quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Burguesia de Ontem e de Hoje

Acabo de passar uns dias em Dinard, na Bretanha. Aprecio o ar do grande oceano. Faz-me lembrar o meu, o da Póvoa de Varzim, dos anos da juventude, antes do grande salto por cima dos Pirinéus, em busca da liberdade e doutra vida. 

Na cervejaria da esplanada, ao meu lado, frente ao mar, um veraneante lê “La Comédie Humaine” de Balzac. Viemos à conversa porque também aprecio este autor. Disse-lhe que conhecia um escritor português que, talvez influenciado por Balzac – ele viveu em Paris e na Inglaterra - tinha escrito um livro muito interessante, na mesma veia do que estava a ler, sobre a burguesia portuguesa: “Os Maias”, agora traduzido em Francês. 

Balzac conta a historia da grandeza e da decadência da burguesia montante do 19° século, no momento preciso em que a burguesia de negócios, estupefacta, toma o poder, naturalmente! Devorando a aristocracia! Os valores, que eram os do trabalho e da economia familiar, vão ceder o lugar às necessidades da alta finança que se prepara a governar a vida de milhões de homens, e que vão criar uma nova moral! E que moral! O capitalismo espreita! Expliquei-lhe que nos “Maias”, Eça de Queiroz, põe na boca dum personagem, da terceira geração, um tal Carlos: "não vale a pena correr para nada" e que tudo na vida é ilusão e sofrimento!

Não importa, o dinheiro e a sede inextinguível do dinheiro vão dominar o mundo! Derrubando todos os valores, sacrificando no altar da ambição a honra, e trazendo à superfície da lama os mais abjectos seres da sociedade. 

Disse-lhe também, que Eça tinha um amigo que pertencia, como ele, a um clube, Os Vencidos da Vida! Esta foi a centelha que nos levou a falar dum outro escritor francês, a sombra do qual paira por cima de Dinard: Marcel Proust, que foi cliente desta vila simpática durante longos anos. 

Interessante coincidência! O autor de “A la Recherche du Temps Perdu” é de novo lido pela juventude, talvez porque Proust é um guia espiritual, um mestre da vida... Não fosse ele que escreveu: “Os nossos grandes receios, como as nossas grandes esperanças não estão acima das nossas forças, e podemos acabar por dominar uns e realizar as outras”

Que seja para a juventude portuguesa ou para não importa qual outra, e sobretudo para aqueles que acham que este mundo é insuportável, feio e vulgar, e eles são legião, a angustia nunca foi tão grande. Este mal estar não é causado unicamente pela situação económica e social. Acho, pessoalmente, que existe algo de mais profundo, ou seja uma perda de confiança no futuro que cada um pode ressentir e partilhar. 

Proust, na sua época, era um deles. Li-o frequentemente. Duas coisas importantes, nos diz Proust: A primeira: ninguém nos diz a verdade, é preciso procurá-la, sozinho. 

A segunda: Não confundir ter êxito na vida, o que é bom, mesmo magnifico, com conseguir viver, com sucesso, a vida. Proust que dizia ainda: Não é o caminho que é difícil, é a dificuldade que faz o caminho! 

Ao meu lado, um jovem mergulhava os olhos em Heidegger! Estudante de filo, de certeza! Minha esposa, entretanto, continuava a devorar Albert Camus. Um livro recente, um manuscrito encontrado por acaso pela irmã! Um grande livro: “ Le premier Homme”. Aconselho a leitura. Como Eça, Camus encetou mal a vida: Eça só conheceu o Pai, legalmente, que quando tinha 4 anos. Anacronismo da burguesia da época. E portanto, que grande escritor! Camus, Prémio Nobel de Literatura, filho duma argelina analfabeta e deficiente mental! Mais longe, alguém lia “Paris Match”! Que tempo perdido! Mas, “c’est la liberté”

Freitas Pereira

4 comentários:

Dulce disse...

Que agradável cenário nos descreve, e quanta diversidade de leituras em tão reduzido espaço!!
Para mim, Eça é sempre Eça e também ele versou ao de leve sobre a burguesia parisiense no seu último livro, A Cidade e as Serras.

