos!) tão egocêntricos que pouco vemos para lá do nosso umbigo...
Todos os dias nos cruzamos com pessoas que estão sós.
E esquecemo-nos que podemos fazer muito por elas...
Tudo se resume a um verbo: “dar”...
Um sorriso, uma mão... um ‘bom dia’ ou talvez meia dúzia de palavras...
Infelizmente, não temos a noção das repercussões que estas pequenas coisas podem ter na vida de outros. Dos que estão sós, dos que são pobres de afecto...
Embrenhados no nosso mundinho, nem sequer nos ocorre que um dia também nós (sim, nós...) podemos vir a conhecer o verdadeiro significado da palavra ‘Solidão’.
E não deve haver nada pior do que se sentir só quando se está rodeado de multidões, como o velho da saída do Metro que a Sara ‘conheceu’... e que a páginas tantas, ainda deve por lá estar...
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