sábado, 20 de outubro de 2007

O SNS está doente

Pelo menos, é o que se pode concluir ao ler o relatório de uma auditoria levada a cabo pelo Tribunal de Contas aos acessos e cuidados do Serviço Nacional de Saúde.
A avaliação efectuada é deveras arrasadora no que respeita às medidas de combate às listas de espera que, segundo aquele Tribunal, parecem estar destinadas ao insucesso. (Há casos de utentes que esperam cinco anos para uma intervenção...)
Mas as falhas não se ficam por aqui. Apura-se falta de equidade no tratamento de utentes e discriminação nas condições de acesso. O relatório refere ainda a morosidade na marcação de consultas e os números alarmantes dos portugueses sem médico de família, que ronda um milhão de utentes - factos de que já tinha falado aqui.
Os problemas detectados são de inegável gravidade, mas o Ministério competente já veio afirmar que o relatório diz respeito a "uma realidade ultrapassada". Isto é, como foi elaborado nos últimos dez meses... está desactualizado..!
Ora aí está uma óptima forma do Dr. Correia de Campos se ter esquivado ao curativo.
Reforma no sistema de saúde?
Re-estruturação do SNS?
Novos modelos de gestão hospitalar?
Daqui a dez meses, nada será igual... (!!!)
Consta que o Sr. Ministro é daqueles que acredita que "o tempo tudo cura"...

8 comentários:

Gonçalo Capitão disse...

Ora, aí está a razão pela qual disse, no congresso, que o dr. Menezes terá de explicar como manter o modelo social europeu.

PSD e PS vão conseguindo sucessos pontuais, mas a realidade de uma pequena economia como a nossa é mais esta.

O nosso Estado quer "ir a todas", mas a manta é curta e, começo a convencer-me, a mentalidade laina é mais Adam Smith do que o próprio; por cá, cada um valoriza mais o que é seu, com ineficácia no que é de todos...

Miguel Sousa disse...

Boas

Mais uma consequência da 'Governance', esta pseudo ideologia de geometria variável, que se por um lado permite a adequação de politicas a situações pontuais, por outro concorre para uma falta de visão estratégica.

Modelo de governação facilitado, socorre-se em muito da capacidade de decisão do lider e quase nada da capacidade de criar cenários e modelos de governação virados para um futuro a médio e a longo prazo.
Este modelo segue em muito a lei da 'causa-efeito', ou seja, acontece, tomam-se medidas, o caracter imediatista e de reacção está subjacente à maneira Portuguesa de exercer o poder.

Assim é fácil governar, e .....
os resultados estão à vista.

Caro Gonçalo, concordo com o seu último paragrafo, o problema é, e o que fazer, a manta está cada vez mais curta e as bordadeiras do reino à falta de melhor formação tornaram-se demagógicas, peritas na arte do muito falar para nada dizer. E como diria Michels, assistimos ao aburguesamento dos nossos dirigentes nesta alegre oligarquia (eu diria plutocracia).

Até breve

Miguel Sousa

Gonçalo Capitão disse...

Começo pela errata: onde se lê "laina", deve ler-se "latina".

Caro Miguel
Não sei se isto vai lá com o Robert Michels... Creio que, porque mais simples, podiamos obrigar a nossa classe política a ler Robert Dahl e verias a triste figura da nossa democracia... Isto se olhássemos com olhos de ver, claro.

Miguel Sousa disse...

"O que uma democracia é não deve ser separado do que uma democracia deve ser. Uma democracia só existe à medida que os seus ideais e valores dão-lhe existência." Geovanni Sartori

Eu revejo-me nos valores e nos ideais, mas cada menos me identifico com governo das elites.

E é melhor por aqui me ficar.

Miguel Sousa

Gonçalo Capitão disse...

O problema, desde a monarquia, é a nossa falta de elites e a falta de qualidade das que há ou o pretendem ser.

Sem cair na lógica de G.Mosca e "amigos", sou dos que acha que importa haver elites, desde que combinadas com o poder dos cidadãos.

