quarta-feira, 17 de junho de 2009

Não é nada connosco...

Os resultados das recentes eleições para o Parlamento Europeu trazem, a meu ver, uma nota clara e inequívoca: a rejeição da mediocridade da maioria da nossa classe política e, por arrasto, dos partidos do arco da governação (PS, PSD e CDS).

Baseio-me para tal asserção em várias ordens de razão: em primeiro lugar no crescendo do Bloco de Esquerda. É bem verdade que tenho dito que a folia acaba quando forem encurralados pela necessidade de assumir responsabilidades governantes (a queda em desgraça de José Sá Fernandes, na Câmara de Lisboa, atesta-o), mas enquanto o pau vai e volta, folgam as costas dos anarquistas, maoístas e trotskistas que compõem a mais inconsequente força política portuguesa.

Sei ainda que foi por escassas décimas que o BE fez o brilharete de ultrapassar os camaradas marxistas-leninistas do PCP, obtendo o terceiro mandato. Todavia, o facto é que o amealhou, com uma percentagem pouco inferior a 11% dos votos contabilizados. Ora, estando eu seguro de que se interpelarmos 95% das pessoas que votaram no BE elas não saberão detalhar-nos o programa eleitoral dos bloquistas (penso até que mesmo o eleitor mais “viciado” em política teria dificuldade em ver um fio condutor que não seja o de contestar e sabotar o sistema governativo clássico), o que esteve em jogo neste bom resultado foi a falta de respostas satisfatórias no sistema tradicional de partidos e um profundo descontentamento face a condições de vida deterioradas e sem solução à vista pelas mãos dos habituais inquilinos da residência oficial de São Bento.

Com isto fica sumariado o segundo indício de contestação: os dois maiores partidos não “valem” sequer 60% dos votos e o CDS cristalizou entre os 8 e os 10%, não aproveitando a erosão dos partidos entre os quais (vide com Freitas do Amaral) já procurou situar-se como charneira. Aquilo que, há algum tempo, parecia ser o caminho da bipolarização, dá ares, hoje em dia, de fragmentação. Resta saber se risco levará a que se introduza em Portugal o mais conhecido elemento dos sistemas eleitorais maioritários: os círculos uninominais. Mais uma vez teríamos uma reforma eleitoral pelo pior motivo: oportunismo (leia-se, consagrar em esquema a bipolarização que o eleitorado nega na prática).

Em terceiro lugar, entendo que a abstenção é mais um sério aviso a muitos dos nossos políticos; mais de 63% (ou seja, mais de 6 milhões) de eleitores que acharam que não valia a pena ir votar, revelam bem o descontentamento e resignação vigentes. Se há alturas em que a abstenção pode ser um sinal de tranquilidade com o sistema político, os tempos de crise não cabem, seguramente, nesse quadro.

Por fim, creio que tem sido subestimado o número de votos em branco. Trata-se de, aproximadamente, 165.000 pessoas que se deram ao trabalho de ir até à mesa de voto e de “dizer” que não se identificavam com qualquer das forças em confronto. Falamos de quase três lotações do Estádio da Luz ou de seis casas cheias no Cidade de Coimbra. Vendo bem, é muita gente a querer mostrar expressamente a sua rejeição.

O pior de tudo isto é que não sei se os aparelhos partidários – cujos líderes de facção preferem ser reis de coisa nenhuma a príncipes de algo com sentido – sequer perceberam o recado…

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