Devo dizer-vos – ironia do destino – que dificilmente haveria melhor semana para despoletar este (demasiado) rosário de reflexões sobre os lucros da Galp e o preço dos combustíveis.
De facto, em destaque, afirmava, ontem, o Correio da Manhã: “Combustíveis: Gasolina e gasóleo estão a tocar máximos históricos - Aumentam o dobro do petróleo - CM fez as contas de um ano e concluiu que o aumento do preço da gasolina e do gasóleo é substancialmente maior que a subida do preço do petróleo.”. O que, aliás, nem deixa de entroncar nas explicações oficiais da empresa que diz deverem-se os lucros de quase 57% ao sucesso no estrangeiro e à melhoria das margens de refinação.
Como também sabeis, tenho andado em aceso diálogo com um zeloso amigo que trabalha naquele grupo e de que cito mais algumas afirmações: “a falta de altruísmo da Galp ainda vai ser a nossa salvação”. “Sei que ainda vamos beneficiar muito com certos investimentos que Galp está a fazer...”. E eis que se me levanta a primeira dúvida… Segundo esta carga de cavalaria verbal, parece que a ideia é deixar que lucrem o que for preciso a expensas dos portugueses, pois um dia chegaremos ao pote de ouro que está no fim do arco-íris… Ora bem, não só já se me falha a crendice de idades mais tenras para acreditar em finais felizes ditados pela fada dos mercados, como não percebo como poderemos esperar uma redistribuição do que a cornucópia jorrar, quando agora que estamos necessitados e as vacas petrolíferas não emagrecem, se não vislumbra a generosidade prometida.
Mais diz o meu interlocutor de ocasião que “não é pelo preço do combustível que o país está como está. E tu sabes bem ao que me refiro. A podridão de certos corruptos, a mentalidade da riqueza a qualquer custo, o rendimento mínimo sem fiscalização são bem mais nefastos.” E se tivermos uma fuga de água na cozinha, não devemos tapar o buraco no telhado?! Isto é: admitindo que há outros males a combater, poderemos dizer que a gasolina desenfreadamente a caminho dos dois euros não é um problema para os portugueses que não são todos malandros, nem andam todos a passear com “bombas” sobre rodas (como a prosa parece implicar)?!
Mas chega então o epílogo: “por agora a Galp como empresa PRIVADA que é não deve ajudar ninguém! Muito menos uma sociedade e um estado que não sabe gerir ... Os estados não tem capacidade financeira para manter as empresas lucrativas e depois querem ir buscar os lucros das mesmas?”. Este é realmente o ponto crucial: em primeiro lugar, eu não advoguei que a forma de solidarização da Galp fosse fiscal e, sem segundo lugar, não sou adepto de nacionalizações e não me esqueço de que falamos de propriedade privada. O que eu advoguei num rodapé publicado há quatro textos atrás foi que a Galp, de modo voluntário, pudesse encurtar a sua margem de lucro para ajudar um povo que passa por dificuldades evidentes. Seria uma decisão solidária que apenas diminuiria um pouco o que ganham os acionistas e que, estou seguro, colacaria a empresa no coração de gente que, na sua maioria, não é malandra, não viola a lei e nem sequer controla decisões políticas pontuais que possam fixar maus rumos.
Era só isso e nada mais… Percebemos agora que há mil e uma desculpas para o que nunca disse ser ilegítimo: lucrar o mais possível, independentemente do que sofra quem não tem alternativa senão comprar…