sábado, 27 de outubro de 2012

Fim do Grande Bolo

Muitos são aqueles que descobrem, há uns meses para cá, o impacto mortífero do imperialismo financeiro sobre a vida dos cidadãos de todos os países.

Até aqui, falava-se do capitalismo, como poder económico do qual dependia o nível de vida dos povos, segundo o bom prazer dos que possuíam este poder. Enquanto este distribuía algumas migalhas do imenso bolo, que os outros produziam, as coisas lá iam mais ou menos, e antes menos que mais, sem choques violentos, porque era necessário, por um lado, manter em "vida" os obreiros do bolo, na paz e no sossego que convinha aos que possuíam tudo, e que, por outro lado, os que recebiam as migalhas contentavam-se do pouco porque nem sabiam que tinham direito a mais. O emprego existia, a miséria era contida dentro dos limites do terço mundo. Todos pareciam satisfeitos da vida, excepto para aqueles que tinham ousado ir ver mais longe e que não voltaram mais.

 E isto assim foi durante décadas, até que a marcha do mundo se acelerou. A invenção perniciosa do capitalismo, a do crédito fácil para todos, já e agora, permitiu a expansão do MERCADO e, com ele, a explosão das dívidas: a dos particulares e a do Estado. Os particulares, a quem os promotores do GRANDE BOLO prometiam fatias mais suculentas e variadas, do automóvel à casa, do passeio ao estrangeiro às férias a crédito, tudo o que se sonhava era transformado, como por encanto, em realidade!

A dívida do Estado, a quem os autores do grande MERCADO prometiam rendas fiscais extraordinárias, porque, diziam eles, com o pleno emprego, quanto mais se consome mais taxas se pagam, isto é, os produtores e os consumidores, as rendas e os salários, sem falar das benesses de vária ordem de que os políticos iriam beneficiar (e nas quais estes se fartaram até à indigestão!) se as leis conviessem ao grande MERCADO.

Os boys da escola de Chicago, os apóstolos do MERCADO auto regulável, tinham ganho a partida Como se a ganância, a cupidez e o ... apetite e as necessidades ainda não satisfeitas, podiam auto regular-se!

Entretanto, novos actores apareceram, entre os quais os países ditos emergentes, saídos da letargia e do colonialismo, que mais não eram que imensos reservatórios de forças humanas desocupadas, prontas a servirem em não importa quais condições, mesmo esclavagistas, desde que os arrancassem à vida miserável na qual vegetavam. Por muito pouco que lhes dessem, em troca de trabalho sem conta, era sempre melhor que o nada com que sobreviviam.

Foi o caso dos dois grandes reservatórios da Índia e da China, e de todos os países asiáticos.

A emergência da filosofia dos dois sistemas, capitalista e comunista, no mesmo regime político, inaugurada por Deng Chiao Ping, na China, foi o sinal da mais formidável corrida ao lucro fácil na qual o capitalismo mundial sonhava desde há muito, de facto desde os primeiros passos da industrialização dos dois últimos séculos.

Escapar às leis impostas pela democracia e à decência do tratamento devido àqueles que trabalham, era exactamente o que desejava a ganância mórbida dos detentores de capitais, sequiosos de rentabilidade financeira, de dividendos e bónus chorudos para os accionistas.

Ah, que grandes países estes onde não existiam sindicatos para combater a exploração desenfreada e onde o regime político envia os carros de assalto contra aqueles que reclamam os direitos humanos mais elementares.

Esta abertura sobre um mundo do trabalho, vasto e inesgotável, iria fornecer aos detentores de capitais um poder extraordinário que, pela sua dimensão, vai pôr em cheque o poder mesmo dos Estados. Adeus o pleno emprego, as fatias do GRANDE BOLO de outrora, as rendas fiscais e a paz social. O GRANDE BOLO será confeccionado fora das fronteiras, o resultado aferrolhado nos paraísos fiscais, fora do alcance do Estado, que deverá "inventar" o dinheiro para sobreviver ele mesmo.

