Li, há poucos dias, que mais um conceituado sociólogo do Instituto de Ciências Sociais (escola de prestígio) veio desmerecer o juízo feito após o concurso por e sobre os políticos, e fiquei com a sensação de estar a observar uma cadeia alimentar intelectual: a seguir à vitória de Salazar, os políticos desvalorizaram a escolha popular e os politólogos desacreditaram a opinião dos eleitos, sem contudo se deixarem enlamear pelo plebeísmo de dar razão às massas; no fundo, excepção feita aos participantes na votação da RTP, todos procuraram – vício bem português, diga-se – justificar o seu lugar pela diferença, como se dar razão a outro seja um crime de lesa ordenado…
Precatando-me contra analistas, políticos e espécies naturais afins, sublinho que esta série de textos nada mais representa do que a minha opinião. É com essa base “orgulhosamente só” que entro na causa mais ilustrativa do voto maioritária no Professor: um misto de mesquinhez popular com um juízo francamente negativo sobre a classe política dominante, sobretudo desde meados da década de 90 (a altura em que se apagaram os últimos nomes grandes da nossa jovem democracia).
Guardo o juízo sobre a “ontologia” portuguesa para o último texto, retendo-me na avaliação dos vários matizes da mediocridade que afecta boa porção da nossa nomenklatura política.
Desde logo, parece-me que há fenómenos de notório ancilosamento e senilidade do nosso sistema partidário, mormente no que toca à ala esquerda do PS e, prima facie, ao PCP. Falamos, como já recordei, no mesmo partido que, ainda em 1991, apoiava (quase isolado no panorama dos partidos comunistas europeus) o golpe de Estado de Ianaev contra Gorbatchev e, pior ainda, o mais reaccionário dos partidos lusos no que toca a reformas na Educação e a democratização da Cultura.
É, no mínimo, hipócrita que as cabeças alegadamente pensantes da esquerda passem anos a encolher-se como Drácula defronte do crucifixo quando se propunha ensinar, na História de Portugal, uma visão desapaixonada das II e III Repúblicas e, agora, corem de pudor ao verem a consagração do Presidente do Conselho, em parte, pela deificação exclusiva das características benévolas, parte das quais romanceadas, do seu consulado.
Recupero exemplos como o do Museu Militar de Viena, o campo de concentração de Auschwitz e o Museu de Chernobyl (em Kiev) para lembrar como outros povos lideraram corajosamente com dramas bem mais sérios do que o Estado Novo. Por cá, provincianamente, continuamos a pensar se fazemos um museu em Santa Comba Dão (por mim devia fazer-se inclusive com documentos cedidos pela Torre do Tombo) e deixamos que a sede da PIDE se converta em condomínio de luxo, num acto impar de burrice autárquica.
Depois, há um outro juízo que, a meu ver, os portugueses fizeram de forma implícita: a rejeição da actual classe política. Bem sei que, chegados a este ponto, brilham os sociólogos dizendo que se trata de empirismo não cientifico, mas também podemos pensar que não faria mal aos nossos cientistas ouvirem os portugueses nos cafés e nos transportes públicos, sem lhes apontarem um lápis ou um gravador à cabeça, algo que pode tirar alguma espontaneidade às respostas de muitos estudos. Procedendo assim veriam que, nos dias que se seguiram ao triunfo de Salazar, o que a vox populi mais verberava era mesmo a mediocridade dos eleitos, por muito que haja alguma injustiça neste veredicto.
Creio que, de facto, vivemos um período nebuloso em matéria de “sumo” político, já que o nosso sistema partidário se encontra quase exclusivamente nas mãos de uma geração – que andará, mais ou menos, entre os quarenta e poucos e os cinquenta e cinco anos de idade – que floresceu no pós 25 de Abril, predominante mas não exclusivamente, por via das juventudes partidárias e que aproveitou a miríade de oportunidades de participação política que o período pós revolucionário abriu. Era a época em que se respirava política e na qual os partidos e o Estado eram fartos em sinecuras políticas, que nem sequer eram tratadas com o desfavor com que, hoje e de forma algo fundamentalista, se olha toda e qualquer nomeação.
