Chamaram a minha atenção para uma notícia de meados do mês passado, segundo a qual a Inspecção-Geral do Trabalho, entre outras, definiu como prioridade para 2008 o combate ao assédio sexual.
Já não era sem tempo, já que a justificação de que somos um país latino só serve para desculpabilizar um dos mais gritantes focos de terceiro-mundismo de uma sociedade que quer ser europeia de pleno direito. Felizmente, já passaram vários anos desde que um juiz pode dar-se ao luxo de justificar uma violação a uma estrangeira, no Algarve, com o facto de aquela dever ter percebido que estava na "coutada do macho latino"!...
O artigo 24º do Código do Trabalho dispõe que:
"(...)2 - Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no n.º 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
3 - Constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referidos no número anterior.".
O facto é que, quem ande na política (algo que deve repercutir-se em outros locais de trabalho, suponho, apesar de vir de um meio empresarial saudável nesse respeito) vê, porque de "poder" falamos (quando, a meu ver, seria ideal falar de "dever"), tipos que, por terem sido eleitos ou nomeados para qualquer lugar (por menor que seja, bastando um gabinete), julgam que ficaram extremamente bonitos e sedutores.
E se é certo que haverá mulheres que, por vulnerabilidade ou ambição, ocasionalmente, cedem aos reptos, inelutável é o facto de não poder tomar-se a nuvem por Juno e de jamais essas cedências justificarem um comportamento que é eticamente condenável.
Aliás, a relativa complacência que temos para com formas de assédio sexual que vemos como banais revela bem o quão retrógrada ainda é a nossa sociedade. Se há coisa que sempre aconselhei durante o meu percurso numa juventude partidária (JSD) foi respeito para com as colegas enquanto actrizes políticas, devendo todo o acto de intimidade ser livremente consentido e bem separado de benefícios ou prejuízos. Considerei sempre, acrescento, humilhante para o próprio homem (porque é ele, regra geral, o assediador) todo o favor sexual que é obtido por utilização de uma relação de supremacia hierárquica. E, como dizia alguém com quem trabalho, "fica por saber o que fariam os mesmos se as suas mulheres e namoradas sofressem o mesmo tratamento". Casanovas de sarjeta, digo eu...
Mas tudo isto valerá pouco se pensarmos nas degradantes formas sob as quais, no próprio epicentro do que deveria ser um santuário de correcção - falo do poder político - se vai fazendo uso da vulnerabilidade de algumas subordinadas... Desde o pedido ostensivo de contactos telefónicos pessoais, ao agarrar de mãos, quando se pede para que se entregue um objecto, passando por despropositadas chamadas a gabinetes, por contactos físicos mais ostensivos do que o mencionado e chegando, em caso extremo, a chantagem e violação, de tudo se vai ouvindo, com generalizada e vergonhosa impunidade.
E se, no passado cheguei a ter a esperança de que fosse assunto que desapareceria com as gerações mais antigas, creio que a brutalidade dos dias hoje tornou as pessoas mais bestiais e insensíveis e ouço dizer que, da geração que, hoje, anda na casa dos quarenta anos à que ainda não perfez trinta, a coisa se perpétua, seja sob as vestes de quem, aliando o poder a um putativo charme, pisca o olho e sorri, enquanto assedia, seja sob a forma do recado que chega por um ou uma colega ou ainda adoptando a feição do mais grosseiro “xeque-mate”.
Nunca fui, não sou e espero não vir a ser santo ou sequer pregador, mas entendo que há comportamentos que devem ser erradicados, na medida em que lesam o País, afectando a produtividade, mas, mais importante, ferindo a dignidade de cidadãos, não se resumindo, como poderia supor-se pelo destaque concedido, à humilhação sexual, mas também a formas raciais, religiosas, políticas (sei bem do que falo e muito me custou, em tempos idos) ou outras.
Se há serviço patriótico, esta missão a que se propõe a entidade inspectiva do Estado para as questões laborais é-o, indubitavelmente. Ganhar este combate é modernizar o País. Tão “simplex” quanto isto…
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