terça-feira, 29 de agosto de 2006

AIDS 2006 - Time to Deliver


Depois de ter participado no XVI Congresso Internacional sobre SIDA na cidade de Toronto, Canadá, nos passados dias 13 a 18 de Agosto, fiquei com um misto de sentimentos: entre a esperança e a apreensão.
O VIH e Síndrome de Imunodeficiência Adquirida afectam actualmente cerca de (pelo menos!) 40 milhões de pessoas em todo o mundo... Logo, é um problema que continua actual e a exigir uma atenção especial de todos os quadrantes da sociedade global: económica, científica, política, social, religiosa, etc…

Dito isto, passo a transmitir-vos algumas das ideias que trago de Toronto:
- Fundações como as dos Multimilionários Bill e Melinda Gates ou do Ex-Presidente Americano Bill Clinton têm-se mostrado como importantes catalizadores da investigação científica… o que tem como contraface o facto de a comunidade científica ficar refém da prioridades estratégicas de multimilionários e ex-políticos…
- Em termos terapêuticos, ficou comprovado que a esperança da terapêutica quádrupla não traz qualquer vantagem comparativamente com o esquema terapêutico triplo actualmente considerado como mais eficaz (Highly Active Anti-Retroviral Therapy - HAART).
- Ainda tem de haver longo debate sobre questões como a confidencialidade do estado clínico e os testes diagnósticos de execução rápida…
- Os esforços mundiais para assegurar o acesso universal e gratuito à terapêutica HAART tem alcançado impressionantes resultados; isto apesar de nos Estados Unidos da América ainda haver 9 estados que ainda não aprovaram a distribuição gratuita desta terapêutica aos doentes (!!!). Para efeitos comparativos: em Portugal a distribuição é universal e gratuita.
- Sem detrimento do ponto anterior, verifica-se que a distribuição universal da terapêutica anti-retroviral é inútil sem que sejam tomadas medidas sérias no campo da prevenção. Deixo-vos uma nota para reflexão: Por cada doente ao qual conseguimos que chegue a terapêutica anti-retrovial, 10 pessoas são infectadas com o VIH.
- No campo da prevenção, este congresso reforçou algumas ideias antigas mas também nos sensibilizou para novos conceitos e esperanças:
-- A regra do ABC (A – Abstinence, B – Be faithful, C – Use condoms) é importante mas claramente insuficiente, sobretudo porque depende do parceiro, e não apenas da pessoa em causa. Para além do mais, há países no mundo onde a mulher não tem direitos e é obrigada a seguir uma vida com comportamentos de risco – logo o ABC não é uma opção. No entanto, há um consenso: Preservativos salvam vidas. Ponto.
-- A troca de seringas e as salas de injecção assistida para toxicodependentes (vulgarizadas como “salas de chuto”) têm-se revelado, segundo os estudos apresentados, como um meio eficaz para minorar a transmissão do vírus e para aproximar os toxicodependentes aos profissionais de saúde e, consequentemente, aos programas de reabilitação. No entanto, foram transmitidos alguns problemas, sobretudo relacionados com a localização destas salas, e a tendência para criar nichos muito localizados ao invés de se planear e executar estratégias numa escala global. O debate deve prosseguir…
-- A esperada “vacina” continua longe de ser uma realidade mas alguns avanços foram conquistados… neste aspecto, aguardam-se novidades em breve tendo em conta a aposta da Fundação William J. Clinton nesta matéria…
-- Por fim, a Fundação Bill and Melinda Gates, através de uma doação de 500 milhões de US dólares devem assegurar a conclusão dos estudos, já em estadios avançados (e com resultados promissores!), sobre os Microbicidas (creme ou gel de aplicação tópica a nível da vagina e que poderá bloquear a transmissão do vírus). “Empowerment” da mulher… algo que nunca antes foi possível! Aguardamos, esperançosos, novidades. A confirmar-se a eficácia dos microbicidas, o caminho será o de juntar em mecanismos de prevenção únicos, tecnologias que assegurem o bloqueio à transmissão não só do HIV mas também outras DST.

Agora, resta-nos aplicar os novos conhecimentos, ficarmos atentos às novidades que devem surgir em breve e continuar a trabalhar em prol de um mundo saudável e livre deste terrível flagelo que já nos roubou milhões de vidas humanas ao longo dos últimos 25 anos…

1 comentário:

Gonçalo Capitão disse...

Caro Amigo:

Vejo que andaste em importantes discussões, as quais, muito sumariamente, me suscitam algumas linhas.
Desde logo, e deixando de lado so países em desenvolvimento, onde o problema envolve outros matizes, creio que, em casos como o de Portugal, embora subsista alguma ignorância (veja-se o caso clássico do idoso que toma viagra e contamina a mulher; tu saberás de casos concretos, dada a tua profissão de médico), há ainda muita estupidez e hipocrisia.
A primeira sobretudo nas situações, tantas vezes alvo de reportagens, dos sujeitos que, em não raros momentos nas abordagens de rua, insistem e pagam mais para que não haja qualquer prevenção. Ora, como sublinhaste em conversa sobre o assunto, muita da prostituição de rua está ligada ao consumo de droga, assim se casando, morbidamente, dois grupos de risco.
A segunda situação prende-se com muita da nossa vida política e social. Passa pela cabeça de alguém sensato que, ainda que como plano de contigência, não se tenha pelo menos aflorado o assunto da regulamentação do exercício da prostituição.
Mesmo no âmbito da toxicodependência, o plano divulgado por este Governo ainda não mereceu do PSD uma posição suficientemente elaborada, entendendo eu que, por exemplo, nas salas de chuto e na troca de seringas temos uma evolução interessante.
Mais uma nota para dizer que também entendo que a prevenção deve ser massiva.
Por fim, quanto à questão dos privados comandarem a onvestigação, devo lembrar que nos E.U.A. (onde se situam os casos que invocaste) a tradição de intervenção estatal é muitíssimo menor que na Europa, ao que se soma o serôdio conservadorismo da actual Administração.