Resultado prático: falamos de algumas pessoas (não todas, claro) que não tiveram, realmente, uma profissão (por muito que escrevam qualquer coisa do género nos currículos oficiais) e que, desse modo, “matam” para permanecer nos cargos partidários e públicos, chegando ao ridículo de conseguir apoiar sucessivamente lideranças partidárias absolutamente incompatíveis, sem sequer fazerem um período de nojo recomendável; é como se fosse natural acordar a dizer que é preto algo que se jurara ser azul, ainda na véspera.
O caso pode agravar-se mais se à “carreira” política somarmos negócios que, não sendo necessariamente ilegais, jamais seriam encetados ou mantidos sem que se ocupasse determinado cargo que potencia influências, traficadas ou não. Não caindo na leviandade de acusar sem provas, convido antes a um exercício: acha que todos os políticos que vivem a dolce vita conseguem explicar tudo o que têm à luz do seu ordenado ou de heranças?
E mais: permanecendo, por vezes, há cerca de vinte anos nos lugares, gera-se uma espécie de endogamia em pessoas que só vêem os seus pares e cujo mundo, para usar uma expressão de Rui Reininho, “termina às Portas de Benfica”. Faz ideia, por exemplo, de quantos deputados não vão a um teatro, a um concerto, a uma exposição ou a um cinema? Passa-lhe pela cabeça o número de entre eles que já não sabe como se compra um bilhete de autocarro ou que não lê um livro? Sim, há gente que, aparentemente, tem no assinar do livro de ponto o mais esforçado exercício cultural, e juro que o sentimento com que escrevo é o de preocupação e não despeito por já não integrar o “plantel”.
Mas a pergunta impõe-se: qual o problema de haver uma geração de jovens turcos sem Ataturk que se perpétua? Muito simplesmente o facto de não haver renovação (turnover, como dizem os manuais de ciência política) que é tanto mais necessária quanto o mundo actual muda a uma velocidade nunca antes vista. Ou seja, começa a faltar quem interprete os tempos que correm com uma linguagem adequada para comunicar com eleitores já submersos pela cultura televisiva, o que obriga a uma mensagem estruturada em termos mais emotivos e mais longe das tiradas palavrosas e hieroglificas que os nossos políticos ainda apreciam.
O problema parece-me, aliás, longe de uma solução, se virmos que as lideranças, mormente as que conheço melhor, optam por purgas parciais e por critérios de favor na elaboração de listas que mais parecem distribuição de comendas. Em vez de se pensar nos elencos que temos de ter à chegada, privilegiam-se as palmadinhas nas costas à partida.
Mas, como disse antes, há algo de injusto no ar, se ficarmos por estas linhas. A verdade é que os cidadãos não podem esquecer-se de que os nossos políticos são assim porque são um mero espelho do povo a partir do qual emergem.
Os defeitos da classe política apenas são uma ampliação dos traços dos representados, sendo que a sua vaidade só existe porque há aduladores e a eventual corrupção só grassa porque alguém se deixa comprar… A isso iremos a título de epílogo…
3 comentários:
Os patetas -mesmo com capelos- não enxergam nada. Eu não votei, mas entendo porque se votou no 'tio' Antº. Só quem não anda pela rua, nem nos transportes públicos, nem nas lojas é que faz discursos bacocos.
O povo está farto de bandidos! O Salazar era honesto! Estes são uns bandidos ! Estes não gostam do Salazar! = Voto no Salazar! Este foi o raciocínio lógico da coisa.
A ver se os idiotas entendem. Claro que entenderam, mas assobiam para o ar -afinal as pessoas estão a rejeitar os boys e o passo seguinte será rejeitarem o regime. Se não entendem isso é o que irá acontecer. Já aconteceu em 1926 -querem repetição?
Inês, às vezes tenho receio que isso aconteça. Que as pessoas comecem a rejeitar o regime democrático. É que são mentiras atrás de mentiras (neste momento em directo na tv) e a miséria a aumentar.
Eu também ando na rua e oiço..
Gonçalo: Está uma caricatura do Sócrates no Politicopata, que eu acho que me vai querer roubar... Sócrates na piscina!
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