sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Para Consumo Interno

Uma das inequívocas vantagens em sair do país durante uma vasta temporada é que no regresso temos tendência a ver as coisas com um olhar mais clínico. Mas nem foi preciso um olhar muito cuidado para, chegada a solo lusitano, dar conta de uma notória e imensa diferença nas cidades por onde passei: o comércio tradicional diminuiu drasticamente e muitas são as lojas de rua agora votadas a montras e prateleiras em branco, grades em baixo e avisos «fúnebres».

Pelo Oeste, o meu berço lusitano, o cenário é algo preocupante nalgumas das suas cidades. Em Alcobaça, uma passagem pelo percurso pedonal que conduz ao centro histórico leva-nos a concluir que são poucos os lojistas que subsistem ao contexto económico, sendo que nem os turistas lhes valem. Não muito longe, na cidade das Caldas da Rainha, outrora uma cidade orgulhosamente afamada pelo bom comércio tradicional – do famoso mercado diário na praça central à movimentada «Rua da Lojas» - o movimento em ambas já não é o que era. E disso é sintomático o encerramento de um emblemático estabelecimento local – a Livraria 107 – que infelizmente não resistiu às «fnacs» deste mundo.

Porém, o pequeno comércio não pode recorrer eternamente à concorrência das grandes catedrais de consumo como bode expiatório dos seus males. Veja-se o caso de Leiria, onde os centros comerciais coexistem pacificamente com o comércio de rua e, noticiava o Região de Leiria em Julho passado, é nas grandes superfícies – no caso, LeiriaShopping – que as vendas caíram a pique. A verdade é que o comércio local tem também que reconhecer mea culpa, já que muitas vezes resistiu a acompanhar os tempos e os novos consumos, refugiou-se em horários confortáveis e nem sempre soube agilizar os procedimentos com a clientela. 

Outra realidade que não vale a pena ignorar é a imbatível oferta das ditas ‘lojas dos chineses’. É legítima - esclareça-se desde já-, mas há que reconhecer que sufoca o comércio em seu redor, pois a oferta é vasta e os preços são tentadores nos tempos que correm. E se durante anos se convencionou que os benefícios do comércio com a China superavam os custos, um estudo recente levado a cabo por investigadores (alguns deles do MIT) concluiu que a velocidade a que a China cresceu como exportadora e a concorrência dos seus produtos estão a provocar danos na economia americana, verificando-se quebras generalizadas de emprego (industrial, mas não só) nos condados mais expostos às importações chinesas. Certo é que, no caso português e a este ritmo, não tardará muito para que se encontrem as ditas lojas «porta sim porta sim», o que, convenhamos, descaracteriza o nosso comércio. A propósito, não sei a razão, mas despertou-me curiosidade o facto de uma outra cidade do Oeste - Óbidos – não contabilizar uma única loja destas no seu centro histórico, mantendo o seu comércio pitoresco e com carimbo local.

Nos últimos anos são muitas as iniciativas de promoção do nosso comércio, mas isso não parece ser suficiente. Fazer renascer o comércio dito tradicional é de extrema importância, pois não só serve de motor de desenvolvimento das nossas cidades, como potencia o consumo de produtos locais, gerando emprego e riqueza. Pequenos passos que se reflectem na «economia cá de casa».

3 comentários:

Tania Morais disse...

Dulce,

Há as mais diversas teorias sobre a necessidade de protecção do comércio tradicional ou sobre as suas capacidades de regeneração. Eu cá acredito que ainda que o mercado se auto-regule, há necessidades e tendências marcadas pelo comportamento da sociedade que inevitavelmente condicionam o aparecimento ou desaparecimento de ofertas, até no retalho.
De qualquer forma, e tendo em conta o investimento do Grupo Jerónimo Martins no início deste ano, algo está a mudar no comportamento dos consumidores.
http://mobile.economico.pt/noticias/jm-prepara-abertura-de-mercearias-de-bairro_108945.html.
:-)

Dulce disse...

Tânia,

não acho que o comércio tradicional tenha que ser propriamente 'protegido', antes estimulado. Nada contra quanto às demais espécies de comércio, mas há que criar estímulos ao consumo de bens locais, pois isso tem um enorme impacto na economia local e mantém vivo o coração de muitas cidades.

Vejo o comércio tradicional como parte integrante da nossa identidade e como motor de desenvolvimento e de dinamização das nossas cidades e é essencialmente por isso que acho preocupante o que está a acontecer nalgumas cidades portuguesas. Outras, pelo contrário, conseguem manter uma coexistência pacífica entre o comércio de rua e o comércio das grandes superfícies.

E sim, o comportamento dos consumidores está a mudar e há uma tendência para regressar aos tempos das mercearias... se bem que agora levam carimbo 'gourmet' :) Acho positivo que um grande grupo invista em lojas de bairro, aí está um estímulo ao comércio tradicional! Venham mais :)

Dulce disse...

Esta também é uma excelente ideia:

http://www.movimentomilenio.com/2011/08/um-portal-para-os-produtos-portugueses/