quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A síndroma das Petições


Nunca como nos dias de hoje foi tão fácil opinar, reclamar, reivindicar, insurgir, protestar e contestar. A liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada. Os media reservam com alguma generosidade um razoável espaço à vox populi. As organizações e os serviços preocupam-se cada vez mais com aqueles que servem. E este universo que é a Internet, (com relevo para a blogosfera) permite a partilha de opinião sem limites (que muitas vezes fazem falta).

É inegável que ao longo dos tempos o Homem tem sentido necessidade de procurar novas formas de politizar, de fazer valer a sua opinião, de chamar a atenção para as suas causas e até novos métodos de pressão sob a classe dirigente instando à mudança. Com efeito, depois da estratégia do buzinão, das greves de fome, das barricadas, dos minutos de silêncio, das manif’s convocadas via sms e das marchas lentas, aos portugueses ocorreu o conceito das “petições on-line”. E vai daí, o país rendeu-se a essa 8ª maravilha.

Tenho a dizer que tal inovação não me agrada nem pouco mais ou menos. Todos dias há quem apele à minha compaixão e resolva inundar a minha mail box com pedidos de subscrição de petições. Confesso que não subscrevi uma única. Não me tomem por indiferente, insensível ou frívola. Acontece que a grande maioria delas são completamente descabidas e não me parecem um forma credível de mostrar a minha preocupação ou indignação pelas questões respeitantes à causa pública.

Hoje fazem-se petições para baixar o preço da PS3, pelo missa de 7º dia do falecido gato do vizinho, pela reabertura da tasca lá do bairro que fora justamente encerrada pela ASAE, contra a saída daquele canal de comédia da grelha da TV por cabo, e por aí fora. E o mais grave é que ao brincar às petições, os portugueses nem se apercebem que acabam por descredibilizar aquele que poderia ser um instrumento profícuo se utilizado diligentemente e com comedimento.

Consagrado constitucionalmente, o direito de petição pode efectivamente fazer valer a opinião pública perante os órgãos de soberania. Se forem correctamente formuladas, devidamente fundamentadas e cumprirem os requisitos exigidos podem cumprir o seu desígnio e vincular tais órgãos a adoptar medidas de apreciação e deliberação.

Quanto às petições online, qual o poder de um nome e de um endereço de email? Absolutamente nenhum. Não têm qualquer valor legal, porquanto não existe qualquer sistema que identifique os seus signatários. O cúmulo é que qualquer pessoa que saiba o meu nome e o meu número de BI me pode incluir na lista e fazer-me signatária de uma qualquer petição na rede. No máximo, o que poderá acontecer é que se a causa for abraçada por muitos internautas, a Imprensa – qual caixa de ressonância – lhe dê algum relevo. Mas isso, só por si, não adiantará de muito.

Que ilações a tirar desta adesão massiva às petições online?

Os portugueses não estão num preocupante estado de letargia, como muitas vezes por aí se diz. Se instados a isso, sabem expressar as suas preocupações, os seus anseios e debater com discernimento a causa pública.
Mas cabe alertá-los que subscrever tais petições sem qualquer crédito não é uma atitude cívica responsável, antes uma intervenção pela via fácil, mais cautelosa, menos trabalhosa - bem ao jeito português, sublinhe-se.
Cabe ainda lembrar-lhes que as pequenas revoluções fazem-se no quotidiano, nos nossos círculos – casa, família, escola, trabalho e por aí fora. E que a essas esferas de intervenção a que não podemos escapar, se podem juntar outras, certamente mais dinâmicas e profícuas como, por exemplo, movimentos cívicos e associações de solidariedade social ou até pela militância em partidos. Estes sim, são os verdadeiros e adequados meios de fazer prevalecer a nossa democracia, sem nos votarmos ao facilitismo do mundo virtual que acaba por não ter qualquer repercussão no mundo real.

PS1 – nem a propósito, o texto anterior incide sobre participação cívica, abaixo-assinados e outros que tais.
PS2 - Perdoem-me a verborreia crónica!

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