terça-feira, 25 de setembro de 2012

A sagrada distância entre o respeito e o medo

Os jornais sul-africanos podem ser uma leitura interessante por vários motivos, com uma nota de relevo: apesar de algumas polémicas políticas sobre a liberdade de informação, são órgãos de comunicação social livres.

Prova do que fica dito uma das últimas edições do Sunday Times que titulava na página 5: “’Light’ beating of wives condoned”. Trocado por miúdos e em português (sem Acordo) diz a notícia que a South African Human Rights Comission e a Comission for Gender Equality decidiram que uma interpretação do Corão em voga na África do Sul (a do autor indiano Abdulla Yusuf Ali, já falecido) que propugna o espancamento suave das mulheres não tem como resultado incitar ou desvalorizar a violência contra as mulheres.

Segundo Fayzal Mahamed, o activista dos direitos humanos que apresentou a queixa ora decidida, a versão daquele autor propõe (tradução minha) que em caso de deslealdade ou conduta inapropriada por parte da mulher, três medidas devem ser gradualmente aplicadas, começando na amoestação, continuando na recusa de partilhar o leito e, por fim, la pièce de résistance: bater, embora com moderação. Adverte ainda o autor que os castigos devem cessar se a mulher voltar a ser obediente…

A citada Comissão para os Direitos Humanos consultou académicos que lhe asseguraram que a interpretação em causa não deveria ser banida e que não decorria da mesma qualquer incitamento à violência contra as mulheres. Um deles, o Professor Farid Esack, Director do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade de Joanesburgo, saudou mesmo a decisão, dizendo que é absurdo dizer que essa passagem e respectiva interpretação estimularão o espancamento de mulheres, pois “a Bíblia diz ‘não roubarás’, mas esse texto não faz com que todos os Cristãos sejam automaticamente pessoas honestas”. Sendo que não procuro aflorar o difícil e sensível tema dos Livros Sagrados (ambos, diga-se), cito a passagem por me parecer particularmente capciosa… O Académico citado parece desconhecer a diferença entre uma ordem afirmativa (açoitar) e uma proibição (não roubar); o texto islâmico está na fase da punição de uma infracção, ao passo que o seu homólogo cristão ainda está na fase do postulado, ou seja, da norma cuja violação se não pretende (mal comparado, o “não roubarás” corresponde ao dever de obediência da mulher formulado pelos muçulmanos).

Se chamo o assunto à colação é, porém, por outro motivo: as sociedades ocidentais vivem um tempo de castração axiológica e de relativismo moral ante algumas interpretações do mundo islâmico que têm que ser condenadas. A prova disso está no mesmo artigo, que cita palavras do activista referido para dizer que a Comissão para os Direitos Humanos passou do entusiasmo revelado no momento da queixa ao desinteresse da altura em que se aperceberam que seriam a primeira entidade do género no Mundo a banir uma interpretação do Corão.

E o leitor bania-a?

Sem comentários: