terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Pagar para ver

Para além da impreparação (académica, discursiva, profissional, etc…) de alguns dos nossos políticos, apoquenta-me a hipocrisia com que se abordam alguns temas.

E aí chegados, justiça seja feita ao PS e a Jorge Lacão, Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Todos nós sabemos que jamais, em tempo algum, sequer um político terá contactado com o fenómeno da prostituição (partamos deste postulado académico, para apoiarmos a tese sem “folclore”), mas isso não faz com que ele deixe de existir. Duvido mesmo que seja por acaso que se lhe chama a “mais velha profissão do mundo”…

Por isso mesmo, creio que compete à classe política deixar o “faz-de-conta” do costume e abordar o assunto.Vamos por partes:

1 - é possível erradicar a prostituição, a breve trecho?
Honestamente, penso que é difícil, até por hábitos de frequência enraizados e crescentes (basta ler os “classificados” de qualquer jornal ou andar na rua à noite). Existiu, existe e existirá.

2 - Devemos desistir?
Não concordo. A prostituição é degradante para quem vende e para quem compra. Deve é elaborar-se um plano de contingência que permita, enquanto se busca o País ideal (aquele onde, neste caso, nem uma só pessoa se prostitua), lidar com os (muitos) casos que existem, quer a sociedade queira, quer não.

3 - Legalizar?
A verdade é que não ilegal prostitui-se ou solicitar o serviço em causa, o que se proíbe é o lenocínio e o tráfico de pessoas; grosso modo, não pode incentivar e lucrar com a prostituição (vulgo, ser proxeneta) ou traficar trabalhadores, no caso, sexuais.

4 - Ou seja?
A verdade é que o que há é a mais selvagem liberalização da prostituição! Quem pretende que as prostitutas tenham atenção médica regular e obrigatória e que a actividade seja geograficamente circunscrita (assim se devolvendo as urbes aos cidadãos, ao mesmo tempo que se controla melhor a criminalidade, muitas vezes, associada, designadamente a relacionada com o tráfico de droga) não está a “liberalizar”, como se diz; está, bem ao contrário, a impor regras ao que, hoje em dia, é exercido junto de casas e escolas, sem atenção à saúde de quem se prostitui (e, logo, dos clientes; relembra-se que crescem os casos de SIDA entre os adultos heterossexuais), e sem o mínimo cuidado com a dignidade com que homens e mulheres (que não deixam de o ser, penso que todos concordam) que, por uma ou outra razão, o fazem, se prostituem.

5 - E a solução é?
De momento, creio que, se for essa a opinião dominante nos partidos, a única proibição possível passará por penalizar os utentes (como na Suécia), já que penalizar a oferta engloba no mesmo saco a alta prostituição (muitas vezes por free lancers que, assim, ganham quantias avultadas) e quem o faz por depender de drogas, ter caído numa situação de desamparo social extremo (desemprego não assistido, com filhos para criar, por exemplo) ou por estar a ser ilegalmente explorada (o) por redes de tráfico.

6 – Depois de cerca de 2.500 caracteres, qual a minha proposta?
Que se registe a actividade, se forneça amparo social (procurando encaminhar as pessoas para outro “mundo” e acabar, a prazo, com a actividade, por muito utópica que seja a meta), se preste assistência médica regular, se delimitem as condições do exercício da actividade e se combata a criminalidade relacionada com o tráfico de pessoas e de droga, sempre com a mira no fim da “mudança de vida”. Fora disto seria ilegal a prostituição, na oferta e na procura.
Além disso, não creio que seja útil, dadas as questões morais, pensar na tributação, pelo menos de momento.

7 - E é suficiente?
Talvez não. Para aliarmos ao voluntarismo, ao menos nas intenções, do actual Governo a dose de coragem necessária, seria preciso que, de uma só penada, se abordassem, no mesmo sentido, a toxicodependência e o aborto, já que, muito mais do que pensará o cidadão comum, as situações cruzam-se.

Em suma, fica para já o tributo a quem, tendo o poder de lançar o debate, o exerceu.

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