quarta-feira, 27 de março de 2013

A honestidade não vende jornais

Leio no "Correio da Manhã" de hoje (terça-feira) o seguinte: "Ao que o CM apurou, as escutas em causa mostram que, apesar das pressões de Ricciardi, o primeiro-ministro recusou interceder a favor dos concorrentes assessorados pelo BESI, remetendo a decisão para o conselho de ministros".
O facto não me espanta, pois conheço o nosso "Premier" e sei que, errando como todos os humanos, é de uma honestidade inquestionável. Podem detectar declarações menos felizes ou estados de alma menos simpáticos e, mesmo aí, nem me parece que tenhamos muita razão de queixa; todavia, sou capaz de apostar os meus magros recursos em como não detectarão qualquer ilegalidade em que Passos Coelho se tenha envolvido voluntária e conscientemente. Os mais de vinte anos de conhecimento e de amizade dão-me essa satisfação, como amigo, e essa tranquilidade, como cidadão.
O que me irrita e indigna é que a transcrição que fiz não seja o título da primeira página, já que, à menor suspeita, os jornais são lestos a usar a capa para pôr em causa a dignidade dos políticos.
Com isto não se pense que sou contra denúncias fundamentadas, algo que até defendo à luz do papel que os media deveriam ter como guardiões da democracia. O problema é outro e tem via dúplice: por um lado, muitas das notícias supostamente incriminatórias são baseadas em rumores e, por outro lado, o seu desmentido, nos casos em que se justifica, é tardio e tem um milésimo do destaque conferido ao enxovalho.,
Este é o mesmo problema que tenho trazido às nossas “conversas” semanais: a conversão dos media em empresas que visam o lucro e procuram o produto mais vendável, que é, sem volta a dar-lhe, a emoção e não a razão.
Neste caso, não seria possível ao diário citado enaltecer o lado bom do nosso chefe de governo? Não seria bom animar as hostes, dizendo que o rosto dos sacrifícios cumpre escrupulosamente com a ética que deve exigir-se a um representante da Nação?!
Bem podem discordar com base no facto de Passos Coelho não ter feito mais do que a sua obrigação; contudo, não é essa a desculpa dos media (a obrigação) sempre que querem publicar algo que põe os político em xeque?!...
A este respeito, não saio daquilo que costumo dizer: tal conduta só degrada o prestígio dos políticos, o que, por seu turno, pode vir a ter duas consequências. A primeira é a de que a destruição do que temos só pressagia demagogias extremistas ou messianismos mediáticos. A segunda augura que só mesmo “partisans” que escolham a carreira política como modo de vida é que aceitarão servir os portugueses, pois se muitos, hoje, o aceitam por patriotismo, visto que gente honesta não enriquece com o vencimento de político, temo que, no futuro, a auto-estima dessas pessoas tenha limite, se o apoucamento for a regra.
O que se passará com os nossos media?! A honestidade não vende?!

segunda-feira, 4 de março de 2013

A culpa é dos políticos descartáveis

Na sequência do meu último artigo, recebi uma crítica de alguém que prezo muito, não só pela objectividade que coloca em todas as suas análises mas também porque não milita em qualquer partido e assim isenta nas suas apreciações.

Dizia ela, que grosso modo concordava com o meu artigo, mas usando uma expressão minha, rematava com, tal como tu dizes é uma mão cheia de nada.
Vamos então à questão essencial e como me é habitual colocar uma questão de fundo:
Há alguma saída para esta crise no curto prazo?

Creio ser consensual, que qualquer saída passará obrigatoriamente pelo crescimento económico que gera emprego e consequentemente gera mais receitas fiscais, menos custos nas prestações sociais e no fim menos défice e menos dívida pública. Estarei a ver mal a equação?

Usando alguma objectividade, não vou abordar aqui a questão de mais ou menos saúde, educação, reformas, pobreza, etc..., uma vez que são a consequência lógica e irrefutável do sucesso ou insucesso do crescimento económico.
Mas, voltemos então à equação e comecemos por analisar se o crescimento económico se decreta ou se é por outro lado uma variável que depende única e exclusivamente de nós, se depende de nós e da UE, ou até se depende de nós, da UE e no limite da economia global?

