sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Movimentos Cívicos: uma faca de dois gumes


O País tem vindo a assistir, nestes últimos anos, a um saudável fenómeno democrático: a proliferação de movimentos cívicos. Emergiram no contexto de dois referendos portugueses, em redor dos quais tiveram um papel activo que nunca antes se lhes havia permitido. Se até aí o seu impacto na sociedade civil era esporádico e cingia-se ao plano local, hoje o cenário é bem diferente, pese embora os principais mediadores entre a sociedade e o Estado continuem a ser os partidos políticos.

Não obstante, o inegável peso dos movimentos de cidadãos no palco político conduziu a uma revisão constitucional no ano de 1997 que passou a permitir que estes tipo de movimentos pudesse concorrer a todos os órgãos do poder local (até então apenas podiam aspirar às juntas e assembleias de freguesia). A importância desta conquista tem-se traduzido no crescente número de candidaturas não partidárias às eleições autárquicas. Compare-se o número de candidaturas independentes às Câmaras deste país nos últimos anos: se em 2001 se registaram vinte e uma, em 2005 foram vinte sete e, neste ano de 2009, serão cinquenta. Por terras de Cister (leia-se: Alcobaça) as autárquicas que se avizinham contam com quinze candidaturas independentes num universo de dezoito freguesias e uma só Câmara.

É certo que se alguns destes movimentos nascem pela mão daqueles que (aversos ou não à militância partidária) pretendem colocar-se ao serviço do bem comum, outros surgem tão só para permitir que autarcas que entraram em cisão com o seu partido concorram em eleições autárquicas. E é pela mão deste movimentos que autarcas como Fátima Felgueiras e Isaltino Morais (entre outros maus exemplos) se perpetuam no poder. Por isso digo que os movimentos cívicos são como uma faca de dois gumes. A sua génese pode ter estar impregnada de boas intenções, mas há quem a degenere e deles se sirva para colocar em marcha os seus (pouco nobres) interesses.

Ainda que efémeros, - regra geral surgem para um fim que se alcança ou se frustra numa certa data, nas urnas - os movimentos de cidadãos de carácter eleitoral são talvez os mais expressivos. Há depois aqueles que, tendo em vista o bem comum, nascem para junto dos órgãos actuantes reivindicar determinadas medidas. Contudo, parece que o clima pré-eleitoral é fértil ao florescer de movimentos cívicos que surgem à toa, à procura de um protagonismo a construir à sombra de uma qualquer reivindicação. São grupos de interesse com intenções de duvidoso altruísmo e, algumas, a meu ver, bem disparatadas.

Atente-se, a este propósito, ao movimento que, na passada semana, ressurgiu a defender a transferência da freguesia de São Martinho do Porto para o concelho das Caldas. Escudam-se na distância entre aquela Vila e a sede do concelho e alegam falta de atenção por parte do edil alcobacense. Quanta ingratidão!

Frequentei o Ensino Básico em São Martinho do Porto e veraneei ali desde sempre, pelo que bem sei o que foi - e aquilo que é hoje - aquela vila. Evoluiu sem que quem a governa a deixasse cair num processo de descaracterização, o que já por si é louvável. Mas parece que ainda assim a melhoria das acessibilidades e das infra-estruturas, a requalificação da Marginal, a manutenção do fluxo turístico, a aposta cultural (obviamente sazonal) e tudo quanto este município tem investido na bonita Vila de São Martinho não é reconhecido por duas dezenas dos seus habitantes. É consabido que a freguesia precisa de mais, mas que freguesia deste país se pode arrogar “plenamente satisfeita” consigo mesma?

Quanto ao argumento “proximidade”, que seria deste país se todas as franjas dos concelhos se lembrassem de andar a saltitar de concelho em concelho ao sabor das conveniências? Em Bragança, há freguesias que distam a 40 km da sede de concelho e nunca ouvi nenhuma delas clamar pela integração numa qualquer cidade fronteiriça de Espanha.

Apele-se ao bom senso. E, sobretudo, relembre-se que a cidadania é uma conquista demasiado nobre para ser usada ao desbarato. Os movimentos cívicos podem ser uma excelente plataforma para que o comum cidadão contribua para a melhoria da qualidade de vida da sua terra mas, tal como nalguns processos eleitorais, não se recorra a eles com a leviandade e a cobiça que inquinam a democracia.

* também publicado na edição de 3 Setembro do jornal «Região de Cister»;

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