E não fiques "por aí"! :)
O "lodo" é para "chapinharmos" à vontade...

Miguel Sousa disse...

Vamos então ver se não fujo ao politicamente correcto.

As elites existiram sempre e existirão sempre, é impensável um governo do povo feito pelo povo. As elites não são mais do que a representação do povo no governo destes, na suposta defesa dos seus interesses.
E voltando à lei de bronze da oligarquia de Michels, o governo directo das massas é uma impossibilidade técnica que leva ao aparecimento da oligarquia que se apodera dos governos. É no principio de defesa dos seus interesses, no príncipio de serviço público que deve ser entendido a gestão da rés-publica.

O problema surge quando a elíte se transforma no político profissional e quando pior ainda a 'profissão' de politico começa a ser gerida em algumas castas da nossa sociedade. Esse ponto fica para outras núpcias.
Legalidade, ética, moral, a máquina e os seus defeitos.

Mas nem tudo é mau. Se algo de bom trouxe a sociedade de informação aberta, é a possibilidade de as massas (aqui o rapaz) trocarem ideias com a elite (o Gonçalo).

Com os melhores cumprimentos

Miguel Sousa

Gonçalo Capitão disse...

Descontada a provocação democrática de me chamarem de "elite" :) , sublinho que apropriação da representação política por uma "casta" tem, em Portugal, o problema de vir de tão fraca cepa...

Falamos, hoje em dia e como já escrevi, de gente que se profissionalizou na política, depois do 25 de Abril (eram jovens, então), deixando a carreira profissional, em muitos casos, exclusivamente entregue às sinecuras políticas.

Como até os negócios de alguma dessa gente passam pela sobrevivência política, temos actores que pouco inovam e nada arriscam.

Miguel Sousa disse...

Gonçalo, por motivos óbvios eu não posso particularizar. Aquilo que se iniciou como uma pequena provocação, não tarda começa a ser um compêndio (amador) de filosofia política de qualidade inferior. 

Já dizia Aristóteles "... o homem é um ser naturalmente sociável".

Na necessidade do grupo em fazer prevalecer a sua vontade face a entidades externas surge a diferenciação entre dominantes e dominados. Dessa relação de desigualdade, porque ai existe coerção, nasce a exercitação do Poder Político.

Na relação autoritária anterior, baseada em ligações de sangue, o chefe que não era chefe, não necessitava de meios de constrangimento para impor o governo do grupo, prevalecia a superioridade técnica.

A grande diferenciação em termos de alteração estrutural do grupo dá-se quando este extravasa a relação familiar, passa de família a tribo.

O Poder Político cria no grupo o dever de obediência e como diria Weber "a capacidade de alguém impor a outrem um determinado comportamento".

É no Estado que reside a responsabilidade do garante da legalidade, O Estado cria as leis às quais está obrigada a cumprir. Mas quanto a este ponto, o papel do Estado no cumprimento das leis que ele cria debroçar-me-ei noutra altura.

O contrato dos cidadãos com o Estado é estabelecido à nascença com a assumpção da nacionalidade, o cidadão assume tacitamente o cumprimento das leis do Estado, por exemplo, o pagamento de impostos, nunca ninguém me perguntou se quero pagar impostos, pago porque assumi esse contrato com o Estado quando nasci.
É assim que funciona a sociedade, rege-se por normas, e é nesta sociedade complexa, o Estado, onde se inserem os Partidos Políticos. Os Partidos Políticos, tal como o estado são entidades abstractas, no sentido que são entidades ideológicas, comandadas por homens, mas que se sobrepõem a eles no espaço e no tempo. Tal como qualquer entidade abstracta, personaliza-se num conjunto de cidadãos que num, período da sua vida se colocam ao serviço dos restantes.

É esse conjunto de cidadãos que ao abrigo de um bem maior se sacrificam pelos restantes, essa é a elite, que legitimada pelos concidadãos, os governa.

Esta é a versão utópica, a realidade infelizmente é bem diferente. Mas lá iremos em episódios seguintes.

Miguel Sousa