Assim reflectia, quando, na semana passada, em França, um gigante do aço, a sociedade Mittal, liderada por um Indiano, conseguiu impor a sua lei ao Estado Francês, ordenando o encerramento duma grande siderúrgica, a sociedade Arcelor, na Lorraine, outrora grande fornecedor da industria automóvel, adquirida aquando duma O.P.A. (oferta pública de compra) na bolsa.

O problema é que esta firma indiana possui dois terços do mercado do aço mundial, e que, tendo adquirido a firma francesa e encerrando-a agora, eliminou desta maneira um concorrente, e beneficiou assim as outras firmas do mesmo grupo que produzem o mesmo aço a preços mais reduzidos, graças aos salários mais baixos praticados em países mais "competitivos" ! Isto é, onde se trabalha por menos! O quase monopólio do aço permitiu-lhe agir assim, e o Estado Francês nada pôde para o evitar, porque assim vai a lei do comércio internacional e a lei do MERCADO!

Este é o grande problema dos monopólios, autênticos Estados dentro dos Estados, fenómeno recente da economia capitalista.

O monopólio é um produto da concentração da produção a um nível muito elevado que pode tomar a forma de cartéis, trusts ou sindicatos patronais da indústria. Fundidos com grandes bancos, constituem o capitalismo financeiro, interpenetração do capital industrial e do capital bancário. Ora, como vimos no caso que citei da firma francesa, a criação de monopólios visa a substituir-se à livre concorrência. E na realidade, não é só na indústria: existe o caso da Monsanto americana, quase monopólio mundial das sementes ou ainda certos laboratórios farmacêuticos.

A predominância do capital bancário faz com que uma parte cada vez mais importante do capital industrial não pertença aos industriais mas aos bancos que são os verdadeiros proprietários.

De intermediários nos pagamentos, os bancos converteram-se em fornecedores essenciais do capital. E a vergonha suprema é quando após terem jogado com o nosso dinheiro no casino dos "hedge funds" vêm pedir aos contribuintes para os salvarem da falência!

Mesmo se, à primeira vista, parece não ter nada a ver com o que precede, esta história do monopólio, levou-me a reler certos aspectos da nossa história colonial, que também teve noutros tempos os seus monopólios. E, à passagem, os investimentos/ aquisições que certos antigos colonizados fazem actualmente em Portugal.

Na partilha territorial do planeta entre as grandes potências capitalistas no termo duma colonização violenta da África e da Ásia, a possessão das fontes de matérias-primas foi uma das motivações maiores desta politica de agressão e de dominação.

Ao mesmo tempo, a acumulação de capital-dinheiro tinha atingido tais proporções nos países "avançados" que estes, se esforçaram para exportar o excedente em direcção aos países colonizados e dependentes afim de os rentabilizar. Ontem, a CUF, empresa monopolística, e o Banco Nacional Ultramarino, entre outros, proprietários de grandes territórios no ultramar, onde investiam, enquanto o território metropolitano tanto carecia de investimentos e o povo vivia pobremente.

E hoje, o mesmo movimento, desta vez dos antigos colonizados, agora grandes capitalistas, fazendo parte do cartel do petróleo e dos diamantes, que, pelas mesmas razões, mas em sentido contrário, exportam capitais, enquanto lá em casa, milhões de cidadãos sobrevivem em condições indignas. O que prova bem que o capitalismo, ligado à ganância e à cupidez, é uma enfermidade que se apanha facilmente, qualquer que seja a origem social dos doentes, mesmo saídos das revoluções.

O capital financeiro cria uma "oligarquia financeira", insaciável e mundializada, que consegue envolver todas as instituições económicas e politicas, sem que a situação miserável e desesperada dos povos a preocupe. Esta é a marca do capitalismo selvagem, que tem os seus servidores na governação da Europa e na OMC (Organização Mundial do Comércio), e os seus lacaios nos políticos dos Estados.

Freitas Pereira

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