Ciclicamente, interrogo-me sobre a razão do nosso atraso, sem descobrir um código genético que a tal nos condene, antes vendo feitos passados (por exemplo, os Descobrimentos) e expedientes presentes (Expo 98, luta por Timor-Leste, EURO 2004, Presidência da União Europeia e por ai fora…) que me fazem acreditar que há alma para dar a volta ao resultado.
Porém e como tenho dito em várias ocasiões (lembro-me de o fazer, designadamente, a propósito da vitória do Doutor Salazar no concurso “Os Grandes Portugueses”), tornámo-nos tristes, cinzentos, resignados, genericamente mal governados, corruptos, cínicos, invejosos, assediadores, vaidosos (vá-se lá saber porquê…) e uma série de outras coisas que fazem com que nos ocupemos mais do “ter” do que do “ser” e com que invejemos mais o que os outros têm do que lutarmos com brio pelo que nós podemos vir a deter.
Dito isto em linguagem corrente, por cá, se alguém consegue algo é porque tem cunha (e, infelizmente, sabemos que não são raras as vezes em que a dita suplanta o mérito), venha ela de parentesco, conhecimento ou momentos de horizontalidade. O problema é que temos muita gente esforçada que tem sucesso (ou podia ter) e que não embarca nessa “via verde” do êxito profissional e que, mercê da falta de confiança que temos uns nos outros, faz parte daquela nuvem que é tomada por Juno; ou seja, é tida por farinha do mesmo saco.
Há uns meses, na Dinamarca, ouvi Francis Fukuyama teorizar sobre a confiança social enquanto elemento do que a doutrina anglo-saxónica chama de “capital social”; grosso modo, aquela base de convivência saudável que representa um activo para as nações. Sem surpresa, Portugal aparecia a meio da tabela e, por empatia, tirei, em Aarhus (local da conferência), uma fotografia em que se viam, ao longo das ruas, dezenas de bicicletas (meio de transporte venerado, por lá) sem cadeado, encostadas às paredes. Nem por encomenda, dias depois, em Lisboa (ao pé desse santuário anti-marxista que é o centro comercial Colombo), deparo-me com uma roda de bicicleta (o resto fora arrancado) presa a um poste de sinalização rodoviária…
Sintoma desta dificuldade de confraternização é a ideia que tenho de que, em consequência, vemos qualquer lugar que implique servir como uma humilhação, sentimento bem arredio da mentalidade escandinava ou do Civil Service britânico e que justifica as oportunidades que, com brio (a que deveria acrescer a nossa gratidão), agarram os imigrantes que decidem ajudar-nos.
O mais recente episódio sintomático – e poderia relatar outros, como o ocorrido num restaurante de província em que o dono finge conhecer a família para tentar cobrar mais dez euros – passou-se no último jogo da Briosa, no qual uma funcionária que prestava serviço numa porta (não interessa qual, já que o assunto é de atitude), sem um “com licença” ou um “boa tarde”, literalmente arrancava os cartões de associado das mãos das pessoas, visto que o sistema electrónico estava a falhar. Não contente com isto e perante a distracção do associado que atendia (que escutava algo que lhe diziam), decide proferir um “vamos, passe!”, em tom que nem as mulas estão habituadas a escutar do carroceiro. Como remate, guardado estava o bocado; não só argumentou que não estava a incorrer em falta de educação, como se recusou a dar o nome para posterior reclamação, desdenhando e dizendo que era suficiente dizer que era a “menina da porta …”…
Uso um caso concreto para ilustrar um sintoma geral de fidalguia falida que percorre o nosso povo, Pobres portugueses que à míngua de recursos juntam a falta de valores!…
5 comentários:
E se fosse necessário de inventar uma nova campanha de alfabetização para inculcar os princípios de democracia , de civismo, de respeito dos outros, de comunicação com os outros, etc. ?
Qual rede de valores animar para dar àqueles que não tiveram a possibilidade de os adquirir em tempo oportuno ? Como ajudar a adquirir os saberes para serem actores responsáveis numa sociedade complexa ?
Sabemos que. uma vez inculcados os valores de raiz sócio-cultural-histórica num indivíduo, eles (valores), serão em larga medida fautores da personalidade.
Como adaptà-los ao mundo moderno ?
Todos sabemos que o civismo é um dos pilares da sociedade, um valor civilizador moderno que se vive ao quotidiano dos povos. E a sua imagem da bicicleta prova bem que este valor é a marca de pertença a uma mesma colectividade, ao serviço de uma mesma nação ou das mesmas ideias.
Insinuar ou postular que a vida é apenas o pão da sobrevivência ou o acesso ao materialismo da sociedade de consumo, é não assumir a importancia destes valores, é rejeitar a ideia de que o homem, na sua complexidade sócio-anímico-espiritual, carece, para a plenitude do ser, de muitíssimo mais que a côdea da mera sobrevivência ou as imagens virtuais , ou o desporto como valor nacional, sem cultura.
Sim, o civismo está em crise:; como a sociedade!
Lamentavelmente, são aos milhares os episódios do quotidiano que vão de encontro às tuas palavras e que confirmam que, enquanto povo, estamos gravemente feridos de valores.
Ocorre-me um que presenciei muito recentemente e que consistiu numa luta renhida entre duas mulheres por lugar numa carruagem de metro, com direito a mútua distribuição de valentes sopapos, cujo término só foi possível graças à presença de um segurança..!
Aí está o cerne da questão: não tendo respeito por nós próprios, dificilmente alguém terá respeito por nós.
E a história do assessor que se recusou a identificar a um novo funcionário da portaria (que tem por missão registar entradas), num organismo ofical, por achar que tem que ser reconhecido???
É pena vivermos num país com as caracteristicas que acima referiu...
Corruptos, invejosos etc etec
No fundo, vivemos num país em que os infelizes não querem que os felizes sejam felizes!
Os infelizes querem que os felizes sejam como eles. Mas acabam por ficar ainda mais infelizes.....
Bingo!!!
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