quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Guarda pretoriana a gasóleo III

Devo dizer-vos – ironia do destino – que dificilmente haveria melhor semana para despoletar este (demasiado) rosário de reflexões sobre os lucros da Galp e o preço dos combustíveis.

De facto, em destaque, afirmava, ontem, o Correio da Manhã: “Combustíveis: Gasolina e gasóleo estão a tocar máximos históricos - Aumentam o dobro do petróleo - CM fez as contas de um ano e concluiu que o aumento do preço da gasolina e do gasóleo é substancialmente maior que a subida do preço do petróleo.”. O que, aliás, nem deixa de entroncar nas explicações oficiais da empresa que diz deverem-se os lucros de quase 57% ao sucesso no estrangeiro e à melhoria das margens de refinação.

Como também sabeis, tenho andado em aceso diálogo com um zeloso amigo que trabalha naquele grupo e de que cito mais algumas afirmações: “a falta de altruísmo da Galp ainda vai ser a nossa salvação”. “Sei que ainda vamos beneficiar muito com certos investimentos que Galp está a fazer...”. E eis que se me levanta a primeira dúvida… Segundo esta carga de cavalaria verbal, parece que a ideia é deixar que lucrem o que for preciso a expensas dos portugueses, pois um dia chegaremos ao pote de ouro que está no fim do arco-íris… Ora bem, não só já se me falha a crendice de idades mais tenras para acreditar em finais felizes ditados pela fada dos mercados, como não percebo como poderemos esperar uma redistribuição do que a cornucópia jorrar, quando agora que estamos necessitados e as vacas petrolíferas não emagrecem, se não vislumbra a generosidade prometida.

Mais diz o meu interlocutor de ocasião que “não é pelo preço do combustível que o país está como está. E tu sabes bem ao que me refiro. A podridão de certos corruptos, a mentalidade da riqueza a qualquer custo, o rendimento mínimo sem fiscalização são bem mais nefastos.” E se tivermos uma fuga de água na cozinha, não devemos tapar o buraco no telhado?! Isto é: admitindo que há outros males a combater, poderemos dizer que a gasolina desenfreadamente a caminho dos dois euros não é um problema para os portugueses que não são todos malandros, nem andam todos a passear com “bombas” sobre rodas (como a prosa parece implicar)?!

Mas chega então o epílogo: “por agora a Galp como empresa PRIVADA que é não deve ajudar ninguém! Muito menos uma sociedade e um estado que não sabe gerir ... Os estados não tem capacidade financeira para manter as empresas lucrativas e depois querem ir buscar os lucros das mesmas?”. Este é realmente o ponto crucial: em primeiro lugar, eu não advoguei que a forma de solidarização da Galp fosse fiscal e, sem segundo lugar, não sou adepto de nacionalizações e não me esqueço de que falamos de propriedade privada. O que eu advoguei num rodapé publicado há quatro textos atrás foi que a Galp, de modo voluntário, pudesse encurtar a sua margem de lucro para ajudar um povo que passa por dificuldades evidentes. Seria uma decisão solidária que apenas diminuiria um pouco o que ganham os acionistas e que, estou seguro, colacaria a empresa no coração de gente que, na sua maioria, não é malandra, não viola a lei e nem sequer controla decisões políticas pontuais que possam fixar maus rumos.

Era só isso e nada mais… Percebemos agora que há mil e uma desculpas para o que nunca disse ser ilegítimo: lucrar o mais possível, independentemente do que sofra quem não tem alternativa senão comprar…

1 comentário:

Defreitas disse...

« “por agora a Galp como empresa PRIVADA que é não deve ajudar ninguém! Muito menos uma sociedade e um estado que não sabe gerir ... Os estados não tem capacidade financeira para manter as empresas lucrativas e depois querem ir buscar os lucros das mesmas?”


Desculpe lá, Caro Amigo , que, talvez abusando do espaço do “Lodo”, do que peço me desculpe, reaja a esta frase arrogante do vosso amigo, que demonstra bem a mentalidade existente no sistema económico vigente, quando os grandes grupos, as oligarquias, dominam o Estado .

Até agora, a incompetência e a falta de solidariedade dos dirigentes políticos faziam prever o pior, com razão, quanto às condições de vida que seriam impostas aos mais frágeis de entre nos nesta crise que se prolonga.

Mas parece bem, que depois das tergivaçoes, discussões intermináveis e negociações impossíveis, a situação económica de todos os países da Europa se tenha tão degradado que se aproxima hoje dum ponto de não regresso que, uma vez ultrapassado, redistribuirá as cartas duma maneira talvez mais favorável aos povos.

Porque há um patamar de miséria e de coacção a partir do qual os nossos governantes não podem ir mais longe sem provocar as revoltas que conhecem todos os estados que abusam. Este patamar parece ter sido quase atingido.

A menos que os dirigentes europeus desejem desafiar os povos e irem até à confrontação, eles serão obrigados de abandonar a espoliação continua dos mais fracos e ir buscar o dinheiro lá onde eles sabem que ele se encontra.

O que me impressiona na argumentação do seu amigo, é que ele não compreenda que para aquele cidadão que precisa do seu automóvel para ir para o trabalho, por vezes distante, não é um luxo de passar de vez em quando pela bomba de gasolina.
O carburante, para estes, é uma necessidade vital como o pão de cada dia! E que se o preço deste “luxo” é exorbitante, sobretudo quando se comparam os salários portugueses aos europeus, a “bomba” que se prepara pode muito bem explodir –lhes na face.

O seu amigo deve reflectir no facto seguinte: os povos mais lúcidos adquiriram uma vantagem sobre os privilegiados: o de não terem nada a perder!

E quando escrevo privilegiados não são só os accionistas, mas todos aqueles que beneficiam dum emprego estável e remunerado para lá do nível da decência.

Um dia, os governantes deverão obrigar estes privilegiados a fazer esforços , reais, obrigando-os a pagar para salvar a Europa e a nossa sociedade, ou no caso contrário, fazê-la explodir.

Será a batalha entre o poder político e o poder económico!


Freitas Pereira