terça-feira, 12 de julho de 2011

Guerra das divisas

Em 2008 tive oportunidade de defender uma moção temática em Congresso do PSD. Recordo-me com tanto carinho o apoio do Gonçalo Capitão minutos antes a dar dicas preciosas e da Dulce a tirar fotos guapíssimas de um momento cuja preparação foi tão irracional que nem correu assim tão mal.

O ideal

Recordo-me especialmente neste momento, pois toda a lógica daquela moção W "Portugal Internacional" assentava numa premissa implícita: a federalização na Europa e consequente uniformização das leis nacionais, assentes numa Constituição Europeia em que o direito supranacional assume primazia nas relações inter-estaduais. Logo em 2008, e na discussão do Tratado de Lisboa, vieram os puritanos falar nos conceitos de soberania e auto-determinação como se fosse proposto amputar direitos adquiridos pelos seus cidadãos. A UE não soube mostrar-se como o caminho para a maior prosperidade de todos nós europeus e chutou para canto.

O contexto

Veio a crise do subprime e o abanão dos mercados. Veio dinheiro à barda para os Estados-membros. Vieram à tona as dificuldades de financiamento de algumas economias europeias depois de injectarem capital no seu sistema doméstico. Os desequilíbrios nas contas públicas. E a necessidade de agir.
Juntando a estes factos a crescente valorização do euro face ao dólar e uma questão que data de 2002 (a moeda de referência nos mercados) poder-se-ia prever que os EUA necessitariam de equilibrar o peso da sua divisa internacionalmente. Se a determinada altura lhes era favorável ter uma moeda em desvalorização para potenciar exportações, em algum momento a correcção deveria ser feita.

O rating

Em 2008 trabalhei na AIG, a seguradora que esteve em risco de falir. Até então, a sua cotação na Standart & Poors era de AAA+, baseada sobretudo em dois factores: os dividendos na participação de resultados e o facto de muitos milhões de americanos aí colocarem as suas poupanças. A ilusão da solidez. Pois não contava para a agência de rating o negócio de leasing de aviões (???) que a companhia detinha mal parado há meses e meses a fio nem os produtos estruturados vendidos na perspectiva de evolução positiva dos mercados ad aeternum...

O político

As lógicas continuam a ser as do jogo de bilhar, com cada estado a sacudir as suas responsabilidades. Li, não me recordo bem onde, algo que faz todo o sentido: aterrando um alien na Europa, qual o sentido a dar a um conjunto de países que embora numa união económica e monetária, nos dizem "Eu não sou igual à grécia", "sou muito melhor que portugal", "olha a itália, aqueles é que não querem trabalhar"...?
Quem se tem distinguido neste jogo do empurra é Sarkozy, que ameniza os ímpetos populista alemães e finlandeses e lança os motes: ignorar as agências de rating, pressionar os bancos europeus a alargar o prazo da dívida grega, manter a liderança do FMI no domínio europeu.
Quem tem desiludido, e muito é Durão Barroso. Grandes líderes afirmam-se na adversidade e este é o momento de fazer avançar a europa. Se as inseguranças são resultado da excelente relação mantida com a américa não podemos esquecer uma ou outra ideia centrais: os americanos não esperam pela europa na altura de negociar internacionalmente; o escoamento dos produtos europeus é feito no mercado interno e há uma grande margem de progressão para áfria e ásia; os mercados emergentes são os BRIC's; muitas das bases geoestratégicas americanas são gentilmente cedidas por países europeus; não era má ideia negociar bens energéticos em euros.

As referências

Este impasse europeu faz-me lembrar da inércia de Neville Chamberlain no início da primeira grande guerra. Tanto se poderia ter evitado não fosse a crença naîf de que o poderio militar alemão e as recorrentes referências ao aumento naval dos germânicos não passavam de orgulho bacoco.
Lembra também o funcionamento da ONU: actuação em palcos de guerra quando o genocídio já está garantido.

É altura de levantar a Velha Europa. É altura de largar o fato de burocrata mais que sensato (e cobarde) e avançar em força, a bem de todos nós cidadãos europeus. É altura de legislar horizontalmente, estabelecer metas comuns, ter uma política fiscal europeia, incutir a força de um bloco regional no novo mapa político mundial. É altura para nos deixarem de tomar por parvos. É altura de nos deixarmos de tretas e fazermos política a sério.

2 comentários:

Defreitas disse...

Estamos a falar de quê ? Da crise? Qual crise, pois que há tantas!

O aumento constante do desemprego, do endividamento , do preço das matérias primas, não são acidentes. Não formam uma crise económica um pouco mais importante, um pouco mais longa e que poderia desaparecer no fim de um tempo mais ou menos longo e no meio de sofrimentos mais ou menos penosos.

A crise actual é a consequência mesmo das lógicas do nosso sistema económico e político levado ao seu paroxismo.
A nossa sociedade não é um vulgar fumador que apanhou a gripe mas sim um fumador que tem o cancro dos pulmões!

Sem duvida que o mundo de “depois” será muito diferente do mundo de “hoje” Porque as alternativas que devemos enfrentar são radicais :ou reembolsamos as dividas, ou vivemos; ou somos miseráveis com ou sem trabalho, ou vivemos; ou acabamos de destruir a natureza, ou vivemos; ou renunciamos à democracia, ou vivemos.

De todos os lados a nossa sociedade está cercada pela lógica mesmo do seu funcionamento financeiro, produtivo, ambiental e político. Ela não sobreviverá, pelo menos na sua forma actual.

Se a resignação vence , então o sistema irá naturalmente para uma ditadura, onde , sob aparência democrática, uma minoria de rendeiros decidirá do nosso futuro.

E este futuro será cada vez mais miserável.

Esta lógica avança actualmente com o controlo do orçamento dos Estados pela EU.

Se o sobressalto aparece, então talvez se possa vislumbrar uma vida mais digna, mas sob outro regime, no qual a democracia será reforçada, a natureza respeitada, a produção será posta ao serviço de todos os seus actores e onde a dignidade não será mais concebida sem uma igualdade efectiva.

Freitas Pereira

Gonçalo Capitão disse...

Tânia

O momento da moção foi grandioso. Por vezes (mas só por vezes) tenho saudades dos Congressos e afins.

Creio que a análise do Freitas Pereira é oportuna (como sempre) e certeira, mormente com põe o âmago da questão na subsistência da própria democracia. Foi em époques de malaise como esta que apareceram os Adolfos... E basta ver alguns governos do Norte da Europa para ver a ascensão do extremismo estribado na incapacidade reguladora dos (ex) Estados Providência...