Resolvi então fazer alguma pesquisa e tentar perceber porque é que a ausência de crescimento, aumento do desemprego e os défices públicos não são um exclusivo Português. Se isto for uma evidência, então podemos calmamente tirar uma de três conclusões ou se calhar as três:
- o modelo económico dos países ocidentais está esgotado e carece de uma refundação
- os recursos são finitos e tornamo-nos demasiado egoístas, porque não queremos dividir benesses e regalias que conquistámos com os países emergentes
- ou finalmente, porque sucumbimos à tentação de queremos para nós o filet mignon, dando assim o osso aos países mais pobres, pensando que eles trabalhariam para nós por meia dúzia de tostões e que deste modo não precisaríamos de trabalhar vivendo assim dos rendimentos.

Vamos então à análise objectiva com base nas projecções para 2013, bastando para isso 5 países:

Crescimento económico
Previsão inicial
Última revisão
Erro na previsão
Alemanha
1,7%
0,5%
70%
França
0,8%
0,1%
           88%
Espanha
-0,4%
-1,4%
250%
Portugal
-1,0%
-2,0%
100%
Inglaterra
1,8%
0,9%
50%

Este quadro ilustra perfeitamente, que a crise é sistémica, que não depende de um País ter moeda própria, que Vitor Gaspar engana-se tanto como os seus ilustres pares e que a saída para a crise não depende de nenhum País em particular.
Salvaguardas as devidas diferenças que vão desde o grau de industrialização, maturidade, organização e qualidade da democracia, a Inglaterra é o único País, que não está no euro e por isso, tem toda a liberdade para emitir moeda e segundo alguns medíocres, ultrapassar facilmente a crise económica, então porque não o faz?

Há uns meses ouvia um reputadíssimo economista Português dizer, que a solução para Portugal estaria na saída do Euro, sofreríamos um choque inicial, ficaríamos mais pobres momentaneamente, mas que a seguir teríamos o oásis. Será?
Paradoxalmente, podemos também abordar um País e um tipo de líder que prometeu mudar a França, a Europa e quiçá a economia mundial e os resultados estão à vista. Refiro-me a François Hollande, que de um momento para o outro, passou de desconhecido a iluminado, de enérgico a resignado, de salvador a indiferente e ou corrige a trajectória, ou passará rapidamente, de Herói a Vilão. Segundo as últimas sondagens, dois terços dos Franceses estão desiludidos. Será por isso, que nunca mais ouvimos António José Seguro referir o seu nome?

Portanto, como é fácil de entender, não é por um País ser mais ou menos liberal, por ter mais ou menos estado social, por ter uma democracia mais ou menos consolidada, por ser mais ou menos industrializado, ou até por ter a faculdade de imprimir moeda própria, que o crescimento acontece por geração espontânea.
Sendo assim só pode haver uma explicação, o actual modelo económico Europeu está esgotado.
E está esgotado porquê? Pelo simples facto, de que nos demitimos de pensar, aceitámos que nos vendessem o oásis sem questionarmos, e essencialmente, porque sucumbimos perante as benesses, e o facilitismo.

A Europa industrializada do pós guerra desindustrializou-se, os políticos com envergadura reformaram-se e deram lugar aos políticos descartáveis, a criação de riqueza deslocalizou-se da Europa para os Países emergentes, o desemprego aumentou, o modelo social Europeu ruiu pelo simples facto de que a pirâmide que o sustentava se inverteu, com isto os encargos sociais aumentaram, os impostos para suportar esses encargos aumentaram também, a Europa perdeu competitividade, os políticos descartáveis permitiram que os especuladores financiassem as dívidas dos Países e agora quem nos governa são os grandes grupos económicos.
Respondendo à questão inicial, não há saída para esta crise no curto prazo. Contudo o sofrimento pode ser aliviado, os sacrifícios poderão ser menores mas mais dilatados no tempo, perderemos alguns direitos adquiridos e o futuro será muito mais imprevisível. E tudo isto porquê? Porque salvo raras excepções, somos governados por políticos descartáveis ao serviço dos grandes grupos económicos, que no fim são os nossos credores. Referi propositadamente salvo raras excepções, porque ainda há políticos que colocam o País à frente dos interesses pessoais e partidários.

