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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Uma descarrilada e bárbara novela

Esperei, esperei e esperei… Li, li e li… Escutei, escutei e escutei… E, por pouco, não vomitei, vomitei e vomitei…
A história que envolve o divórcio de Manuel Maria Carrilho e Bárbara Guimarães já motivou dezenas de reportagens vampirescas, centenas de crónicas presunçosas e milhares de piadas de hilaridade variável.
Pois bem: não podendo vencê-los, junto-me a eles, procurando um ângulo pessoal, depois de deixar a questão marinar e, praticamente, sair da agenda.
Assim e em primeiro lugar, devo dizer que sou um fanático da privacidade. Ora, sobre o caso que hoje nos ocupa, a vertente “nacionalizadora” desta íntima propriedade privada tem três perspectivas que vale a pena explorar: por um lado, o meu eventual pesar é amplamente diminuído pelo facto de terem sido os próprios visados a aproveitar o lado cor-de-rosa da mediatização. Enquanto as reportagens foram elogiosas e peças de um puzzle que compunha a imagem de uma família de sonho, não se ouviu murmúrio de pranto ou cautela (antecipadas desculpas se me equivoco).
Por outro lado, foram os órgãos de comunicação social que criaram o “monstro”. Manuel Maria Carrilho mais não é que uma personagem cuja voz foi amplificada por media sequiosos de uma audiência que, cada vez mais, se alimenta de emoção e não de informação. Eram os enxovalhos a outros políticos (relembro as nojentas referências a um momento passado que o, então, ministro Morais Sarmento corajosa e aprioristicamente assumira), as crónicas e intervenções que denegriam quem lhe dava palco (foi com base numa delas que pude contrariar num debate o seu correligionário Augusto Santos Silva), os textos a construir uma imagem de intelectualidade, mesmo que, aposto, quem lhe desse projecção não entendesse uma vírgula (e logo não conhecesse o mérito académico daquilo que lia) da sua obra filosófica, e todo um percurso de candidaturas e nomeações comodamente toleradas em homenagem ao manancial de notícias que sempre se esperaram de Carrilho…
Por fim, importa reconhecer, a contrario e embora mantenha o que vai dito supra, que tratando-se de duas figuras que desempenham tarefas de alta exposição e possuem perfis de alto coturno, parte da publicidade do caso não deve espantar ou motivar crónicas moralistas.
Creio, em suma e não entrando nas entranhas de um caso que fede por si só, que podemos nele sublinhar dois erros de tomo: em primeiro lugar, o de Carrilho que, por muito que pudesse ter algum capital de queixa, já converteu Bárbara em mártir (se calhar, merecidamente). Em segundo lugar, o da jornalista do Correio da Manhã (e/ou da sua televisão) que tinha o dever ético de recusar a pergunta sobre as tentativas de violação alegadamente perpetradas pelo padrasto daquela, ainda que tal pudesse ter consequências profissionais; há barreiras de humanidade que não se cruzam.

domingo, 3 de março de 2013

Escassos vestígios de Ética encontrados na Indústria Alimentar


Oxalá a origem deste escândalo da carne de cavalo fosse assim tão simples e caricata, como sugere o cartoon acima. Porém, as proporções desta polémica são bem mais sérias e aumentam de dia para dia, não só quanto ao número de casos detectados, mas também quanto à área geográfica em causa. E se no início da investigação se apontava o dedo à Roménia, agora toda a Europa* parece mergulhada numa outra crise, de origem alimentar...

À parte da questão cultural, do ponto de vista da saúde pública não há qualquer problema em ingerir carne de cavalo - é saudável, mais magra, e ao que parece tem mais vitaminas que a carne de vaca. A questão é mesmo a de rotular carne de cavalo como se de vaca fosse. Trata-se da versão moderna do "comer gato por lebre" e configura, naturalmente, fraude. A carne de cavalo é mais barata e isso motivou a que algumas empresas recorressem a esta carne, sobretudo na elaboração de refeições congeladas. Note-se, contudo, que só se pode falar em fraude quando os valores de ADN detectados nas amostras superam uma certa percentagem, sendo que se for irrisória pode consubstanciar apenas um caso de contaminação acidental.  

