sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Autoridade

Em vários exemplos da vida e conversas sortidas têm-me feito meditar num valor basilar da vida em comum, que me parece em progressiva delapidação; falo da autoridade…
Creio mesmo que, em Portugal, tal depreciação tem uma explicação adicional àquela que me parece global e que discutiremos infra e que tem a ver com o facto de, no passado recente termos vivido uma revolução inspirada pelos ideais libertários (mas nem sempre libertadores) da extrema-esquerda. Cansados da “estabilidade” (leia-se autoritarismo) do Estado Novo, os portugueses deram, na sua maioria, o beneplácito a uma dinâmica política que via na autoridade um símbolo do tempo a que se não queria voltar. As passagens administrativas no ensino e a perseguição, por exemplo, a professores da Universidade de Coimbra, por muito que lhes dêem outra roupagem eventualmente ideológico, foram, a meu ver, uma vingança contra uma ordem que se odiava acriticamente. Basta, em abono desta visão, ver outros fenómenos como as formas colectivistas de organização surgidas em vários domínios e a própria desresponsabilização individual que, a meu ver, a nossa Constituição encerra, em certos domínios. Começou a época do “proibido proibir”.

Acresce a este um factor global: a influência das novas tecnologias, que, ao mesmo passo que nos ligam a pessoas do outro lado do globo, nos isolam (não é incomum ver pessoas numa mesma mesa sem falarem e olhando ecrãs de telemóveis, com a cara azulada ao jeito de um qualquer Avatar (refiro-me, bem entendido ao filme homónimo). Contudo, ao mesmo tempo que nos isolam, permitem-nos o acesso a mil e um conteúdos (com difícil filtragem, o que é, não raras vezes, berço de idiotices) e, concomitantemente, a uma ideia de poderio individual (empowerment, na ciência política anglo-saxónica). Tudo isto faz com que, mormente, os mais jovens se sintam avalizados para minar a auctoritas do mestre ou do “mais velho”, por acreditarem que o que sabem ou julgam saber é verdade porque viram na televisão ou leram na “Net” (conversa esta que dava um livro, sublinho…).

Se não sou adepto do excesso de autoridade, tampouco o sou da sua míngua… E, desgraçadamente, entendo que, em determinados domínios, resvalamos para este último extremo.

Desde logo na relação com as chamadas forças da ordem. Basta lembrarmos as agressões descaradas a agentes da polícia na tristemente célebre manifestação em frente ao Parlamento para vermos algo que nos pareceria intolerável há vinte anos. É, diga-se, essa mesma fragilização que leva a que um policial não consiga evitar um calvário para justificar uma bastonada, ao passo que raros desordeiros ficam sequer em prisão preventiva.

Depois relembro a já citada relação entre jovens e mais velhos. O chamado “respeito pelos cabelos brancos” é visto como obsoleto, gerando situações de descarte de pessoas idosas a quem se não reconhece o valor de aprendizagem da escola da vida. Na melhor das hipóteses pode esperar-se um insolente “isso é a sua opinião”, numa das piores o afrontamento acintoso.

Por fim, a relação docente-discente que, a mais do vandalismo cada vez mais frequente, ignora, hoje em dia, a ideia essencial de que a transmissão do saber pode ser participada, mas não é um exercício democrático.

2 comentários:

Ricardo Jesus Cândido disse...

Esta última relação que falas, a do docente-discente relembra-me os tempos em que dava aulas!
Na aula de apresentação tinha por hábito dizer que o exercício do saber, naquele contexto, era uma democracia, mas que no fim quem mandava era eu! Democracia total só da porta para fora...

Gonçalo Capitão disse...

:)