quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Reuniões de elite

Numa altura em que todos nos arrepiamos com os aumentos da taxa de juro decretados pelo BCE, há outra espécie de juro, aparentemente, mais indolor, mas pela qual, temo-o bem, viremos a pagar um preço muitíssimo mais penalizador.

Falo do preço que pagaremos, sem apelo nem agravo, por mantermos grande parte da classe política actual.

E nem se pense que falo por despeito ou eivado de súbito assomo de arrogância. Bem ao invés, falo procurando assestar baterias contra o comodismo de muito cidadão bem colocado na vida empresarial, profissional liberal ou académica que prefere o cifrão ou o artigo nos media a meter pés ao caminho. A lógica que subjaz a esta censura não é a de que todos temos de gostar de política, mas sim a ideia de Cícero de que o mal-estar social não desculpa o absentismo, antes clamando por envolvimento.

E é assim, largando o acessório, que explico a razão de ciência do que comecei por dizer: arrepiei-me de morte com o conselho nacional do PSD, no último fim-de-semana.

De facto, julgando eu que as intervenções de Cavaco Silva, Luís Filipe Menezes, Rui Rio e Nuno Morais Sarmento haviam “feito a festa, atirado os foguetes e apanhado as canas”, guardado estava o bocado.

Enquanto o engº Sócrates se passeia por toda e qualquer sondagem, e perante um confrangedor esforço do dr. Marques Mendes para ser escutado a propósito das razões de Estado, os mais diversos fidalgos (nem atribuo títulos, pois creio que os barões já se retiraram) do PSD entretiveram-se com uma questão crucial para o nosso futuro enquanto Estado-nação: saber se pode ou não criticar-se o líder do partido nos media e se isso é ou não fazer o “jogo da oposição” (dúvida de tal modo existencial que nem o dr. Mendes resistiu a filosofar a este pretexto)…

Se os meus amigos imaginassem os nomes consagrados da actual elite laranja que consumiram horas da sessão partidária a debater se deve ou não criticar-se o presidente, e em que sitio se deve dizer tudo e qualquer coisa, veriam que, por vezes, a realidade é pior do que o pesadelo.

4 comentários:

Luis Cirilo disse...

Caro Gonçalo
Estive como tu no Conselho Nacional.Partilho da tua opinião sobre o quão desmoralizadoras se estão a tornar estas reuniões do principal orgão politico do partido entre congressos.
Debate politico sério,profundo,gerador de politicas e alternativas...muito pouco.
Floreados,gracinhas,números encomendados e "macaquices" para o "chefe" ver isso vai havendo.
Com fartura.
Sendo que no aspecto das "macaquices" do género "olhem para mim que estou aqui",existe uma estrela em ascensão imparável.
Macário Correia.
Como é possivel ?
Quanto ao dr Luis Filipe Menezes posso garantir-te (admitirás que sou fonte informada nesta matéria)que não tencionava sequer abordar o assunto do sagrado direito de qualquer militante discordar do lider.
Porque no nosso partido sempre foi assim.
E Marques Mendes,quando lhe interessava,usou e abusou desse direito.
Contudo,como recordarás,foi o próprio MM a pegar na matéria(insolita estratégia para um presidente da CPN)logo secundado pelo inefável Macário,qual boneco de ventriloquo,e ai LFM limitou-se a repôr os factos tal como eles são.Sem precisar de skip para os branquear...
De resto falou do Pais,do governo,dos problemas que existem,em suma,falou de politica.
Se outros não o fazem ou nem lá aparecem é problema deles.

Gonçalo Capitão disse...

Caro Luís,

Agradeço o teu "ponto de ordem". Reconheço sem problema algum que este texto tem pouco ou nada a ver com o dr. Menezes e até com o dr. Mendes, que se confrontam como devem confrontar-se dois "candidatos ao título".

O pior é que daí para baixo falta massa crítica ou, quando ela existe, consome-se nestas questões de mercearia.

Tenho 35 anos, mas mais de metade passados na JSD e no PSD, pelo que é idade que chega para ter saudades de plenários concelhios, distritais e nacionais em que se discutiam questões de substância com argumentos de filigrana política.

Que nostalgia ao lembrar, por exemplo, os debates e embates de Nogueira com Dias Loureiro e de Calvão da Silva com Costa Andrade...

Bem... A solução é continuar a nossa "longa marcha", para ver se o PSD sai desta "longa noite de mil anos"; isto é, da sua Idade Média!...

Luis Cirilo disse...

Gostei dessa imagem da Idade Média.
Tal como então o Rei tem corte,bardo,trovador e alguns bobos !
Mas é verdade o que dizes; há muita falta de debate interno qualitativo.
E há uma confrangedora tendência para confundir o direito a discordar com perigosas conspirações contra a liderança.
Como se por acaso não fizesse parte do nosso patrimonio histórico o direito a pensae diferente.O meu receio,Gonçalo é que" fraco rei faça fraca forte gente".
Esperemos que não

Rui Miguel Ribeiro disse...

Só hoje li este post e os respectivos comentários. Não podia haver "melhor" maneira de começar o ano no que ao PSD me diz respeito.




Peço desculpa. Estive a soltar um longo suspiro e a contar até 20 para ver se esqueço o que acabo de ler. Afinal é preciso stamina para aguentar mais 362 dias!!!