sábado, 8 de fevereiro de 2014

A surreal arte de decidir


Sempre fui um admirador das qualidades pessoais e políticas de Pedro Passos Coelho, desde os tempos em que me liderou na JSD. Creio mesmo que a sua determinação férrea (a roçar a obstinação, por vezes) já valeu de muito a Portugal, nestes tempos difíceis. Qualquer líder mais permeável a pressões partidárias internas ou com inclinação narcisista já teria vacilado e, consequente e matematicamente, deitado por terra o esforço heróico dos portugueses.

Porém, há um ponto em que teria seguido um trilho diferente: a venda da já célebre – embora pelos maus motivos – colecção Miró. Com passagem por vários estilos e artes, Joan Miró é comummente dito um surrealista e as suas obras são altamente apreciadas e fartamente cotadas nos circuitos artísticos internacionais. Penso, todavia, que o surrealismo é estimável na arte, mas não tanto na política cultural e, aqui, temos o cerne da minha respeitosa discordância.

Desde logo, se entendo a Cultura como algo essencial para o bem-estar individual de cada pessoa e para a auto-estima de um povo (ainda que se trate de um acervo de origem estrangeira, seria detido por nós, sendo, ademais, que a arte é universal), conservar esta colecção desencantada no fundo do abismo que o BPN abriu nas contas de todos nós seria uma homenagem a uma valorosa gente que tanto tem sofrido, entre outras coisas, para pagar tão obscuro negócio bancário.

Acresce que, bem anunciada, a decisão de criar um museu ou de repartir as obras pelos museus existentes seria uma bem acolhida e refrescante novidade no tétrico alinhamento dos noticiários actuais, que se fazem, predominantemente, de crises, guerras e temporais…

Vem depois a pedra de toque do Governo: os milhões a arrecadar. Muda, ab initio, a perspectiva se, como deve ser, se vir a Cultura como um investimento e não como um gasto, pelos motivos aduzidos. Contudo, nem é preciso pedir tanta “alma” aos decisores; mesmo economicamente, com as entradas a cobrar e com os empréstimos a museus estrangeiros (remunerados ou à troca de empréstimos que proporcionam exposições com entradas pagas), a colecção acabaria por se pagar a si própria com a indemnização à leiloeira e tudo o mais. Demoraria? Com certeza, mas uma decisão deste jaez deve considerar as gerações futuras.

Considero muito acertada, por isso, a decisão da Procuradora-Geral da República de combater judicialmente a venda daquilo que designou com acerto de “património nacional”. Numa decisão sábia, ou muito me engano ou já deteve a alienação por largo tempo (a incerteza é rainha nos próximos meses ou anos). Durante este tempo, a meu ver, recuar seria prova de força e não de fraqueza, politicamente falando.

Sinceramente, termino com uma nota de tristeza pelas palavras que escutei do meu amigo e Secretário de Estado, Jorge Barreto Xavier. Pelos vistos, ainda não será ele a dar um murro na mesa contra a ditadura da Economia sobre a Política e a Cultura…

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