sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A falta do outro


Enquanto suportamos cortes e mais cortes, continuo a interrogar-me sobre a necessidade de abdicarmos do maior tesouro do Velho Continente: o modelo social. 

Dizem-me que o crescimento económico não é o que era… Ora bem, sob pena de ter que escrever um tratado, empreitada para a qual nem sequer tenho predicados próprios, nem sequer procurarei fazer mais do que interrogar-me sobre o motivo pelo qual não pomos em causa as regras de funcionamento dos mercados internacionais. Limito-me a coisa bem menor como seja perguntar-me sobre quem lucra com este baixar da guarda europeia: os Estados Unidos? A China? Os restantes BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul)? Todos e estes e mais alguns? 

Sei que é uma análise com carências técnicas, mas sempre vivi com a ideia de que os sucessivos alargamentos da União Europeia visavam, inter alia, a criação de um mercado interno suficientemente vasto para nos proteger contra tempestades exteriores. Não levo a minha ingenuidade ao ponto de julgar que poderíamos sobreviver em circuito fechado, mas também nunca imaginei que estivéssemos, hoje, a debater aquilo que nos tornou num farol do desenvolvimento social; os sistemas públicos de Saúde, Segurança Social, Educação e Cultura têm, a meu ver, sido a marca do apogeu civilizacional europeu. O que pode fazer-se é demonstrar ponto por ponto os custos da manutenção dos mesmos e, ao mesmo passo, explicar às pessoas os custos sob a forma de alternativas. Por exemplo, a mais de detalhar quanto custa a cada contribuinte manter os nossos hospitais e centros de saúde, importa perguntar às pessoas se desejam assumir essa despesa ou se querem combinar as suas contribuições fiscais com cortes noutros domínios (não exemplifico deliberadamente). 

A mais disso, é imperioso pensar na transparência que deve cultivar-se, abolindo todas as parcerias leoninas, concessões dúbias, empresas públicas não essenciais e outras zonas de obscuridade na gestão da coisa pública. Só deste modo será clarividente a opção dos cidadãos pelo emagrecimento do Estado ou pela sua manutenção, aceitando uma carga fiscal mais volumosa ou cortes noutros domínios colectivizados.

Voltando, porém, atrás, uma outra questão me assalta: poderá o desaparecimento da U.R.S.S. ter levantado o último travão ao desmando do mercado e à voracidade dos especuladores? Não podendo obrigar quem quer que seja a suportar as desgraças em que o bloco soviético se traduziu, começo a pensar que a necessidade de provar a superioridade do modo de vida ocidental foi, durante muitos anos, o freio à desregulamentação hodierna e à queda das salvaguardas do humanismo… A verdade é que China e Rússia, economicamente, não são hoje um contrapeso e que a globalização partiu o espelho que nos poderia criar a ilusão de haver um outro, algo de diferente…

1 comentário:

freitas pereira disse...

Creio que a explicação do meu Amigo é excelente, e que a acção conjunta de Reagan e Thatcher contra todas forças progressistas e organizações sindicais nos países respectivos foram o sinal desde há muito esperado pelo capitalismo financeiro para organizar o Mercado como lhes convinha.

A desregulação, a desregulamentação e a desorganização, são típicas da divergência dos interesses das sociedades privadas e das colectividades. E, mesmo se parece absurdo, tudo é perfeitamente legal.

Depois, o Estado demissionou das suas responsabilidades, em proveito do Mercado,
sob a justificação dum pretendido capitalismo social. Mas o liberalismo económico, por definição estrangeiro a toda e qualquer ideia de moral e de justiça, mudou de caminho. E o Estado encontra-se hoje espectador, privado da sua ferramenta para regular o Mercado, obrigado de constatar que o seu mundo não gira normalmente.

Na realidade, gira ao contrário. Em vez de estar ao serviço da maioria que o elege, acabou por se encontrar lacaio duma minoria poderosa que tomou as rédeas do poder e só poderá largá-las um dia pela força. Sim, porque quando o Estado se corta a si mesmo os braços, reduzido à impotência das palavras inúteis, estes não voltam a crescer naturalmente.