 P.S. Nem há uma semana, a propósito de políticos descartáveis e a respeito de candidatos às autarquias, um político da nossa praça dizia-me: se o individuo X me mostrar uma sondagem que prove que tem hipóteses de ganhar a câmara, será candidato e terá o apoio do partido.
Questão: Então já não importa saber se tem um projecto, se é honesto e competente?

domingo, 3 de março de 2013

Escassos vestígios de Ética encontrados na Indústria Alimentar


Oxalá a origem deste escândalo da carne de cavalo fosse assim tão simples e caricata, como sugere o cartoon acima. Porém, as proporções desta polémica são bem mais sérias e aumentam de dia para dia, não só quanto ao número de casos detectados, mas também quanto à área geográfica em causa. E se no início da investigação se apontava o dedo à Roménia, agora toda a Europa* parece mergulhada numa outra crise, de origem alimentar...

À parte da questão cultural, do ponto de vista da saúde pública não há qualquer problema em ingerir carne de cavalo - é saudável, mais magra, e ao que parece tem mais vitaminas que a carne de vaca. A questão é mesmo a de rotular carne de cavalo como se de vaca fosse. Trata-se da versão moderna do "comer gato por lebre" e configura, naturalmente, fraude. A carne de cavalo é mais barata e isso motivou a que algumas empresas recorressem a esta carne, sobretudo na elaboração de refeições congeladas. Note-se, contudo, que só se pode falar em fraude quando os valores de ADN detectados nas amostras superam uma certa percentagem, sendo que se for irrisória pode consubstanciar apenas um caso de contaminação acidental.  

A retirada de milhares de embalagens mal etiquetadas levanta, porém, uma outra questão, de foro moral. Numa Europa que atravessa uma crise económica, que recorre a políticas de austeridade sem apelo nem agravo e que se vê a braços com uma nova vaga de pobreza, fará sentido deitar ao lixo milhares de produtos alimentares que estão em bom estado, que não põem em causa a saúde pública e que estão apenas mal rotulados? 

O Ministro francês para o Consumo providenciou uma solução interessante, encaminhando essas refeições para associações que possam distribui-las e servi-las aos mais carenciados, desde que - naturalmente - informem os beneficiários do conteúdo das mesmas. A ver vamos se os demais países europeus têm a mesma iniciativa ou se o desleixo vai ditar-lhes outro destino.    

Para terminar, uma reflexão pessoal: mais do que comer cavalo por vaca, preocupa-me a falta de fiscalização da procedência alimentar que ainda se verifica neste século XXI e a possibilidade de diariamente ingerirmos alimentos processados que não são exactamente aquilo que esperamos. E claro, repugna-me esta ganância por lucros obtidos à conta de um consumidor que cada vez tem menos controlo na sua alimentação. E não é só à custa do consumidor - e da sua saúde, quando se recorrem a substâncias nocivas para aumentar a produção, por ex. -, mas também à custa de trabalho escravizado que ainda hoje existe, sobretudo em indústrias como a do café e chocolate. Ou seja, a rotulagem fraudulenta parece ser apenas a ponta do icebergue, num sector alimentar especialmente propício a actividades ilegais, tendência que se acentua num mundo globalizado, altamente competitivo e onde «vale tudo».**

*Na verdade, esta fraude não se restringe ao Velho Continente; na África do Sul, por exemplo, já foram encontrados vestígios de carne de burro, cavalo, girafa e até de canguru. Consta que mais de 80% dos produtos de carne sul africanos têm um rótulo que não corresponde ao conteúdo... 

**Se o leitor quiser aprofundar este tema recomendo a leitura de «No Happy Cows - Dispatches from the Frontlines of the Food Revolution», de John Robbins.