terça-feira, 31 de maio de 2005

Talvez sim ou talvez não

A rejeição referendária da chamada “Constituição Europeia” (CE), a mais de razões internas gaulesas, traz dois pontos à colação que, embora não fulcrais para o futuro da União Europeia como tal, devem merecer alguma ponderação.

Em primeiro lugar, o uso dos referendos que, a meu ver, ao repercutirem muito do que são questões exteriores à pergunta impressa – todos dizem que foi uma punição a Chirac e ao governo por ele nomeado – traduzem algo que o mundo mediático vem estimulando: a necessidade que os cidadãos têm de serem escutados mais vezes do que as que proporcionam as eleições da praxe.

Hoje, via Internet ou canais noticiosos de televisão ou rádio, estamos permanentemente a par do que se passa em qualquer parte do globo. Ao invés do que sucedia há alguns anos, sabemos ao minuto o que diz o Primeiro-Ministro, os líderes da oposição, o Presidente dos EUA, uma celebridade da música, um terrorista, ou mesmo um cidadão comum que participe nos programas de debate tão sintomaticamente em voga.

“Sabemos tanto e decidimos tão pouco” poderia ser o mote do cidadão actual que, mercê ainda da falência dos sistemas sociais europeus, se sente cada vez mais impotente para influir num regime que deveria ser seu (a democracia), optando pelo alheamento ou, em alternativa, pela pressão para que o ouçam com mais atenção (algo que creio que pode ter sucedido em França).
Ou seja, embora não haja (os avanços no sentido da democracia directa só podem conter-se por via autoritária, incompatível com aquele regime) nem deva haver recuo, o facto é que os referendos são uma arma cuja mira pode necessitar de focagem, já que, como se viu, o tiro pode atingir um alvo ao lado do cerne da questão, ainda que lateralmente.

Mas o que me parece ainda mais sério, por outro lado, é a questão doméstica. Li, há não muitos dias, que os deputados portugueses, na sua esmagadora maioria não haviam ainda lido o bendito tratado.

O facto, em si, traduz, desde logo, um incumprimento sério dos deveres de representantes de uma soberania que está claramente em equação com a ratificação a fazer – nem que fosse por recreação, qualquer eleito deveria dominar minimamente as alterações a introduzir.

Mas mais relevante é a descontracção com que se prepara a aprovação de um referendo tão importante. Se as 230 almas que podem mudar os mapas políticos não “pescam” nada do assunto, como podem esperar que os cidadãos, ainda para mais a braços com graves problemas económicos, se pronunciem avisadamente?!

Desconfio que, mesmo que se começasse agora, já não há tempo de tornar “tragável” assunto tão hermético, mas, mesmo assim, a Assembleia da República, ao mesmo passo que se envolve em discussões bizantinas sobre prazos, podia já ter patrocinado a edição de um folheto explicativo das grandes questões da CE.

Será assim tão difícil explicar às pessoas que há algo mais do que os fundos, por sinal cada vez mais magros?

Creio que mais do que comentar os “sins” e os “nãos”, algo para que temos comentadores bem mais apelativos, os partidos podiam era começar a explicar bem o que querem que votemos, para que o “sim” não seja “porque não” e o “não” não seja “porque sim”.

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