quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Nobel da discórdia


Esta manhã a academia sueca anunciou o Nobel da Literatura de 2012: Mo Yan, um aclamado autor para uns, um perfeito desconhecido para outros (como eu). Em Portugal há apenas um livro traduzido do escritor chinês e, ao que parece, está fora de circulação. É por isso compreensível que este nome cause, entre nós, alguma estranheza. Porém, mais que estranheza, é discórdia o que a atribuição do prémio a Mo Yan está a provocar. 

O descontentamento com o novo Nobel parte sobretudo de observadores de direitos humanos e de escritores chineses. Isto porque o autor é acusado de ser conivente com o regime da República Popular da China. A esse propósito, o artista plástico e mais mediático dissidente chinês da actualidade, Ai Weiwei, disse ao Público que «dar este prémio a um escritor que conscientemente se dissociou das lutas políticas da China de hoje é quase intolerável». Consta que são evidentes os laços estreitos de Mo Yan com o Partido Comunista e que na sua obra o autor espelha uma China desfasada da realidade. Talvez a excepção tenha sido a obra "Peito Grande, Ancas Largas", censurada pelo governo chinês e retirada de circulação, por iniciativa do próprio autor, corria o ano de 1995.   

Curiosamente, Mo Yan é na verdade o pseudónimo do autor e significa «o que não fala». E os que agora consideram imerecida esta nomeação lembram, a propósito do outro Nobel (da Paz) chinês, Liu Xiaobo, que Mo Yan nunca se pronunciou sobre o cativeiro deste seu colega que nunca chegou a receber o prémio, anunciado em 2010. O escritor Liu Xiaobo cumpre pena até 2020 por «subversão contra o poder de Estado», ainda que reconhecido pela Academia Sueca por ser «um lutador não violento pelos direitos humanos fundamentais da China»

Bem ao contrário da recepção pela China quanto ao laureado Liu Xiaobo, Mo Yan foi hoje agraciado pelos media chineses e por muitos dos seus conterrâneos pelo galardão obtido.   

A discussão que se levanta em torno deste Nobel não é, de facto, simples. Se por um lado é compreensível que nos repulse a cumplicidade de um homem letrado, um intelectual moderno, com o regime de Pequim, que todos os dias é notícia pelos piores motivos, por outro há margem para compreender que a forma de luta de Mo Yan pode bem ser outra: «Some may want to shout on the street, but we should tolerate those who hide in their rooms and use literature to voice their opinions» - disse.

Além disso, o escritor parece não ter muita margem de manobra, e é o primeiro a reconhecer isso, quando falou  sobre um episódio na Feira do Livro de Frankfurt, da qual se ausentou juntamente com a delegação oficial chinesa ao constatar que ali marcavam presença dois escritores dissidentes: "Eu não tinha escolha. Recebo um vencimento do Instituto de Investigação para os Artistas do Ministério da Cultura e tenho aí a minha segurança social e o meu seguro de doença. Esta é a realidade na China. No estrangeiro toda a gente tem os seus próprios seguros. Mas na China, se não me puser na fila, não posso dar-me ao luxo de ficar doente".

Sem dúvida, um Nobel cuja justeza é difícil de ajuizar, a menos que se consiga dissociar a qualidade literária do autor - que não ponho em causa - da sua atitude e responsabilidade para com o mundo que o rodeia. 

2 comentários:

Miguel Pestana disse...

Eu gosto quando os Prémios Nobel são atribuidos a escritores "desconhecidos" e que têm atitudes fortes, quer sejam policiais, sociais, etc.


Agradeço ter passado no meu blogue, Dulce.

freitas pereira disse...

Pode parecer na realidade estranho, a atribuição do Nobel de Literatura a um escritor "que não fala" ! e que colabora com um regime ditatorial e cínico, que mantém uma chapa de chumbo sobre os direitos fundamentais do povo chinês.

Mas o comité do Nobel já nos habituou a este género de "contorções" com a realidade . Foi assim com o Nobel da Paz atribuído a Kissinger, o especialista do golpe de Estado, o borrego de Allende e da democracia no Chile.

Estranheza também, pelo menos para mim, o Nobel da Paz deste ano,ter sido atribuído à União Europeia. E não são as palavras de Durão Barroso, que vão apagar o facto, que a União Europeia foi a plataforma utilizada pelo Império dirigido peles Estados Unidos, a partir da qual ele lançou as suas guerras contra aqueles que não se curvavam à sua vontade e aos seus "valores".

Toda uma série de intervenções militares sob cobertura da NATO e dos Estados Unidos, afim de levar ao Próximo e ao Médio Oriente a "paz" e a "democracia", e proteger os seus "protegidos", democracias como a Arábia Saudita, onde as mulheres têm menos direitos que os camelos e onde ainda se aplica a Chiaria, cortando as mãos aos ladrões.

Quantas destruições e vitimas inocentes imputáveis aos bombardeiros partidos da Inglaterra, da França, da Itália ou da Alemanha, sobre os povos sem defesa da Líbia, do Afeganistão e do Iraque?
Para os deixar cair em seguida nos braços do Islamismo feroz, porque é o que aconteceu na Líbia, vai acontecer no Afeganistão e acontecerá no Iraque, quando os Americanos se retirarem, e os Chitas iraquianos se reunirem aos do Irão!

A União Europeia trouxe a sua contribuição a estes sinistros desígnios e é razão pela qual ela recebeu "indignamente" o Prémio Nobel da Paz.

Freitas Pereira