quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Maomé e a Dinamarca

Uma das formas de liberdade tem sido particularmente abordada, nos últimos tempos: a liberdade de expressão.

Nos tempos de mediatização extrema que vivemos, é muito comum usar de um tremendo pudor, quando falamos dos órgãos de comunicação social, já que, por um lado, qualquer reparo é comummente apelidado de censura e, por outro lado, porque há a noção de que não estar “no ar” é não existir publicamente. Um exemplo inocente deste último caso é o facto de, mesmo depois de ter sido substituído, há meses, haver transeuntes que se me dirigem, julgando que ainda desempenho funções parlamentares; tal é, sem dúvida, função da exposição de que fui alvo. Ora, se isto acontece a um quase-anónimo como eu, imagine-se o que sucede com as nossas “vedetas”, e perceba-se que a relação se torna, por vezes, quase promíscua, tal a “necessidade” de aparecer.

Em si, nada de mal vejo nisto. Comunicar com milhões exige meios de comunicação de massas, com as consequências para a mensagem que daí advêm, e que não são famosas.

Todavia, o que não pode, a meu ver, é cair-se no extremo de aceitar um poder mediático de facto, que não esteja obrigado a jogar o jogo de direito. Penso que é aceite que os media condicionam (legalmente, claro) os políticos e os eleitores e, assim sendo, não vejo como pode esta prerrogativa viver sem obrigações de igual monta.

A “razão de Estado” deve poder ditar algo, em ultima ratio, porque, por exemplo, se as televisões são privadas, o espaço ou espectro de emissão deve ser visto como espaço público. De igual modo, se a imprensa escrita for privada – e deve ser, como já defende o PSD, desde Sá Carneiro – não são privatizáveis os fundamentos da democracia que, designadamente, na óptica de Dahl, exigem acesso à informação e a fontes alternativas, para a obter.

A razão deste post tem a ver com muitas reclamações acertadas (penso, por exemplo, em uma ou duas de Garcia Pereira) e outras tantas “queixinhas” que ouvi, durante a mais recente campanha eleitoral. Entendo que Portugal deveria pensar o assunto com tempo e coragem, assim disponham os grupos parlamentares (não conheço a realidade actual) de representantes bem preparados, já que este é um daqueles temas em que não basta “ter umas luzes” ou achar que se sabe – algo comum no nosso “falabaratismo” político.

Um caso de estudo seria sem dúvida a polémica gerada em torno de publicações da Dinamarca e da Noruega que retrataram Maomé (primeira ofensa ao Islão) em termos pouco edificantes (aqui, nem se fala).

Ante os naturais protestos do mundo muçulmano – conhecido pela sua intolerância em assuntos religiosos e pela abertura quase nula dos programas escolares, salvo honrosas excepções – o Primeiro-Ministro dinamarquês “Anders Fogh Rasmussen repetiu a afirmação de há quatro meses "A liberdade de expressão é uma das bases da democracia dinamarquesa. O Governo não pode influenciar as decisões dos media privados".”, segundo o Diário de Notícias, na sua edição de anteontem. É preciso sublinhar que o contexto é apimentado por ameaças de morte aos autores dos desenhos e à direcção do jornal.

Vale tudo? Se não valer, onde se fixam os limites e quem zela por isso? Devemos ceder na nossa tradição de liberdade, perante um multiculturalismo que é, muitas vezes, a ditadura das minorias?

Creio, no fundo, e não achando particular piada a sátira religiosa, que o Premier escandinavo acertou no fim, mas não no meio, já que os poderes públicos não podem demitir-se da sua função da avaliar a interpretação que é feita do conceito de ordem pública democrática.
Serão os nossos políticos e a nova entidade reguladora capazes de tratarem esta questão, comme il faut?
Em resposta, cito Paulo Gonzo: "pagava para ver"...

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