sábado, 9 de janeiro de 2010

Casamento, igualdade e opções


1. Sou, por princípio, favorável à criação de um instituto civil para a união de casais homossexuais - na tentativa de consagrar direitos, liberdades e garantias a todos os cidadãos - e por ver justiça na extensão de direitos sucessórios e patrimoniais aos homossexuais que desejam fixá-los nas suas uniões. O mesmo não impede, porém, a crítica à forma como o PS, juntamente com a Esquerda, geriu o processo, bem como às opções que tomou (e que acarretam consequências), num momento que classificou de histórico. Ainda assim devemos felicitar José Sócrates e o partido do Governo (não é todos os dias que cumpre uma proposta do seu programa).

2. A aprovação do casamento gay foi conveniente para o Governo. Durante as últimas semanas a discussão das matérias económicas (endividamento público, desemprego, problemas sociais, etc.) cederam espaço aos debates relacionados com a proposta aprovada na manhã de ontem. Mas daí não vem grande mal ao mundo. Afinal de contas acontece o mesmo quando joga o Benfica.

3. Foi claro o comportamento do Governo e da Esquerda parlamentar, no sentido de oportunidade que achou encontrar neste início de 2010. Como disse Paulo Mota Pinto «[o senhor primeiro-ministro] não encontrou tempo para vir a esta Assembleia apresentar, por exemplo, o Orçamento de Estado, mas encontrou tempo para vir apresentar a lei que consagra o casamento entre pessoas do mesmo sexo». Contas feitas, depreendemos que o momento encontrado foi aquele que o putativo aumento do número de subscritores do pedido de referendo pôde sugerir.

4. A proposta de referendo (ao qual me oponho) não teve, em muitos casos, uma oposição correcta. Refiro-me àqueles que interpretaram e propagandearam a eventual sondagem como um prenúncio homofóbico «da maioria face à minoria», como se de uma batalha se tratasse, em que os heterossexuais portugueses estariam prontos a mobilizar-se pela negação das prerrogativas implícitas à eventual vitória do 'sim'. Além disso, o argumento que relaciona a lei com a extinção da homofobia (tantas vezes usado pelos militantes do 'sim') seria pateticamente ingénuo, se não fosse tão demagógico – ou não creio o mesmo tratar-se um fenómeno social que, como todos os fenómenos sociais, não se retém com a lei.

6. O PS cometeu um erro, e não foi o ter desconsiderado a opinião do seu fundador. Obstinado em chamar de 'casamento' à união civil de casais gay, foi errado nos princípios, imprudente na agenda e falacioso no produto. Esmiuçando, o PS faltou ao princípio da igualdade, tal como surgiu na Antiguidade, está consagrado no ordenamento jurídico português e do qual se entende a fórmula equilibrada de tratar por igual o que é igual, e por desigual o que é desigual – o casamento é uma instituição cujos primeiros registos remontam à sociedade pré-estamental da Suméria, enraizada na cultura ocidental pelas leis judaico-cristãs e usada para definir a união de um homem com uma mulher (é uma definição milenar da História); imprudente na agenda, porque a nova lei tem a jusante a questão da adopção de crianças por casais homossexuais, cujo debate já iniciou tacitamente, provocando a celeuma de ontem nas bancadas do BE e do PEV; falacioso no produto, porque, no seguimento das linhas anteriores, o Parlamento não deixou ontem de aprovar (por opção própria!) um casamento de segunda, revelando desonestidade para com a comunidade homossexual e instituindo, por outro lado, uma nova desigualdade.

6. Esteve bem o PSD que, como quem procura a convalescença em dias enfermos, foi ao debate apresentar a proposta de criação da união civil registada – de resto, o instituto adoptado na Alemanha, na Aústria, na Suiça, em França, no Reino Unido, e em mais onze países da Europa.
[a imagem é daqui]

3 comentários:

Gonçalo Capitão disse...

Belo texto, Diogo!

Do que já escrevi e como calculas, concordo contigo!

Diogo N. Gaspar disse...

Gonçalo, antes de mais aproveito para dizer que também gostei do teu artigo d' As Beiras, que está no sítio da plataforma cidadania e casamento.

Na verdade é pena que o debate tenha decorrido desta forma, com falta de contributos e (acima de tudo) diálogo, que fossem capazes de levar a questão além do mero 'a favor' ou 'contra', que um escusado rótulo de "fracturante" impõe neste tipo de matérias. Assim, o que se conseguiu foi um resultado no Parlamento que pode vir a comprometer
(por via de um eventual veto da Presidência) o mais importante do "projecto": a extensão dos direitos, liberdades e garantias em causa.

Gonçalo Capitão disse...

Sim, com a extensão de alguns direitos eu concordava. O que tivémos foi política panfletária.

Mesmo que o PR vete, a AR pode voltar à carga; e se o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade da negação da adopção, temos a afronta completa.