Reporto-me ao Magalhães, computador portátil concebido para as crianças portuguesas e que de ora em diante será distribuído pelas escolas deste país a título gratuito ou ao preço da chuva, e sempre com direito a muita pompa e circunstância, que com este Governo não é para menos.
Não julguem que esta minha depreciação decorre do facto de na minha idade escolar ter-me limitado aos berlindes, aos livros surripiados das estantes das irmãs e, em dias de festa, ao direito de usufruir durante dez minutinhos de um único computador que habitava na biblioteca da escola e que tinha sempre enormes filas de miúdos em redor, todos eles embevecidos com a então "nova tecnologia". Não me chamem, por isso, Velho do Restelo. Porque bem sei que o avanço das tecnologias de informação e a chamada inclusão digital se traduzem em desenvolvimento e progresso, quer pessoal, quer económico-social...
Não obstante, ocorrem-me muitas dúvidas quando vejo alguém (um governo!) a incentivar uma criança de 6 anos a usar um computador, ademais, com acesso à internet. Só alguém tão ingénuo como Maria de Lurdes Rodrigues acredita que as crianças e adolescentes deste país dão um uso profícuo às novas tecnologias.
Bem sei que vem equipado com filtros, firewalls, etc. Mas saberão os pais do séc.XX proceder a essas definições? E que dizer dos irmãos mais velhos que tão bem sabem 'dar a volta' aos obstáculos? Ou até mesmo as próprias crianças - para quê substimá-las?!... E depois, em que momentos lhes vão dar uso? Nos tempos mortos da Escola, sem qualquer acompanhamento e preterindo o mundo real pelo virtual? Ou em casa, preterindo o contacto com a família por jogos violentos e viciantes, chats, etc?
Se já é grave aquelas crianças que por incúria dos pais vivem enclausuradas no quarto frente à tv, playstation e afins (já para não falar daqueles que com 7 anos têm perfis em comunidades como hi5, facebook, etc. - sim, eu conheço quem..!), o nosso bondoso Governo vem agraciar os pais e os seus rebentos com um equipamento "à maneira", não basta já esta mania do português valorizar mais o "ter" que o "saber"...
E por falar em "saber", não vale o argumento de que o Magalhães é o salvador da pátria no que respeita à Educação porquanto as novas tecnologias podem desenvolver capacidades e facilitar o acesso a informação mas estão longe de cumprir o papel da formação.
Querem melhorar a educação das crianças deste país? Pois bem, não é preciso pensar muito para perceber que há passos bem mais cruciais - criar infraestruturas que fomentem a socialização das crianças ao invés de instá-las a viver o mundo virtual dos pc's e afins; apostar na melhoria da qualidade ensino/aprendizagem o que passará inevitavelmente por rever os conteúdos programáticos; fazer uma limpeza geral à televisão portuguesa e obrigar o canal público a ter uma grelha de qualidade a pensar nos mais novos; dotar as escolas de modernos meios tecnológicos disponíveis em espaços físicos nos quais as crianças sejam devidamente acompanhadas; promover exaustivamente o Plano Nacional de Leitura, de preferência sem qualquer intervenção da Sra. Ministra, a qual considerou que "o Magalhães chega onde o livro não chegou".... (no comments!), etc etc etc.
Isto sim, são medidas com vista à verdadeira democratização e qualificação do ensino. Coisa bem diferente de, em nome da inclusão digital e com vista a subir nos respectivos rankings, fazer distribuição de brinquedos todos modernaços aos miúdos, estilo Pai Natal antecipado...!
A lição à Srª Ministra: Nem «dar» é sinónimo de «educar», nem «ter» é sinónimo de «saber»!
4 comentários:
Embora não tão pessimista, acho o teu texto excelente Dulce, levantando questões importantes.
Isto de ir ao encontro das novas tecnologias não tem só vantagens, ainda para mais quando há toda uma base a precisar de ser revista.
Ricardo,
só posso ser pessimista quando vejo um governo a 'usar e abusar' das crianças para fazer pré-campanha e passar uma mensagem de que a inclusão digital aos 6 anos (!!) se traduz em democratização do ensino, progresso e desenvolvimento...
Tanta medida por levar a cabo no que toca à Educação, mas é claro que optam por distribuir rebuçadinhos para adoçar a boca dos portugueses...
Não sei porque é que não haveria uma coabitação frutuosa entre a educação e as tecnologias, entre o professor e os médias, entre a escola e o computador.
A utilização dos meios informáticos no seio do mundo da escola foi e resta um cavalo de batalha de muitos pedagogos. Mas não esqueçamos que em muitos países, o problema foi abordado ao mais alto nível e campanhas de equipamento e de formação foram organizadas.Com resultados positivos.
E porque não em Portugal ?
Está Portugal assim tão avançado que a pista não deveria ser pesquisada ?
Reduzir uma iniciativa destas ao simples valor de manobra politica nao farà avançar Portugal.
Freitas Pereira
Caro Freitas Pereira,
não questiono a boa vontade deste Governo em encetar esforços para tornar as próximas gerações mais preparadas para um mundo cada vez mais globalizado e para um futuro cada vez mais informatizado.
O que questiono aqui é a pertinência de oferecer ao desbarato computadores a crianças com 6 anos, que ainda não sabem ler nem escrever (o que é que isso interessa...?!) mas que o Governo entende já estarem talhadas para lidar com as novas tecnologias, as tais que têm tanto de bom como de mau...
Parece-me a verdadeira subversão daquilo que deve ser a Educação. Uma coisa é fazê-lo com adolescentes já com bases educacionais suficientes para manusear um computador, fazer dele uma ferramenta de trabalho útil na sua progressão escolar e pessoal, saber já destrinçar entre o correcto e o incorrecto... etc. Daí que tenha aplaudido o programa anterior que visava tornar as tecnologias de informação acessíveis a uma faixa etária estudantil que efectivamente já está preparada para tal.
Agora, dar computadores a miúdos de 6 anos?... Posso garantir-lhe que se o Governo em causa fosse da cor partidária pela qual alinho, a crítica seria exacatamente a mesma. Pela geração em causa, pelo timing e pelo facto de acreditar que há políticas de educação muito mais prementes.
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