Finalmente, Cristiano Ronaldo, Paula Rego, Manoel de Oliveira e Saramago têm rival na luta pela divulgação do nome pátrio além fronteiras.
De facto, ao dirigir o taurino gesto a Bernardino Soares, Manuel Pinho, impossibilitado que estava de cortar orelhas e rabo, despiu o traje de luces e deixou-se projectar para o galarim dos media internacionais. Efectivamente ("gosto de aparências", cantariam os GNR), a fazer fé da edição electrónica do "Público", a fama da faena parlamentar de Pinho já ecoa em Espanha, França, Brasil, Macau e até na Rússia (agência noticiosa da Sibéria incluída), onde os nacionais devem ter vertido uma lágrima de saudade ao recordarem a mais do que certa alma mater do gesto ministerial, Boris Ieltsin.
Convenhamos que a história nem é nova, como recorda a sibilina nota do Diogo (vulgo, Senhor Gaspar, das Colmeias); há anos, o então Premier (Cavaco Silva) luso demitira o seu Ministro do Ambiente, Carlos Borrego, após uma inenarrável anedota sobre a reciclagem de cadáveres de hemodialisados (recordando, falamos da presença de alumínio na água utilizada para o tratamento de doentes, num hospital português). Contudo, Manuel Pinho tinha obrigação acrescida de cuidar da postura, pois nos quase vinte anos que medeiam as duas situações, a mediatização da acção pública foi avassaladora e conhecida.
E nem se diga que Pinho "não era político"... Todo o "ocupante" de um cargo na política, no mundo empresarial ou no futebol sabe que, neste mediático e mediatizado século XXI, há que "ser e parecer", como de resto era exigido à cara-metade do imperador...
Sobre a adequação da demissão do autor da inusitada fosquinha já muito se escreveu e quase tudo parece de sufragar. Procuro, por isso, tirar algumas ilações paralelas: em primeiro lugar, continua a parecer surreal como um Ministro que havia liderado políticas de aplauso quase unânime (maxime no caso das energias renováveis) "desgraça" um percurso político com uma parvoíce que só a um cachopo se aturaria e, mesmo aí, sem escapar à galheta da ordem...
Depois, cimenta-se no meu espírito a ideia de que, hoje em dia, quem queira ter um lugar com alguma exposição pública, designadamente em funções de Estado, tem de vencer o preconceito e, salvo honrosas excepções, sujeitar-se à aprendizagem da "arte" de comunicar.
Em terceiro lugar, involuntariamente, Pinho roubou a Sócrates a oportunidade de ganhar um debate, que até estava a correr-lhe de feição; para o confirmar basta ver a prioridade noticiosa: o chifres ministeriais (salvo seja) sempre com honras de destaque. Se os portugueses já pareciam pouco afoites a emprestar ao Governo os seus tímpanos, a coisa parece ter entrado em espiral descendente.
Por fim, parece-me justificada a indignação dos deputados. A Assembleia da República deve ser o relicário da nossa democracia (a par com a Presidência que, no nosso sistema político, tem palavra a dizer) e é incompatível com partes gagas...Porém, escusam agora muitos dos nossos parlamentares de tentar passar por virgens vestais! Só quem nunca tenha ouvido as "bocas" que alguns vociferam e o ócio a que outros se entregam é que pode agora achar que a pureza emergiu na reacção de ontem. Convenhamos: Manuel Pinho deu barraca e muitos cavalgaram a onda.
De saída, não resisto ao sadismo: já que vai a banhos, por que não uma boa leitura?... Talvez um livro de Américo Guerreiro de Sousa...
1 comentário:
Porquê o "sadismo"? Li "Os Cornos de Cronos" de Américo Guerreiro de Sousa e gostei muito. É um romance sensível e de fina ironia. Lamento que o dvd do filme baseado no livro ainda não esteja no mercado.
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