A mais da tradicional lamúria de povo pobre e mandrião – ao estilo “o que nós precisávamos era de outro Salazar” – a verdadeira moda em torno da evocação da sua memória está, de há muito a esta parte, bem patente em capas de revista, na profusão de livros sobre ou em torno da sua personagem (sendo que até as memórias de Marcello Caetano sobre o seu antecessor voltaram a aparecer nos escaparates) e até em debates públicos como o que se tem gerado em torno da eventual reposição da sua estátua, em Santa Comba Dão (mais concretamente, no Vimieiro) ou da criação de um museu alusivo á sua vida, na mesma localidade (este último assunto, diga-se, tem sido mal tratado pelo Edil local, que já possibilitou à cinzenta Ministra da Cultura fazer um brilharete na esquerda empedernida, dada a inconsistência do processo que lhe foi submetido).
Bem vistas as coisas que ocorreram no pós concurso, vejo-me forçado a concluir, todavia, que o grande impulso para o ressurgimento da figura maior do Estado Novo também vem das reacções histéricas de alguns sectores sócio-políticos.
Comportamentos histriónicos como o de Odete Santos não só criam rejeição pelo anti-salazarismo, como obnubilam o sofrimento daqueles, e sabemos que existiram, que, efectivamente, viram o lado nefasto da II República.
O mesmo pode dizer-se de gente que se acha dona da verdade e da liberdade (não, desta vez não falo de Louçã…), como Vasco Lourenço. O facto de ter contribuído activamente para o 25 de Abril não apaga a especulação sobre a nova Albânia que seríamos se o tivessem deixar levar a dele avante (salvo-seja, quando ao avante…), nem lhe dá o direito de pautar a melodia da vida social do século XXI. O seu tom troglodita ficou bem patente em declarações ao “Público” de 27 de Março, onde pode ler-se que o nosso Coronel entende que os alegados fascistas nunca deixaram de existir (ou seja, reconhece que o apreço por Salazar não é efeito do concurso) e, vendo bem, “nunca de cá saíram. Têm é estado debaixo das secretárias e pensam que neste momento têm condições para pôr as orelhas em pé”. Orelhas em pé?! E não é que o nosso Presidente da Associação 25 de Abril se habilita a conseguir o efeito contrário?!...
Mas entremos numa hipótese menos despeitada: seria bom se Cunhal tivesse governado (isto para pegar no segundo grande português, embora a 22% do primeiro classificado)?
No programa da Antena 1, que já mencionei, escutei um ouvinte dizer que Álvaro Cunhal lutara pela liberdade de expressão. Para não desatar a rir, visto que o Dr. Cunhal me merece respeito intelectual, resta-me concluir que deveremos estar a pensar em Álvaros diferentes, já que é mais provável que isso pudesse ter acontecido com o senhor Álvaro das farturas, que tinha, vai para muito tempo, uma barraquinha em Armação de Pêra, do que com Álvaro Cunhal que, se tivesse sido mandatado para tal, ter-nos-ia convertido num satélite da URSS, o regime que mais gente matou, a par do nacional-socialismo, no século XX. Já lembrei, noutra sede, o exemplo do PCP, que foi dos raros partidos comunistas do mundo que, em 1991, apoiou o golpe de Ianaev que depôs Gorbatchev.
Mesmo o actual PCP é de um anacronismo tamanho que me vem à memória o espanto dos deputados dos parlamentos de Estónia, Letónia e Lituânia que, há menos de 5 anos, durante uma visita oficial, se espantavam por Portugal ainda ter comunistas no Parlamento (apesar do representante do PCP ser um cidadão adorável e um democrata, atesto-o), eles que conheceram bem a força trituradora de Moscovo…
E mais se deve olhar com humildade a evocação pública do Ditador, se pensarmos que os “seus” 41% não se apoiam numa estrutura partidária organizada como se apoiaram os 19% “de” Cunhal, já que não há dúvida de que o Partido Comunista se mobilizou seriamente.
Em suma: estou em crer que não foram “Os Grandes Portugueses” que “acordaram” Salazar, da mesma maneira que acredito que a agressividade caceteira da nossa extrema-esquerda apenas serve para acirrar ressentimentos e não para esclarecer as pessoas sobre o tempo que não volta mais.
Como disse, penso ainda que ignorar o fenómeno torna pior a emenda do que o soneto…
7 comentários:
Caro Gonçalo:
Desde Franco Nogueira (é,eu li com gosto a biografia de Salazar em 6 volumes escrita por este antigo MNE) que não via uma analise tão bem feita,embora de obvio sentido contrário,ao salazarismo.
Não tenho muitoa a acrescentar a não ser o estar inteiramente de acordo contigo acerca da importancia nociva das esquerdas (Odetes e Anas Gomes á cabeça)nalguma "simpatia" contra natura pelo fenómeno.
De facto a forma acintosa como as senhoras se portaram ao longo do concurso,e entao no ultimo programa nem se fala,respertou alguma simpatia pelo ditador.
E acrescento o seguinte: So o distancimento temporal permitirá a objectividade necessária para um balanço do que realmente foi o salazarismo.
Que as leituras ideológicas que por ai andam em nada ajudam.
Caro Luís
Também tenho a obra de Franco Nogueira, que é soberba.
Esta análise continuará, mas não lhe chega aos calcanhares. Creio que aquela deve ser lida.
Agradeço, porém, o facto de a nossa amizade te levar a ler-me com agrado.
Foi com igual agrado que li estas análises, apesar de não me mover uma amizade, move-me antes a curiosidade.
Efectivamente é necessário um distanciamento temporal e eu julgo que é exactamente isso que confere às pessoas próximas da minha geração a imparcialidade exigível, para fazer um balanço a frio do salazarismo.
Estes textos são a prova viva disso mesmo, desapaixonados e objectivos, todavia conscientes e que, em última análise, funcionam como a força tampão, à semelhança dos capacetes azuis, que não se posiciona num qualquer pólo ideologicamente radical, nem desconsidera o mérito dos intervenientes nesta parte da História de Portugal.
Marta:
Entendeu-me na perfeição!
Capacete azul porque me recuso a fechar os olhos ao que Salazar fez de bom, seja no fim das perseguições religiosas, na regeneração das finanças públicas, na boa cartada jogada na Guerra Civil de Espanha, no escapar à II Grande Guerra e nas obras públicas.
Os defeitos são conhecidos.
Quem me conhece sabe que quando não tomo partido peremptoriamente é porque entendo que não posso fazê-lo.
Este é um desses casos, não estando em causa concorrer para "mister simpatia".
Mesmo que a não mova a amizade ;) , eu que também não vivi estes tempos, agradeço as visitas, a atenção e os comentários.
Uma sugestão: presumindo eu que seja dirigente na sua concelhia, porque não lança o debate sobre o que significa a vitória de Salazar para a "malta" mais nova?!
Excelente repto. Não fosse o facto da actual comissão política da secção da JSD em Felgueiras ter vindo a manifestar desinteresse e falta de vontade, essa ideia teria viabilidade e daria frutos. Com muita pena minha, porque sou secretária-geral desta cps, o blog que criei para a jsd felgueiras recebeu mais visitas suas, Gonçalo, que do Presidente ou Vice-Presidentes. Recebeu mais comentários seus, do que qualquer um deles, sendo que o Gonçalo deixou apenas um. E agradeço-lhe por ter contribuído. :)
23 Abril, 2007 17:20
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