segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O regresso do bolo rei


Já desde o mutismo dos anos noventa - quando, na campanha presidencial, optou por comer bolo rei, em vez de responder aos jornalistas - que um silêncio do Professor Cavaco Silva não era tão eloquente.

Falo, obviamente, da recusa do Presidente da República em pronunciar-se sobre as alegadas escutas a assessores do Presidente e à também alegada tentativa de infiltração de um assessor do Primeiro-Ministro nos segredos de Belém.

Na sexta-feira, o Diário de Notícias tornou pública a tentativa por parte de Fernando Lima, eterno assessor de Cavaco Silva, de "vender" a história. O jornal publicou mesmo correspondência electrónica entre jornalistas do Público (o jornal escolhido), na qual se mencionava o facto de Fernando Lima ter dito estar a mando do Presidente e se confessava que haviam escolhido o correspondente na Madeira para encobrir a pista de Belém, enquanto fonte de informação. Mais se dizia no DN que a história tinha meses, que o jornalista escolhido concluira tratar-se de um rumor e que, mesmo assim, o Público escolhera avançar com a "notícia".

Nessa altura, dada a indelével conotação do Presidente com o PSD e em face da sua proximidade à Dra. Manuela Ferreira Leite, achei que o Eng. Sócrates passara o dia escondido na dispensa, a rir à gargalhada...

Hoje, a demissão de Fernando Lima, ainda para mais "por decisão do Presidente" (segundo fonte de Belém citada pelas edições electrónicas dos jornais), piora a situação...

Desde logo, porque continuamos sem um necessário esclarecimento cabal por parte do Presidente da República. O assunto é muito sério e a campanha eleitoral nunca serviu de desculpa para algo que é próprio de uma república das bananas! Façamos a revisão da acusação: o Palácio de Belém estaria a ser espiado a partir de São Bento ou, não sendo assim, estaria em causa uma intriga da Presidência da República para manchar a conduta do Primeiro-Ministro; do ponto de vista constitucional, qualquer uma das duas hipóteses é gravíssima e demonstra o estado de degradação da política portuguesa, pondo a nu pontos de corrosão numa de duas das mais importantes instituições nacionais (Presidente e Governo) ou, se quisermos, em dois dos quatro órgãos de soberania. Ou seja, olhando o edifício constitucional de 1976, a infiltração é mesmo nas fundações...

Em segundo lugar, mesmo que o DN não revelasse os e-mails do Público, toda a gente informada sabe que Fernando Lima jamais daria um "ai" sem autorização do Professor. Suspeito até que antes de qualquer eructação pós-almoço de Fernando Lima é precedida de decreto presidencial habilitante... É claro que, diz o povo, há sempre uma primeira vez para tudo, mas, mesmo aí, o caminho bifurca: ou o Presidente explicava, de imediato, a culpa de Fernando Lima, ou optava por ser responsável pelas suas escolhas políticas (na minha terra, chamamos a isso "solidariedade"), pedindo desculpa pelo trapalhão simulacro de intriga.

Mesmo nesta última hipótese e fosse como fosse, teríamos um bode expiatório, o que não fica bem a quem manda. Nixon tentou fugir, mas acabou por pagar as favas, com ou sem responsabilidade. No caso, como disse, bastava que o Presidente (em quem sempre votei, em todas as eleições, e que admiro) assumisse a defesa intransigente do assessor ou, em alternativa, explicasse (embora já não chegasse cedo ao "jogo") o que se passa.

Se o início da história enublava o PSD, injustamente, diga-se em quarto lugar, o fecho do seu primeiro capítulo faz temer atrapalhação nas hostes.

Resumindo: este acto (que substitui, inabilmente, as palavras que o Presidente se recusou a proferir) iliba o PS, como Sócrates sempre defendera. Dito de outro modo, Sócrates sai com ar de vítima de uma conspiração originada na Presidência (gravíssimo!!!) e o Presidente da República (ex-Presidente do PSD) bloqueia qualquer comentário por parte de Manuela Ferreira Leite que, deste modo, não pode defender-se da conotação implícita, por muito absurda que seja na realidade.

A mais de tudo isto, Cavaco Silva era a pessoa que ninguém de bom senso esperava, por muito remotamente que fosse, ver ligada a uma confusão destas; quando muito, podia recear-se uma "rasteira" destas nos consulados de Mário Soares. Ironia do destino: Cavaco Silva vê-se, agora, envolvido numa daquelas penumbras de que o PSD acusava Soares, a famosa "força de bloqueio"!... Resta-me fazer figas e ir votar...

1 comentário:

Dulce disse...

A mais da "barraca", ter-lhe-á faltado um assessor (que não o 'contemplado' F. Lima)que melhor aconselhasse o PR quanto ao tema... é que se a coisa já era grave, agora então...