quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Exercícios de aquecimento para uma crise maior


Vejo com apreensão e impotência o castelo de cartas europeu a desabar. Ontem, Portugal, Grécia e Irlanda. Hoje, Itália e Espanha. Amanhã, França?...

Depois, vejo troikas e burocratas impondo o fim daquilo que sempre nos distinguiu, como sejam o modelo social europeu e a cultura humanista (que já nem os grupos secretos parecem realmente defender).

De facto, o que, durante muitíssimos anos, nos distinguiu dos EUA e do restante mundo ocidentalizado (porque do resto nem há comparação possível) foi o primado da pessoa humana enquanto eixo em torno do qual se montou um Estado regulador que visava garantir-lhe a dignidade tida por mínima e regular os mecanismos do mercado, de modo a que se a marcha desenfreada não objectivasse o que deveria permanecer subjectivo (ou seja; que se não convertessem sujeitos em números, como, infelizmente, vemos em muitas eleições partidárias portuguesas).

Todavia, o que vemos hoje é a eficácia em lugar da realização pessoal, o lucro ou o ganho de projecto em vez do enriquecimento interior dos seres e do prestígio das instituições e a obediência acrítica em substituição da força criadora não domesticada.

E, no meio desta nova escravatura, surgem novos actores sem rosto e um outro demiurgo: o mercado e as suas lógicas. A prova dos poderes dessa divindade que deve aceitar dogmaticamente estão ínsitas não apenas nos ataques às economia de nações velhas de quase mil anos ou mais até, mas também nas escolhas que gente sem rosto fez para os governos da Grécia e de Itália. Ninguém questionará a seriedade de Papademos e de Monti. Contudo, não falamos de políticos no sentido clássico do termo (inventores), mas sim de peritos de finanças (mecânicos, portanto) que farão as delícias dos investidores e alegrarão os que pretendem converter os partidos em sociedades anónimas e em cadeias de produção, como se os indivíduos pudessem ser automatizados e as ideias fossem passíveis de serem enlatadas…

Mas por que diabo ganham estas forças tanto terreno? – perguntamos nós…

A resposta reside, a meu ver, numa classe política ocidental muito fraca e desprovida de horizontes e de coragem para saltos em direcção ao desconhecido. É como se destruíssemos os aviões e a capacidade de voar e apenas recorrêssemos a comboios e à sua marcha balizada por carris estreitos. Sarkozy nem com Bruni dá um De Gaulle e Merkel teria que renascer várias vezes para deixar a marca de Adenauer.

A consequência prática disto é que discutimos expulsões do Euro e várias velocidades, em lugar de termos ideais políticos para a Europa e de reinventarmos formas de singrar sem pôr em causa o “mais” social que sempre nos distinguiu.

No fundo, queremos tornar-nos em Estados Unidos da Europa sem possuirmos sequer a tradição ou os quadros mentais do liberalismo anglo-saxónico. Tem tudo para dar asneira…

Cá por Portugal, tirando os nomes consagrados e que vamos sindicando nos noticiários, reina a miséria de ideias políticas, a crueldade partidária e o bailado de interesses de toda a sorte. Cultura do mérito?! Só da boca para fora e com muita subserviência. 

1 comentário:

Defreitas disse...

Completamente de acordo , Caro Amigo

Sessenta e cinco anos após a derrota do nazismo e do fascismo, os povos europeus são confrontados a uma ameaça dramática, desta vez não militar, mas financeira, social e política.
Um novo Império do Dinheiro atacou sistematicamente vários países europeus, um após outro, nos últimos 18 meses, sem encontrar resistência.

Os governos europeus não falham só na organização da defesa colectiva dos povos europeus face aos mercados, mas, pelo contrário, procuram acalmar estes mercados impondo políticas que nos recordam a maneira como os governos tentaram de afrontar o nazismo nos anos 30.

Estamos confrontados ao risco de reproduzir o equivalente das Primeira e Segunda guerras mundiais no nosso continente, e de nos dissolvermos no caos e na decomposição, em beneficio desse Império internacional do Dinheiro e das Armas, dos quais o poder dos mercados é o epicentro económico.


Freitas Pereira