sexta-feira, 29 de maio de 2009

Globalização ma non troppo

Ainda ao redor das Conferências do Estoril, para mim, permanece no meu espírito uma pergunta para as quais apenas obtive resposta parcial (designadamente, da parte de Tony Blair, a quem tive a oportunidade de a fazer directamente): na nova ordem ou desordem mundial, são os conceitos políticos globalizáveis? Estamos condenados a optar por um qualquer fundamentalismo ou pelo relativismo?

Vem isto, desde logo, a propósito da própria democracia, enquanto regime político. É exportável? Subsistiria um país com a dimensão e cultura da China a uma ocidentalização política? Em sentido contrário parece abonar a história contemporânea da Rússia, que depois do desmando da era Ieltsin – que retirou o Partido Comunista da sua posição de trave-mestra do sistema político – veio o período actual em que a “rédea curta” de Putin parece representar a tentativa de controlo do sistema político e do mercado russos e o combate a eventuais tendências centrífugas. Claro que em favor da bandeira democrática existe sempre a vibrante democracia indiana, mas um novo balde de água fria podia vir da “varanda do lado”, já que o Paquistão testa a “oportunidade” da escolha popular e dos direitos cívicos a cada atentado sofrido e em cada bala disparada contra os taliban.

Normalmente, uma resposta baseada meramente nos princípios seria afirmativa a este propósito. Todavia e como sabemos, muitas vezes são os próprios candidatos a “importador” que rejeitam “aventuras” democráticas, já que os interesses dos dominadores, não raras vezes, convivem mal com veleidades opinativas.

Surgem depois dois conceitos de ainda mais delicada filigrana: o conceito de ingerência humanitária, algo que a NATO invocou no Kosovo (mesmo ao arrepio da soberania sérvia), e a legítima defesa preventiva, que escorou a desastrada intervenção ordenada por George W. Bush no Iraque (e que chegou a convencer muita gente, de Durão Barroso e Aznar a este vosso criado…).

Nos dias que correm, há vozes que nos interpelam, dizendo que o Iraque, apesar dos grosseiros atropelos aos direitos humanos (sim, porque de democracia nem se falava) perpetrados por Saddam Hussein, estava mais estável e, com isso, mais calma estava a região… Um homem de princípios – como Blair – terá que responder que, em todo o caso e com o passar do tempo, as pessoas podem escolher e têm liberdade para determinar a sua vida e o rumo do país, sendo isso um ganho que justifica os sacrifícios relativos à intervenção militar e os custos presentes e inerentes à estabilização.

A principal pergunta sem resposta, isso sim, é a razão pela qual tudo isso acontece em alguns pontos do Globo e não noutros, como o Sudão e o Zimbabué. A mesma pergunta, aliás, que deve ter ocorrido aos timorenses, durante mais de vinte anos…

3 comentários:

freitas pereira disse...

Caro Gonçalo Capitao

De vez em quando passo pelo seu "blog". Permita que deixe um comentàrio.

A grande questao é a das condiçoes de produçao das riquezas e da sua partilha na nossa sociedade. Ora este problema não é tecnico... ele é essencialmente politico. Isto é, quem decide o que se produz, como se produz, e como se partilha.

A Historia Humana não é nada mais que a sucessão das formas de organizações sociais destinadas a responder a estas questões.

A questão da partilha da riqueza é e resta o verdadeiro problema de todas as sociedades desde a origem dos homens, e constitui a questão essencial do presente e do futuro.

O Ocidente, que representa menos de 20% da população mundial apodera-se de mais de 80% das riquezas materiais do planeta, mas dentro de 30 anos a sua população não ultrapassará 13% da população do globo.

O Ocidente tem medo da religião, isto é , do Islão, porque a população mussulmana está em pleno crescimento e representará dentro em pouco 40% da população mundial.

A Ásia e particularmente o Japão, também são receados pelo Ocidente, por causa do seu desenvolvimento tecnológico e económico, que se verifica sem imitação dos modelos ocidentais e sem adaptação aos seus valores.

Para um tipo de sociedade que escolheu de transformar tudo em MERCADORIA – Terra, natureza, água e a vida ela mesma -, que coloca o lucro e o consumismo como ideal supremo e acima de todo outro valor,( Blair e Aznar sao bons exemplos ), acima dos direitos humanos, da democracia, e do respeito do ambiente, podemos perguntar a nos mesmos se esta sociedade merece realmente de sobreviver.