A propósito desse livro e também de êxito/sucesso pessoal, aqui fica uma das minhas passagens favoritas:

"O Homem pensa ter na cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. (...) Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar - e que, nunca fartando o desejo, incessantemente padecem de desilusão, deseperança ou derrota? Os sentimentos mais genuinamente humanos logo na Cidade se desumanizam. (...) Mas o que a Cidade mais deteriora no Homem é a Inteligência, porque ou lhe arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância. (...) Sim, com efeito, a Cidade... É talvez uma ilusão perversa."

Defreitas disse...

Não existe nenhuma outra cidade da beira mar em França com o mesmo caracter que Dinard. Sem duvida, é uma jóia da Bretanha.

Existe um ambiente especial porque foi desde sempre habitada por pessoas um pouco especiais. Não tem nada a ver com o superficial de St.Tropez ou Nice e talvez que aqueles que vão a estas cidades passar férias se aborreceriam em Dinard. Ambiente de famílias privilegiadas . Desde os anos 1800 que ela foi escolhida pelas famílias da nobreza e da aristocracia nacional e internacional (muitos ingleses), e personalidades das famílias reais europeias, do mundo da industria, do negocio, da política, das Letras e das Artes.

As belíssimas casas e os equipamentos balneares ao longo da praia dão-lhe um aspecto arquitectónico único. São protegidos por uma zona do património Arquitectural, Urbano e paisagístico.

Se um dia tiver a possibilidade de lá passar, gostará! O ambiente é estudioso! E as partidas de xadrez no meio da esplanada, com reis e torres de meio metro, de pé, é interessante.

Como escrevi no meu “post” precedente, Proust era um “habitué”!

Em frente de Dinard, em Saint Malo,uma outra belíssima cidade, histórica, um outro grande escritor teve o privilégio de mandar construir a sepultura frente ao mar, numa pequena ilha: Chateaubriand.

A historia da família deste grande escritor também é curiosa: O Pai, marinheiro desde os 15 anos, aventureiro, negociante, vai ser um dia corsário, como Surcouf e ao mesmo tempo que Sir Francis Drake, o corsário inglês enobrecido pela Rainha Elizabete.

E o filho será um dia o grande escritor ! Genealogia diferente de Eça e Camus! Estranho caminho para a celebridade!

Claro que li o livro, que toda a gente leu: “ Mémoires d’Outre-Tombe” . Mas Chateaubriand é muito controverso. O ódio da Revolução e o desprezo do Povo, não lhe permitiu conquistar posição de relevo na hierarquia popular. Mas, mesmo assim, Chateaubriand foi talvez um dos intelectuais franceses que melhor compreendeu as razoes que levaram à Revolução O seu “Essai sur les Révolutions” é magistral. Discerniu com justeza as tendências da sociedade que ia sair da Revolução.

Como vê, Cara Dulce, esta Bretanha foi um ninho de cultura!

Li “A Cidade e as Serras”. Minha esposa também. Nunca compreendi porque é que a tradução do titulo em francês deu” 202, Champs-Elysées. “La Ville et les Montagnes” teria sido melhor! Mas o endereço do Jacinto, no 202 dos Champs-Elysées fica desde logo assinalado.(Sabe que quando li o titulo não deixei de passar em frente deste n° 202, para ver quem lá morava! )

Ressenti perfeitamente o sentimento de Eça quando descreve os excessos da modernidade. Não se admire se ao seu texto eu prefiro aquele no qual , para Eça, a cidade moderna, com o seu barbarismo, é o produto de país capitalista, no qual as “classes dominantes”(ele escreveu-o), só pensa em divertir-se, chegando à saturação.

Fartos , indiferentes, procuram numa modernidade pervertida e perversa, numa volúpia que os escraviza, num refinamento que os assexa, numa estética mórbida, uma porta de saída para as suas nevroses.

Fora com eles, escreve Eça! Os dandies, os anarquistas “bombistas”, os pintores e poetas simplistas, os amadores de absinto, as “cocotes”, as lésbicas, as prostitutas, os clientes de Sodoma, os espiritas, mas também as grandes burguesas e os seus amantes, os gordos financeiros bolsistas, os directores de jornais influentes, etc.

Paris num fim de século! Aí se encontra de novo Proust e Zola!
Grande livro.

Defreitas disse...

Gostaria de rectificar : Não foi a « irmã » de Camus que encontrou o manuscrito do « O Primeiro Homem », mas a filha. Aliás numa pasta, nos destroços do automóvel acidentado, que conduzia, e no qual morreu.

Gonçalo Capitão disse...

Soberbo texto, Amigo! A citação de Proust é preciosa!