Esta manhã a academia sueca anunciou o Nobel da Literatura de 2012: Mo Yan, um aclamado autor para uns, um perfeito desconhecido para outros (como eu). Em Portugal há apenas um livro traduzido do escritor chinês e, ao que parece, está fora de circulação. É por isso compreensível que este nome cause, entre nós, alguma estranheza. Porém, mais que estranheza, é discórdia o que a atribuição do prémio a Mo Yan está a provocar.
O descontentamento com o novo Nobel parte sobretudo de observadores de direitos humanos e de escritores chineses. Isto porque o autor é acusado de ser conivente com o regime da República Popular da China. A esse propósito, o artista plástico e mais mediático dissidente chinês da actualidade, Ai Weiwei, disse ao Público que «dar este prémio a um escritor que conscientemente se dissociou das lutas políticas da China de hoje é quase intolerável». Consta que são evidentes os laços estreitos de Mo Yan com o Partido Comunista e que na sua obra o autor espelha uma China desfasada da realidade. Talvez a excepção tenha sido a obra "Peito Grande, Ancas Largas", censurada pelo governo chinês e retirada de circulação, por iniciativa do próprio autor, corria o ano de 1995.
Curiosamente, Mo Yan é na verdade o pseudónimo do autor e significa «o que não fala». E os que agora consideram imerecida esta nomeação lembram, a propósito do outro Nobel (da Paz) chinês, Liu Xiaobo, que Mo Yan nunca se pronunciou sobre o cativeiro deste seu colega que nunca chegou a receber o prémio, anunciado em 2010. O escritor Liu Xiaobo cumpre pena até 2020 por «subversão contra o poder de Estado», ainda que reconhecido pela Academia Sueca por ser «um lutador não violento pelos direitos humanos fundamentais da China».
Bem ao contrário da recepção pela China quanto ao laureado Liu Xiaobo, Mo Yan foi hoje agraciado pelos media chineses e por muitos dos seus conterrâneos pelo galardão obtido.
A discussão que se levanta em torno deste Nobel não é, de facto, simples. Se por um lado é compreensível que nos repulse a cumplicidade de um homem letrado, um intelectual moderno, com o regime de Pequim, que todos os dias é notícia pelos piores motivos, por outro há margem para compreender que a forma de luta de Mo Yan pode bem ser outra: «Some may want to shout on the street, but we should tolerate those who hide in their rooms and use literature to voice their opinions» - disse.
Além disso, o escritor parece não ter muita margem de manobra, e é o primeiro a reconhecer isso, quando falou sobre um episódio na Feira do Livro de Frankfurt, da qual se ausentou juntamente com a delegação oficial chinesa ao constatar que ali marcavam presença dois escritores dissidentes: "Eu não tinha escolha. Recebo um vencimento do Instituto de Investigação para os Artistas do Ministério da Cultura e tenho aí a minha segurança social e o meu seguro de doença. Esta é a realidade na China. No estrangeiro toda a gente tem os seus próprios seguros. Mas na China, se não me puser na fila, não posso dar-me ao luxo de ficar doente".
Sem dúvida, um Nobel cuja justeza é difícil de ajuizar, a menos que se consiga dissociar a qualidade literária do autor - que não ponho em causa - da sua atitude e responsabilidade para com o mundo que o rodeia.
Sem dúvida, um Nobel cuja justeza é difícil de ajuizar, a menos que se consiga dissociar a qualidade literária do autor - que não ponho em causa - da sua atitude e responsabilidade para com o mundo que o rodeia.