A retirada de milhares de embalagens mal etiquetadas levanta, porém, uma outra questão, de foro moral. Numa Europa que atravessa uma crise económica, que recorre a políticas de austeridade sem apelo nem agravo e que se vê a braços com uma nova vaga de pobreza, fará sentido deitar ao lixo milhares de produtos alimentares que estão em bom estado, que não põem em causa a saúde pública e que estão apenas mal rotulados? 

O Ministro francês para o Consumo providenciou uma solução interessante, encaminhando essas refeições para associações que possam distribui-las e servi-las aos mais carenciados, desde que - naturalmente - informem os beneficiários do conteúdo das mesmas. A ver vamos se os demais países europeus têm a mesma iniciativa ou se o desleixo vai ditar-lhes outro destino.    

Para terminar, uma reflexão pessoal: mais do que comer cavalo por vaca, preocupa-me a falta de fiscalização da procedência alimentar que ainda se verifica neste século XXI e a possibilidade de diariamente ingerirmos alimentos processados que não são exactamente aquilo que esperamos. E claro, repugna-me esta ganância por lucros obtidos à conta de um consumidor que cada vez tem menos controlo na sua alimentação. E não é só à custa do consumidor - e da sua saúde, quando se recorrem a substâncias nocivas para aumentar a produção, por ex. -, mas também à custa de trabalho escravizado que ainda hoje existe, sobretudo em indústrias como a do café e chocolate. Ou seja, a rotulagem fraudulenta parece ser apenas a ponta do icebergue, num sector alimentar especialmente propício a actividades ilegais, tendência que se acentua num mundo globalizado, altamente competitivo e onde «vale tudo».**

*Na verdade, esta fraude não se restringe ao Velho Continente; na África do Sul, por exemplo, já foram encontrados vestígios de carne de burro, cavalo, girafa e até de canguru. Consta que mais de 80% dos produtos de carne sul africanos têm um rótulo que não corresponde ao conteúdo... 

**Se o leitor quiser aprofundar este tema recomendo a leitura de «No Happy Cows - Dispatches from the Frontlines of the Food Revolution», de John Robbins. 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Professor de Ética ficou sem ela...


Há tempos aqui fiz notar a minha admiração pelo escritor e filósofo Fernando Savater, não só pela sua obra, cujo fio condutor é a Ética, mas também pela sua coragem, na frente de combate ao terrorismo no país Basco, mesmo quando ameaçado de morte, inúmeras vezes, pela ETA. Porém, hoje o meu encanto por Savater desvaneceu, ao ler as declarações descabidas que fez à cadeia televisiva do país vizinho, a Telecinco, dizendo-se agradecido àquele grupo terrorista, que o fez sentir "vivo, activo, metido en política y haciendo cosas de joven". Mais disse que a ele o terrorismo lhe deu "quince o veinte años más de juventud", concluindo que "me he divertido mucho".

Ora, embora facilmente se perceba que o que Savater quis dizer foi que, face ao terrorismo da ETA, dedicou-se à actividade política e não se restringiu à vida catedrática, haveria com certeza outras formas de se manifestar, mais comedidas e com um critério na escolha de vocabulário um pouco mais rigoroso, uma vez que estamos a falar de um grupo terrorista cuja actividade tem feito inúmeras vitímas ao longo dos anos e não propriamente de uma companhia de circo. É caso para dizer que até ao Professor de Ética, a ética falha.
*imagem de Miguel Herranz

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Processo


Não é kafkiano, mas casapiano, o processo que marcou indelevelmente a nossa sociedade e que tudo leva a crer que, oito anos volvidos, ainda não tem fim à vista, apesar do significativo avanço que hoje se aguarda. O seu impacto deve-se sobretudo ao conjugar de dois factores: crime hediondo e repugnante (presumivelmente) praticado por figuras de relevo social. A fórmula não é de hoje, nem se restringe às nossas fronteiras, mas por cá despontou um interesse nos media como nunca antes tínhamos assistido.

Se por um lado esse interesse se traduziu em coragem - a dos órgãos de comunicação social que denunciaram o caso -, por outro, esse mérito foi ligeiramente ‘apagado’ pela sede dos que preteriram noticiar os factos a explorar, sem dó nem piedade, os aspectos puramente emocionais, causando profunda comoção na opinião pública.

