terça-feira, 2 de setembro de 2008

"Câmara" Lenta: os Autarcas e a Justiça

No inicio do mês de Agosto, o Supremo Tribunal Federal do Brasil rejeitou uma acção que pretendia impedir as candidaturas a eleições dos políticos “ficha suja”, denominação que o país irmão usa para se referir aos políticos que foram constituídos arguidos em processos judiciais.

E enquanto se discutia na barra tal possibilidade de vedar o acesso àqueles de ir a votos, a Associação de Magistrados Brasileiros divulgou no âmbito da campanha "Eleições Limpas", uma lista anunciando os nomes dos candidatos aos órgãos locais do Brasil (Prefeituras) que têm processos a correr na justiça.

Por cá, as últimas autárquicas (e posteriormente as eleições para a CML) ficaram indelevelmente marcadas pela candidatura de rostos que se encontram a contas com a Justiça – Carmona e seus vereadores, em Lisboa; Isaltino Morais em Oeiras; Valentim Loureiro em Gondomar ;Avelino Torres no Marco; Fátima Felgueiras, etc.

À data, a discussão - creio - partiu do PSD e do então presidente, Marques Mendes. O líder de então acolheu a "teoria do arguido" e rejeitou apoiar candidaturas de políticos constituídos arguidos. (O único 'senão' aqui foi não ter usado do mesmo peso e da mesma medida em todos os casos... Adiante.) Curioso é que mesmo sem apoio partidário, na maioria dos casos os autarcas arguidos levaram a melhor e venceram as eleições de 2005.

Com aproximação, a passos largos, das eleições autárquicas portuguesas, num ano eleitoral intenso que vai ser 2009, volta o tema à baila: até que ponto é legítimo que se separe os candidatos autárquicos com a 'peneira da justiça', tal e qual se separa o trigo do joio? O actual quadro legal nada estabelece neste sentido, pelo que à luz da Lei actual e na lógica da presunção de inocência, não se afigura inviável que um arguido possa ser eleito para tais órgãos.

Contudo, e atendendo aos tempos que correm, há uma necessidade de moralizar a política, a bem da subsistência das instituições, da democracia e das populações. Mas a quem cabe tal tarefa?

Deverá ficar entregue à consciência e ao senso comum dos próprios autarcas, mesmo sabendo-se que aquele não é tão comum quanto seria desejável?

E que legitimidade há para que determinadas forças da sociedade possam intrometer-se na decisão dos eleitores, com acções como a que os Magistrados Brasileiros levaram a cabo?

Caberá aos partidos assumir o papel de 'justiceiros' e decidir sob os critérios que bem entenderem quem apoiam e quem rejeitam, ainda que sujeitos a incorrer em erro?

Ou, por outro lado, a elegibilidade de tais políticos deverá depender tão somente da vontade dos eleitores expressa no escrutínio? Certo é que os eleitores tão depressa levam um político à praça pública e apedrejam-no com a maior desfaçatez, como tão depressa absolvem e entronizam um outro que lhes convenha...

É a velha questão: a democracia tem muitos defeitos, mas ainda assim é o mais virtuoso de todos os sistemas.

3 comentários:

Luis Melo disse...

Neste país já não há "vergonha na cara" e portanto é necessário "obrigar" ao impedimento dos candidatos que tenham processos judiciais relacionados com a actividade de autarcas.

Marques Mendes foi coerente. Além de não apoiar alguns autarcas do seu partido (independentemente de o levar a perder importantes autarquias) colocou á discussão o assunto na AR.

A ver vamos se as actuais direcções dos partidos quererão levar avante esta questão.

Gonçalo Capitão disse...

Vejamos: creio que Marques Mendes errou! Deveria ter assumido que, por razões políticas, excluía A e B e não C.

Ao usar o critério jurídico (estatuto de arguido) não só foi incoerente (poupou Isabel Damasceno), como violou o fundamental direito que se consubstancia na presunção de inocência até trânsito em julgado de sentença condenatória.

E é com base nesta que também digo que não sei se não será demasiado penalizador inibir um arguido. E se este prova a sua inocência?

O que podemos é confiar na democracia (que tem falhas, como reconhece a Dulce e, antes dela, Winston Churchill) e procurar sanções que tenham mais efeito dissuasor; por exemplo, mesmo que a condenação demore, o autarca (é o caso que analisamos) devia perder o mandato em curso e ficar impedido por outros três.

Luis Melo disse...

Gonçalo, perguntas bem: "E se este prova a sua inocência?"

Se provar a sua inocência poderá candidatar-se novamente nas eleições seguintes. Sem qualquer problema.

Que mal tem não ser candidato e consequentemente não ser presidente de câmara? Perde dinheiro? Perde alguma coisa? Não, ou pelo menos não devia.

Quando somos autarcas, trabalhamos em prol dos outros, e nunca para nós. Por isso se nos impedem (mesmo que injustamente) de sermos autarcas, quem fica a perder nunca somos nós.

Certo?