Uma peça de anteontem do telejornal da SIC previa o futuro. Na cobertura da inauguração de uma nova ponte no Alentejo, reagia, a propósito da obra, uma das pessoas entrevistadas - «foi Deus que apareceu aqui». A imagem é conveniente à ambição do nosso Primeiro-Ministro, agora envolto numa auréola, liberto das «campanhas negras», acompanhado do Diácono Silva, que agora já não gosta de malhar e também corta fitas, um pouco por todo o lado.
Este não é o tempo da coerência ou da sensatez. A estratégia eleitoral do nosso governo apela às inaugurações e às grandes obras. O cimento continua a ser, em Portugal, o primeiro instrumento da caça ao voto. Mesmo que muitos dos nossos economistas - pessimistas, diz o Primeiro-Ministro - já tenham demonstrado a evidente falta de critérios de relação custo/benefício numa parte significativa dos projectos da administração de Sócrates. Outros, os mais pessimistas dos pessimistas, têm denunciado o centralismo decisório exercido praticado nestes projectos, o que também não é uma novidade na maneira de governar deste executivo.
O Partido Socialista monopoliza e fulaniza na pessoa de José Sócrates a actualidade política portuguesa, reproduzindo os seus discursos de vitimização e os seus soundibites inconsistentes. O país carece de verdades.
Ao lado dos grandes projectos e das grandes obras, surge latente o país da expressão amorfa, que assiste a apreensões de livros em Braga; às novas regras dos funcionários da IGESPAR (proibidos de discordar da opinião dos seus chefes); ao levantamento de um auto por causa de uma troça com o computador Magalhães, no Carnaval de Torres Vedras; ao inquérito ao professor Charrua. Nesta pré-campanha, o poder pretende jornalistas controlados e uma sociedade civil adormecida.
E a oposição?
O facto da estratégia de Manuela Ferreira Leite não ser mobilizadora deve-se, antes de tudo, ao modo de agir do seu rival, ao sucesso da governação populista de Sócrates. Mas é a Manuela e à sua direção que cabe trabalhar pela vitória do seu partido; tarefa que lhe foi confiada em Maio do ano passado.
Façamos a sua avaliação...
O PSD realizou umas jornadas parlamentares em Évora, revitalizou o Instituto Francisco Sá Carneiro e dinamizou um fórum chamado Portugal de Verdade, iniciativas que permitiram captar a massa crítica da sociedade civil e anunciar diversas medidas à comunicação social, de onde sobressai um pacote de medidas de protecção da economia portuguesa. Agora, há que propagar a mensagem sobre o que realmente defende o PSD.
É necessário que o PSD saiba comunicar o que defende para as áreas estratégicas. Por exemplo, para a Educação: comunicar como acredita em escolas com projectos educativos alicerçados nas suas comunidades e numa avaliação de desempenho, centrada não apenas nos seus docentes, mas também nas próprias instituições e órgãos de gestão.
Também na Saúde: explicar como o PSD pretende fazer acordos com instituições particulares de solidariedade social para colmatar a falta de cuidados de saúde nas zonas mais desertificadas do país.
E para as Finanças: como é insustentável a carga fiscal sobre as e as micro-empresas e a necessidade de repensar as obras públicas, que deverão privilegiar a requalificação urbana, o património cultural, a habitação jovem e os equipamentos sociais, seleccionando os projectos de Sócrates que agravam o endividamento externo.
Para quem tinha dúvidas ao tempo das directas, aqui está afinal a social-democracia de Manuela. Aqui não está o neoliberalismo, rótulo que o PS de Sócrates pretende colar ao PSD.
Parece inacreditável que o partido do Governo, tão dedicado à aclamação do seu Secretário-Geral, vá no segundo dia de congresso e não tenha apresentado, até agora, uma ideia que fosse para o futuro do país.
É inacreditável que o PSD, com as iniciativas que lançou nos últimos meses, não se consiga fazer ouvir.
Ora, por ser de rejeitar um congresso social-democrata antes das eleições, não há dúvidas de que é este PSD que terá de cumprir a sua tarefa e fazer valer as suas ideias.
Mas será também este PSD que tem de questionar: se Manuela já não se limita a marcar passo, porque não começou a marcar pontos?
3 comentários:
Excelente texto, Diogo. Muito bem escrito e melhor pensado.
De facto, quando referes a "política do betão", a meu ver, tocas num dos nossos sinais de atavismo. Pois se ainda carecemos de obras magnas e se há correntes que defendem que, em tempos como os que correm, o investimento estatal é o oxigénio da economia, também não é menos verdade que os nossos autarcas e os nossos governantes ainda estão agarrados ao "mostrar obra". É por isso que encontras concelhos com quase mais piscinas do que gente a saber nadar e com estádios com bancadas cobertas e pistas de atletismo, quando não se vislumnbrar futebol que o justifique ou qualquer política séria de fomento desportivo que faça haver mais corredores do que aqueles que, cada vez mais, fogem da polícia...
Depois afloras bem a personalização da governação do PS. Esse, creio, é um dos incontornáveis sinais de mudança na era mediática. E a verdade é que Sócrates fala bem, transmite emoção e, valha a verdade, tem uma imagem que passa bem. Para o contrariar nesse campo onde não podemos deixar de jogar (embora sempre privilegiando o conteúdo) entendo que o Pedro Passos Coelho era osso duro de roer.
Por fim, escreves que Manuela Ferreira Leite incutiu, embora com branqueamento mediático por omissão desse mesmo facto, um cunho socia-democrata ao PSD. Talvez sim, mas ainda ninguém (excepto, em alguns momentos, Passos Coelho) teve coragem de assumir que o nosso Estado não pode ter a omnipresença que ficciona.
Adorei o texto e as análises nele feitas!
Relativamente ao último parágrafo, referente ao Congresso Socialista, aconselho a ler-se o texto publicado no viajarnamaionese.blogs.sapo.pt, com o texto "A rosa está murcha".
Enviar um comentário