A Cidade, exibida durante o mês passado, no palco lisboeta do São Luiz, é uma peça baseada em textos de Aristófanes (Os Acarnenses, Lisíastra, Paz, Pluto, As Mulheres no Parlamento, As Nuvens, entre outros). A criação é do Teatro da Cornucópia, uma companhia para a intelligentsia. A sinopse descreve o espectáculo como uma proposta crítica de abordagem da democracia ateniense e dos seus vícios, sugerindo que são esses os mesmos vícios que minam a política dos nossos dias.
Sucede que não foi preciso assistir a uma hora de espectáculo para percebermos que estávamos diante de uma peça que assenta numa trapalhada de sequências narrativas, que algumas boas interpretações não chegam para salvar.
Fica aqui o nosso registo...
São ao todo cerca de quatro horas de duração, cuja primeira parte procura ter Lisíastra como ponto alto. No texto que conta a história das mulheres que se entregam à abstinência sexual como forma de exigir a paz com Esparta, centraliza-se a cena num Exército que sofre com a impertinência dos seus impulsos sexuais, numa caracterização bacoca, com diálogos brejeiros e sem piada. E nisto vão quase duas horas.
Chega Nuno Lopes. Nesta peça, a sua participação, longe de ser um atestado da sua versatilidade, é sofrível. Talvez a sua inclusão nesta peça procure uma aproximação ao grande público, como quando Nuno Lopes fazia rábulas junto de Herman José, há uma década atrás. Infelizmente atribuíram-lhe o guião errado. Quase pelo mesmo caminho vai a desperdiçada Maria Rueff.
Quem sabe se em alusão às quotas, segue-se a adaptação de As Mulheres no Parlamento, onde se sugere que o seu talento para o debate não é o mesmo do que para os ofícios do lar. As cenas seguem uma via sinuosa até à cidade igualitária, em que mulheres feias terão o mesmo acesso à alcova que as mais bonitas.
E eis que, perto do fim, Luís Miguel Cintra não sabe da mulher e aparece na rua. Aflito que está, resolve encostar-se a uma casa e aliviar-se. Em dificuldades por causa de uma pêra, não sabe onde, depois de comer novamente, irá «voltar a pôr a merda toda». A sequência ditaria a entrada em cena das moscas, mas serão os pássaros, que papagaiam como os tribunos nos hemiciclos, que nos oferecem mais uns minutos agonia, à espera do fim.
A tirada final de Luís Miguel Cintra, num monólogo de estilo pedagógico sobre a Democracia é uma carta fora deste baralho, e por isso um dos trechos candidatos a salvamento da exibição, juntamente com o episódio de Pluto...
Mais haveria a dizer, mas por ora fica o pedido a Fernando Mendes (o do Preço Certo) que, caso venha a ler estas singelas palavras, conte connosco no seu próximo espectáculo. Os dele não recebem subsídio público e têm muito mais nível do que isto.
* com a colaboração de Dulce Alves e Gonçalo Capitão
[fotografia de Cristina Reis]
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