domingo, 13 de março de 2005

Comprimido no Pingo Doce e supositório no Continente

Medicamentos sem necessidade de receita à venda, por exemplo, em supermercados, não choca, mesmo justificado com a acessibilidade dos medicamentos. A oposição a Sócrates não deve, por isso, ser platónica...
Porém, num País em que o consumo de medicamentos e a auto-medicação sobem, por um lado, e em que os índices cívicos são baixos, por outro, deixar ao livre arbítrio do consumidor e à ética do comerciante a gestão de fármacos não sei se não será uma ideia peregrina. Convenhamos, at~e por tradição cultural, a nossa sociedade não é anglo-saxónica (nos EUA e na Grã-Bretanha aplica-se este regime) e, logo, é menos auto-regulada (atente-se nos eufemismos...).
Acresce que me parece que haveria coisas bem mais importante que falar de aspirinas e supositórios em dia de tomada de posse. Mesmo no domínio da saúde, investigação para achar curas, listas de espera, comparticipações, eutanásia e centenas de outros tópicos podiam fazer crescer a esperança no XVII Governo.
A menos que... Bem, a menos que se trate de uma discreta guerra aos lóbis e corporações. Primeiro, os media arredados da constituição do Executivo e a tomada de posse sem salamaleques e graxa dos directores-gerais e deputados de 3ª linha.
Agora, a poderosa indústria que gravita em torno da saúde?...
Se assim for, "tou nessa"!

1 comentário:

Anónimo disse...

A liberalização do mercado farmacêutico é um desejo antigo de muitos sectores da sociedade e que também partilho. Por isso, esta medida, só pelo facto de ter sido anunciada, merece o nosso aplauso. Convém, no entanto, aguardarmos pela legislação sobre esta matéria para tomarmos uma posição mais firme quanto à sua aprovação. Gostaria apenas de deixar algumas notas a ter em conta aquando da alteração do decreto-lei:

1 – Só medicamentos de “venda livre”?
A medida anunciada irá permitir que a comercialização, em espaços comerciais, de fármacos não sujeitos a receita médica. Embora compreenda a preocupação dos governantes, penso que é infundada. Na minha opinião, a criação de um balcão de farmácia, tal como existe o do talho e da pastelaria, controlado e fiscalizado por um director técnico farmacêutico, é perfeitamente viável e desejável. Desde que seja um espaço próprio que respeite as normas de segurança e qualidade dos produtos farmacêuticos, não vejo razões para seu impedimento.

2 – Pílula do dia seguinte...
É verdade... há fármacos que podem ser vendidos sem receita médica e que, administrados indevidamente, apresentam resultados nefastos para a saúde. Um exemplo claríssimo é a pílula do dia seguinte. Mas a venda livre é aplicável tanto nas farmácias como nos supermercados. Por isso, se queremos que a administração deste tipo de fármacos se faça correctamente, em vez de limitar o seu acesso (sendo o limite apenas virtual na medida que qualquer pessoa pode comprar livremente na farmácia), devemos apostar na sensibilização e formação continuada da população, desde muito cedo, sobre a utilidade e os perigos da toma de fármacos. A educação para a saúde tem de ser o caminho pois medidas que visem a promoção da ignorância e a limitação do acesso têm, diz-nos a história, finais geralmente infelizes.

3 – Não vamos agravar a “auto-medicação em Portugal?
Com esta medida, da forma como foi anunciada, a minha resposta é SIM. Por isso considero que, para que esta medida cumpra com os seus objectivos de satisfazer os interesses dos consumidores, e possa combater a crescimento de auto-medicação entre consumidores Portugueses, a venda de medicamentos em Portugal deveria passar a um método uni-dose. Isto é, por exemplo, se um doente precisa de tomar 2 comprimidos de um Anti-inflamatório não esteróide (tipo Aulin) durante 3 dias (ou seja, precisa apenas de 6 comprimidos) porque é que é obrigado a comprar uma caixa com 20 comprimidos? Mediante a venda uni-dose, o farmacêutica facultaria ao consumidor a quantidade de fármacos, à unidade, que precisa - nem mais, nem menos. Será esta medida exequível? A venda de fármacos neste sistema faz-se há cerca de 20 anos em muitos países anglo-saxónicos...

4 – Liberalizar = Baixa de preços?
Infelizmente, nos últimos anos, sempre que qualquer sector tem sido liberalizado (como, por exemplo, gasolina e derivados de petróleo) os preços aumentam ou estagnam em vez de baixarem. Tal acontece porque há, de forma mais ou menos evidente, a cartelização entre os fornecedores interessados para evitar baixa de preços. Com esta medida anunciada pelo Governo do Eng.º Sócrates, tal irá acontecer entre as empresas farmacêuticas. No entanto, pode-se combater este e outros cartéis com a aplicação prática de medidas fiscalizadoras, por parte do Estado, que assegurem a Concorrência Livre no mercado, segundo as normas Europeias. Se o Estado cumprir o seu papel, o consumidor sairá inquestionavelmente favorecido.

5 – Comprimidos no corredor dos detergentes?
É evidente que a abertura da venda de fármacos fora do ambiente de “Farmácia” exige um acompanhamento técnico sério e continuado. Se assim for, veremos que qualquer estabelecimento que pretenda comercializar produtos farmacêuticos irá, inevitavelmente, ter que criar um espaço próprio, dentro da superfície comercial. Nenhum farmacêutico responsável pelo controlo técnico poderá permitir outra solução.

Muito mais haveria para dizer, contudo penso que estes cinco tópicos demonstram como uma boa intenção se pode revelar ineficaz ou mesmo prejudicial para os consumidores (se mal legislada). Espero que os governantes façam uma profunda reflexão sobre esta matéria, nas suas diversas vertentes, para que aquilo que seja legislado seja, de facto, bom para os “doentes” Portugueses.

Um abraço para meu Amigo Gonçalo e Parabéns pelo Blog,
Ricardo Baptista Leite