quarta-feira, 8 de março de 2006

Rezar por 1/3

A cena é clássica nos desenhos animados: a barragem começa a estalar e a personagem tenta suster a passagem da água com a mão...

Repete-se agora a cena, em meu entender, com a discussão da paridade, pela qual o Bloco de Esquerda (não conheço ainda a proposta do PS) quer obrigar os partidos a incluir um mínimo de 33,3% (ou seja, 1/3) de mulheres nas listas para a Assembleia da República, Parlamento Europeu e autarquias, não permitindo a sucessão nas mesmas de mais de dois elementos do mesmo sexo, em lugares consecutivos.

A medida não parece muito avisada, mas já parece mais, isso sim, ilusionismo.

Comecemos pela primeira parte: não é avisada, porque, desde logo, estabelece um critério de aferição não equiparado noutros planos. Vários dados internacionais apontam para a crescente supremacia das mulheres em determinados sectores de actividade, dos estudos ao mundo laboral. Estarão os legisladores, um dia destes, dispostos a instituir uma quota masculina?

Por outro lado, mulheres haverá que, por muito mérito que exibam, serão sempre olhadas como “quotas”, se for claro que entraram por esse mecanismo. O mesmo expediente, aliás, de que nunca careceram, por exemplo, Maria de Lurdes Pintassilgo, Leonor Beleza e Manuela Ferreira Leite, entre tantas outras que, mesmo quando não candidatas, chegaram, por exemplo, a cargos ministeriais.

Depois, importa pensar que, se a moda pega, cedo teremos de contemplar a mesma medida em função da orientação sexual, da raça e (por que não?!) do credo.

Por fim, será curioso deslindar o caso de não haver mulheres com perfil em número suficiente (num espectro realista de recrutamento) ou de as haver em número excedentário em relação ao máximo de 66,6% permitido por lei. Em nada me chocaria ver três mulheres qualificadas em lugares sucessivos de uma lista.
Faço notar, todavia, que embora tenha uma perspectiva eventualmente conservadora neste domínio, não me considero reaccionário ao ponto de negar a medida a todo o transe. O problema é que consagrada a medida, se forem fundados os meus receios, ou não existirá margem de recuo (retirar direitos é sempre altamente impopular), ou será uma lei a que se fará vista grossa, com o inerente agravar do laxismo português em relação ao cumprimento de normas e obrigações.

Não obstante, o que mais me preocupa é a ilusão de qualidade que possamos estar a criar; o tal estancar de um dique com o indicador…

Creio que, embora sejam coisas de diferente jaez, pode partir-se desta medida para concluir que se resolveu o problema da qualidade da representação, quando o problema, em boa verdade se diga, resulta muito mais da mecânica interna dos partidos do que da lei.

Podemos até exigir 33% de mulheres, 15% de advogados, 8% de professores, 2% de dálmatas ou mesmo a Família Addams, mas, se os partidos continuarem como à data, não haverá garantias de qualidade. Quero com isto dizer que, embora haja candidatos e eleitos de muito boa qualidade, tal é, muitas vezes, fruto do acaso (a parte em que, ao escolher-se determinada pessoa, se acerta no mérito) ou obra de algum “mecenas” político que “atravessa” o seu prestígio e os seus votos internos por alguém de relevo.
Hoje em dia, olhando a maneira como se fazem as listas, pode o amigo leitor crer que nem sempre a preparação para a função hierarquiza a colocação numa lista.

Em suma: se existe a ideia de que a imposição de 33,3% de mulheres na lista resolve um problema, faça-se, mas sem que se alimente a ideia de que passaremos, só por isso, a ter elencos de qualidade.

2 comentários:

Fernanda Marques Lopes disse...

Caro Gonçalo,

Não poderia estar mais de acordo... Concordo que as pessoas devem ascender a cargos pelo seu mérito e trabalho e as mulheres não necessitam dessa muleta para provar que são tão competentes e profissionais do que os homens (ou mais até... hoje é Dia da Mulher... aceita esta provocação, lol).

Quanto à feitura das listas, conheço dos mais bizarros critérios, isto é, para não falar da ausência deles. E tu, meu amigo, foste um injustiçado desse fazer de listas "à la gardene".

Beijinhos

Gonçalo Capitão disse...

Cara Amiga:

Bons olhos te leiam!...

A provocação é justíssima.

Quanto a mim, não creio. A vida política é mesmo assim. Houve casos de exclusão das listas muito mais escandalosos do que o meu. O dr. Santana errou e muito, "por aí".