Devemos interrogar-nos sobra a qualidade humana e moral deste tipo de sociedade. Ela representa simplesmente um insulto a tudo o que a humanidade através dos seus filósofos e homens da fé apregoaram , enquanto os economistas falharam mesmo naquilo que eles consideram como central – a finança.
Cumprimentos

Gonçalo Capitão disse...

Caro Freitas Pereira

Confesso que já estava com saudades dos seus comentários, informados, inteligentes e frontais.

Sei que estou a dever-lhe uma visita, mas enquanto não cumpro, eis o que posso ir dizendo...

1 - Claro que a distribuição da riqueza poderia ser mais justa. Porém, nos dias que correm, há dificuldade em encontrar interlocutores, em certos casos. Por exemplo, no Sudão, Zimbabué, Irão, Coreia do Norte, Birmânia e muitos outros países, que organização social encontramos? Mesmo os países islâmicos, como sabe, têm ditaduras várias... Acredita que um sistema político não democrático é economicamente justo?! Há "n" exemplos de sinal adverso.

2 - O medo do Islão pode ter sido irracionalmente espalhado, não há dúvida. Todavia, como também não ignora, correntes há que exploram esse medo, que cometem actos abomináveis e que, azar dos Távoras, fundam essa acção na religião. O que é o Wahabismo? Que outra coisa senão ódio espalhou Qutub?

3 - Onde já concordo consigo é quando diz que fomos longe demais na objectivização dos sujeitos e da sua esfera de direitos... Para isso até o mundo da múcia pop já vinha alertando (a música "Cais" dos GNR - de onde me veio a ideia para título do blogue - fala neste ir "longe demais").

Cumprimentos do amigo
GC

freitas pereira disse...

Caro Amigo
Não considero que sejam os países que mencionou que impedem a Terra de girar no bom sentido.
Não são eles que provocaram o desastre actual na nossa sociedade global.

Esses países são as escorias do colonialismo ou da descolonisaçao, do desmembramento dos impérios, abandonados às elites , por vezes educadas pelos mestres ocidentais, e que pretendem copiar estes últimos.

E outros, sim, libertaram-se du jugo dos ocidentais para cairem sob o jugo das religioes ou de filosofias ultrapassadas.

Abordamos nas mensagens precedentes o problema da partilha e da moral que deve presidir a essa partilha.

Quando se fala de moral, em política, e num regime democrático em particular, pensa-se antes de mais na integridade dos representantes eleitos pelo povo aos quais ele confiou o cuidado de exercer no seu nome o poder de governar.

A probidade, e sem duvida a honestidade “escrupulosa”, o desinteresse mais total são o mínimo esperado daqueles que detêm o poder em nome do povo.

Tenho ,a certeza de obter o seu acordo sobre o que precede, Caro Amigo Gonçalo.

A moral de que discutimos não é aquela dos homens de poder como indivíduos, mas daquela relativa às decisões políticas que eles tomam. Que Hitler e Staline, Mugabe, Alhimendjah ou outro ditador qualquer desses países que citou, tenham sido ou não homens íntegros, rectos, que se enriqueceram ou não pessoalmente, não é o que a historia reteve ou reterá da ditadura que eles impuseram aos povos deles.

Da mesma maneira pode-se conceber, e isso já o vimos, que um regime “democraticamente eleito”, tome decisões que chocam profundamente a moral ou mais exactamente esta parte da moral que se percebe como “universal”.

Um tal regime, sendo ainda um Estado de direito, eleito democraticamente e com a aprovação dos seus eleitores ou por via de referendo, poderia muito bem decidir, por exemplo de restabelecer a escravatura, utilizar a tortura, as regras da democracia, a soberania do povo.
ele seria politicamente integro e legitimo, mas inicuo e moralmente detestável.

Quero eu dizer com isto que o Estado de direito, a integridade política e moral dos dirigentes, a soberania do povo, a democracia, mostram aqui os seus limites.

Sente-se que acima destes valores, importantes certamente mas insuficientes, um principio superior em nome do qual ele é legitimo, e mesmo um dever, de se revoltar se ele for violado. Mesmo se é contra uma decisao democrática ou uma soberania popular.

Chamemo-lhe moral universal, Direitos do Homem, justiça natural ou imanente ou muito simplesmente equidade.


Um abraço e cá o esperamos!

Freitas Pereira