Ora, se é certo que a denúncia pública é o papel essencial da comunicação social, certo é também que a ela não deve estar associada uma atitude sensacionalista, que adultere o bom serviço público até aí prestado. Porém, o processo Casa Pia não escapou a isso. Nunca antes a justiça portuguesa se vira transformada num reality-show, metáfora que alguns oportunamente usaram. Nunca antes se vira tantas conferências de imprensa improvisadas à porta dos tribunais. Nunca antes se assistira a tanta crítica ao modus operandi dos nossos tribunais, pondo em causa actuações e decisões.

“Quais são os melhores espectáculos contemporâneos, desportivos à parte?” questionou o jornalista francês Alain Minc. O próprio encontrou a infeliz resposta: “As grandes comoções colectivas? Não foram nem o genocídio ruandês, nem a guerra na Bósnia, nem a criação do euro. Mas sim o fantasma pedófilo, que percorreu de um extremo ao outro o continente”.

Note-se que este protagonismo e esta visibilidade social dos tribunais junto da opinião pública são relativamente recentes. Devem-se, sobretudo, ao chamados «novos tipos de criminalidade» com forte repercussão social e política, como é o caso da pedofilia mas também do crime económico organizado e da corrupção. Naturalmente que esse interesse intensifica-se consoante o grau de notoriedade dos cidadãos neles envolvidos.

E assim a justiça tomou de assalto as redacções e monopolizou os noticiários, o que se por um lado conduziu a uma maior consciência social dos portugueses, por outro, a avidez da comunicação social tem levado a que, com frequência, se excedam os limites da legalidade e da liberdade.

Mas é precisamente na base do desentendimento entre um poder constitucionalmente consagrado – o poder judicial – e um poder atípico, o chamado “quarto poder”, que se encontra a maior virtude deste processo. É que as opostas lógicas de funcionamento e os diferentes universos de regras, princípios e interesses ofereceram, e oferecem, matéria-prima bastante para que a justiça portuguesa repensasse questões como o segredo de justiça, prisão preventiva, as escutas telefónicas, a competência e a habilidade dos defensores, entre muitas outras problemáticas, abrindo caminho a reformas legislativas.

Quanto à comunicação social, estou em crer que, no exercício da sua actividade, tem agora uma percepção mais nítida e rigorosa da fronteira entre a liberdade de imprensa e o, não menos fundamental, interesse punitivo do Estado e da eficácia da investigação criminal.
Independentemente do desfecho deste processo, uma coisa é certa: ele definiu um antes e um depois na justiça e na sociedade portuguesa.
*Foto da revista Visão

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Os diamantes nem sempre são os melhores amigos...


Como a maioria das celebridades tolas, Naomi Campbell acha que ser estrela lhe confere um estatuto de inimputável. Depois de esgotadas as oportunidades na passerelle, a modelo procurou pisar outros terrenos, bastante mais movediços. A sua proximidade com vultos internacionais é constante, desde a amizade com Hugo Chávez à relação com oligarcas russos e até empresários italianos. Desde sempre envolta em polémica, com um registo criminal recheado de agressões a empregadas, polícias e até amigas..., Campbell tem agora em mãos um caso bem mais sério.

A ex-modelo está a testemunhar no Tribunal Especial de Haia para a Serra Leoa, onde acabou por reconhecer - depois de antes o ter desmentido - que recebeu diamantes brutos de Charles Taylor, ex-presidente da Libéria. A denúncia foi feita pela actriz Mia Farrow, que estaria no mesmo evento em que Campell foi presenteada e teve conhecimento do facto. Campbell alega, contudo, que doou as pedras ao Fundo Nelson Mandela. A Instituição veio negar, mas um seu director acabou por reconhecer que teve em sua posse três diamantes e que já os entregou às autoridades.

