quinta-feira, 29 de março de 2007

Sai Azar (II) - O Concurso e o Método

É opinião quase unânime que a eleição de Salazar como o maior dos "Grandes Portugueses" se tratou de um programa de entretenimento, sem preocupação de fornecer uma amostragem rigorosa. Era, contudo e concomitantemente, um acto de participação volitiva, pelo que não deve ser desprezado, como me parece que aconteceu por parte de conceituados sociólogos consultados pelo “Público”.

Entendo ainda que é capcioso procurar desautorizar o valor que possa haver em “Os Grandes Portugueses” com base, por exemplo, no estudo da opinião da Eurosondagem, que colocava Oliveira Salazar em sétimo lugar . A verdade é que, pelo que ouvi da ficha técnica (na Antena 1), as entrevistas foram pessoais e directas, não valendo a pena escamotear o facto de haver, dada a carga de cavalaria do politicamente correcto made in 25 de Abril, algum pudor em assumir qualquer espécie de apreço por qualquer reminiscência do Estado Novo, algo que mais se sentirá se falarmos do seu mentor.

Dito de outro modo, qualquer pessoa com preocupação de objectividade reconhecerá que não é com facilidade que se admite, mesmo que o entrevistador garanta confidencialidade, que se nutre simpatia pela figura de um ditador. Como exemplo prosaico posso contar uma experiência pessoal em torno da aquisição da magnífica fotobiografia do Professor, organizada por Fernando Dacosta, um homem insuspeito de ser salazarista, mas que nem por isso deixou de investigar com qualidade e rigor. A dita história conta-se a dois tempos: o primeiro prende-se com a aquisição da obra, na Feira do Livro de Lisboa, durante a qual, já nem sei a que propósito, a senhora que me vendeu o livro, sendo ainda jovem, não perdeu o ensejo para sublinhar a falta que, em seu entender, fazia alguém como Salazar, para nos governar.

O segundo andamento tem a ver com o comentário de um amigo e colega deputado (na altura eu também o era) que reconhecia com alguma inveja que também pensara em adquirir o livro, mas que o não fizera por ter vergonha. Ou seja, quando gente esclarecida (e não excessivamente conhecida, já que não era dos mais expostos aos holofotes) ainda nutre receios deste jaez, que esperar do cidadão que se vê apelidado de fascista quando, mesmo conservando as opiniões no seu íntimo, ouve a esquerda portuguesa, com destaque para o sítio arqueológico comunista e o circo bloquista, produzir, diariamente, o diktat do politicamente correcto?! É óbvio que Salazar já mais ganhará, nos tempos mais próximos, uma consulta pessoal e directa. Para o perceber não é preciso estudar em Coimbra…

Depois, há que enfrentar outra consideração metodológica: o resultado, segundo algumas opiniões, não merece crédito, porquanto existiu a possibilidade de a mesma pessoa votar várias vezes, bastando que usasse um telefone diferente.

Pois bem, eis algo bem dito. O problema é que o mesmo dogma vale para a votação de Cunhal, Afonso Henriques, Pessoa, e por aí fora…

Sabemos que este género de consultas televisivas se presta a resultados inauditos e a perguntas surrealistas, caindo mal pudores tardios. Durante as minhas investigações académicas deparei, aliás, com exemplos que o atestam, quase que folcloricamente: é o caso, designadamente, da consulta que o programa Saturday Night Live da cadeia norte-americana ABC promoveu, a 11 de Abril de 1982, no sentido de saber se a personagem ficcionada Larry, "The Lobster" devia sobreviver ou morrer. Veja-se, portanto, o assunto que, naquela ocasião, atraiu 240.215 tele-votantes…

Por sua vez, a mesma cadeia televisiva promoveria, dois anos volvidos, uma consulta para conhecer as preferências dos telespectadores para a nomeação do candidato democrata à Casa Branca. Em cerca de 90 minutos de programa, mais de 250.000 almas votaram, conferindo, durante grande parte do tempo, uma liderança ao Reverendo Jess Jackson, o que, à data, nem surpreendia. O problema é que o Reverendo foi ultrapassado por um contendor de última hora: o grupo rock ZZ Top!...

Aqui chegados, um pedido: resistam à tentação de achar que a década de oitenta foi particularmente psicadélica ou que os americanos são especialmente estúpidos. Nem uma nem outra são verdadeiras, a meu ver.

Ou seja, e em suma, havendo que dar a “Os Grandes Portugueses” a importância própria de um concurso televisivo, penso que é tão errado endeusar o resultado do mesmo como desvalorizá-lo por arrogância, ignorância ou ditadura de opinião (aquela que faz as delícias, nomeadamente, do PCP e do BE).

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