domingo, 27 de novembro de 2011

Tragédia Lusa

(...) Em 37 anos não apareceu uma única obra decente de dramaturgia portuguesa. Apareceram romances em grande quantidade, apareceu poesia, apareceram livros de história ou memórias. Não apareceu uma única peça digna desse nome. Até o Teatro Nacional D.Maria II, na impossibilidade de se ficar eternamente no Frei Luís de Sousa, apresenta geralmente traduções. De resto, não lhe falta só dramaturgia portuguesa. Também lhe falta público. Uma noite no D.Maria é uma noite soturna. Francisco José Viegas cortou o orçamento (um milhão de euros) deste longo equívoco. Foi inteiramente justo. E, quando Diogo Infante resolveu recorrer à intimidação, não hesitou em o demitir. Chegou a altura de acabar com esta ridícula ilusão que em Portugal se chama "teatro".
Vasco Pulido Valente, no jornal Público, edição de 18 de Novembro de 2011


Custa acreditar no que acabo de ler, infelizmente com uns dias de atraso, mercê da qualidade de emigrante... Vasco Pulido Valente foi outrora Secretário de Estado da Cultura, mas nem parece. Na crónica em apreço, fala dessa arte milenar que é o Teatro com um desdém que arrepia. 

É certo que o Teatro tem sido, no cenário nacional, uma espécie de parente pobre da Cultura, dada a escassez de verbas, lucros e um número de espectadores naturalmente mais reduzido do que aquele que ruma a outras manifestações culturais. Porém, não faz sentido menosprezar e reduzir à insignificância as representações cénicas que ainda têm lugar em Portugal, com qualidade e um público meritório de consideração. Público esse que até tem aumentado - pelo menos no que toca ao Teatro Nacional -, e vem confirmar que aprecia e estima esta arte.

Acresce que não só temos bons actores, como temos boas companhias de Teatro e até excelentes festivais dedicados ao mundo cénico. Posto isto, até nos podia faltar dramaturgos (que não faltam...), mas motivos há de sobra para continuarmos a fazer Teatro. Mais: se as salas não enchem não é por não termos um Gil Vicente do séc. XXI, mas sim porque temos vindo a negligenciar o impacto que estas manifestações culturais têm na formação e desenvolvimento das novas gerações ao não lhes incutirmos hábitos de consumo cultural e ao não os sensibilizarmos para a importância deste género cultural.

Nos últimos anos foram muitas as peças de teatro que vi e apenas lamento o dinheiro gasto numa delas (lamentação essa que foi partilhada por aqui). Exceptuando esta, vi peças de qualidade nesse mesmo espaço, São Luiz, e ainda no D. Maria, no S. João, no Teatro da Trindade, no Teatro Aberto, no Maria Matos e em Cine-Teatros Municipais. Vi de tudo um pouco e, a propósito da frase de Pulido Valente na mesma crónica - “tirando antigamente a revista, e hoje o La Féria, não existe, nem nunca existiu um público de teatro em Portugal” -, confesso que nunca vi nada de La Feria. Nada tenho contra este género de representação teatral e reconheço valor às peças por ele levadas a palco, mas sou a prova de uma espectadora que vai ao teatro por gosto sem correr atrás das massas. Haverá mais gente como eu? Há, com certeza, que não tenho memória de ser a única na plateia.

Que me importa que sejam traduzidas, desde que bem traduzidas, adaptadas e representadas? Que me importa ver clássicos como o Rei Édipo ou outros textos de suma importância que não só me entretêm como têm sempre algo para ensinar?... O que realmente me importa - para terminar - é este preocupante caminho que as políticas culturais estão a trilhar e, mais grave, que haja cronistas de referência a aplaudir esta tragédia lusa... ...  

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