Um caso com contormos estranhos que podia ter conduzido Campbell a sete anos de prisão caso se recusasse a testemunhar. A ver vamos se com o seu depoimento a modelo se redime e acrescenta provas para incriminar Taylor, acusado de onze crimes, de entre os quais, assassinato, violações e recrutamento de crianças-soldados, durante a Guerra Civil na Serra Leoa, que resultou em 120 mil mortes.
A este propósito, recomenda-se «Blood Diamond», um filme que mostra bem o que foi a extracção de diamantes em zona de guerra, na Serra Leoa, entre 1991 e 2001.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O vestido de Gama

[ainda a propósito da novela Inês de Medeiros]

«Inês de Medeiros foi eleita para o Parlamento pelo círculo de Lisboa. Mas com a família a viver em Paris, surgiu a questão sacramental: quem paga as viagens semanais da deputada?

A resposta evidente seria: a própria. Inês discordou. E Jaime Gama, munido com um apropriado parecer 'jurídico', concorda. Os portugueses que paguem, disse Gama. Mas avisou: o caso não abre precedentes. O despacho presidencial é como certos vestidos de alfaiate: peça única para uma cliente só. Se amanhã um deputado eleito por Lisboa instalar a família nas Caraíbas, não há borlas para ninguém. Injusto.

Resta acrescentar que o Conselho de Administração da Assembleia aprovou o despacho com votos favoráveis do PS e contra do PSD e do Bloco. O PCP não apareceu (há burgueses e burgueses). E o CDS ficou-se pelo grotesco: absteve-se. E Inês? Inês devia aproveitar o seu estatuto singular para dar a volta ao mundo, saltitando de capital em capital. E com os portugueses alegremente a pagar. O país pode caminhar para o abismo, mas é importante que, no meio da desgraça, haja alguém que se divirta.»

por João Pereira Coutinho, aqui

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Depois admirem-se...

Há um tema que me prende às malhas da dúvida, de algum tempo a esta parte.

Tudo começa com a leitura dos jornais do fim-de-semana e com a recuperação de um assunto que me é caro: o perigo de se desgastar o já puído prestígio da classe política. Noticiava um semanário que o Primeiro-Ministro, José Sócrates fora ilibado pela investigação do caso Freeport. Até aqui, nada mais do que a verificação da sapiência ínsita no princípio da inocência das pessoas até ao trânsito em julgado de sentença condenatória…

Contudo, fica por discernir qual a compensação que poderá obter o principal visado, tendo em conta que a imagem pública é um dos maiores trunfos de qualquer político contemporâneo, e que a de Sócrates foi o bombo da festa, durante todo este processo (no qual se preferiu sorver avidamente o voyeurismo informativo da TVI)? E o mesmo se diga em relação ao caso dos submarinos, que ainda agora está nos seus alvores.

Ao mesmo tempo que saúdo a decisão de Pedro Passos Coelho de não explorar o lado “barraqueiro” da política, preocupa-me, indiferentemente dos visados, o ataque a referências de conduta social (sim, os políticos…), por muito que os próprios actores se “ponham a jeito” para estes problemas que a cupidez dos media não perdoa, explorando os factos com a venda de exemplares ou a conquista de audiências (e, logo, de publicidade) como alvo.

Embora num plano diferente, é o mesmo estilo de navegação social anárquica que se induz ao abrir portas como as do “divórcio na hora” (denominação nossa) ou a da consagração festiva do casamento homossexual. Ao esbater o cariz fundacional da família enquanto pilar de referências da sociedade, o que se consegue é o desamparo e a vulnerabilidade do indivíduo em si mesmo, somando a isso a queda “em dominó” de tudo o que, hoje, temos por razoável.

Senão, vejamos: quem há umas décadas falasse em casamento homossexual seria tido por louco ou agitador. Hoje é tido por moderno e sofisticado. Até aqui, tudo bem, já que apenas me aborrece a teimosia taxonómica ou onomástica.

Porém, só por ingenuidade pode entender-se que as coisas ficam por aqui e que se não reivindicará com igual pundonor a adopção. E nem aqui eu coloco uma marca apocalíptica… O que pergunto é de coisas que, hoje, ainda temos por reserva de ética viremos a abdicar, sob a capa da modernidade… O que será “natural”, daqui a uns anos?

Tudo isto tem a ver com a perda de referências, com a contestação mediaticamente estimulada à noção de autoridade e com a perda dos conceitos de certo e de errado… Depois admirem-se…