sábado, 14 de abril de 2012

DIREITA ? ESQUERDA ?

Caríssimo Amigo Gonçalo Capitao

Aproveitando a abertura do «post » precedente no qual me “encaixa” naquela corrente ideológica que se chama “esquerda”, que não renego, gostaria, se me permite, não de explicar  esta tendência, explicação que não se impõe,  mas de ir um bocadinho mais longe na análise da noção de “esquerda” e “direita”, como a concebo.
As eleições presidenciais em França oferecem um quadro ideal para esta análise. Mas se estas eleições fossem em Portugal, a conclusão seria a mesma.
Qualquer que seja a facção política que se apresenta ao voto dos eleitores, todas têm , em principio, um programa estratégico de desenvolvimento económico.
Este programa vai condicionar a política social no sentido mais largo do termo, sendo a  educação , a justiça social e o emprego, os pontos essenciais que vão interessar a grande maioria dos eleitores de base. A maioria ignora, de facto, os aspectos fundamentais da economia política. Só a vida de todos os dias os sensibiliza..

Por traz dos efeitos de tribuna e do ambiente escaldante das reuniões publicas incensadoras, nada permite de assegurar que este programa vai ser respeitado pelas facções políticas em luta pelo poder.
Hoje, mais que nunca, os políticos procuram esconder a verdade sobre o poder real de que dispõem para conduzirem  uma política governamental.

Se olhamos para o caso da França, existem exemplos flagrantes para provar que qualquer que seja o vencedor, “esquerda” ou “direita”, o problema do poder real é patente.

Assim, quando o candidato da esquerda, provável vencedor, diz em Paris que o seu adversário principal é a “finança” e diz em Londres que este adversário  é finalmente aceitável, nada o diferencia da direita.

Quando o mesmo diz que vai aplicar uma “taxa nas transacções financeiras”, ele não diz como o fará, e ainda menos quais são os países que vão aceitar de aplicar uma tal taxa. Sim, porque isso não será possível que ao nível, pelos menos, europeu. A direita diz a mesma coisa.

A ideia da criação da “Agência Publica de Notação Financeira” é um gadget comparada às outras agências privadas, autónomas, que continuarão de existir. Qual será aquela que os mercados vão crer? A direita propõe a mesma coisa.

O pacto de “responsabilidade de governança e de crescimento” ( que Portugal assinou!) é uma concha vazia! Ninguém sabe como ela se poderá encher! Tudo depende dos parceiros da Europa e da finança internacional... Tudo hipotético como as “euro-obrigações”! A direita também assinou.

Proibir a criação de filiais dos bancos nos paraísos fiscais e limitar certos produtos financeiros, é francamente risível! Sarkozy prometeu quantas vezes estas medidas ? A esquerda promete agora!
Ninguém tem a possibilidade de lutar contra a especulação financeira, sem mudar o sistema económico mundial, e as medidas anunciadas são picadelas de alfinete nas costas do monstro! Na finança tudo é interligado.

Reindustrializar o pais, prometido pela direita e pela esquerda. Muito bem. Para Portugal como para a França, a ideia é premente. Mas como fazer regressar as industrias que partiram para longe, estas deslocações de empresas que mais não são que um puro produto da globalização mundial?

Quanto à Republica e às instituições, esquerda como direita, prometem  coisas que não custam nada a anunciar.. e eventualmente não serão realizadas ! Reduzir o numero de funcionários? Quem o ousará , sabendo que existem lacunas em vários serviços públicos, que o Estado abandona!

E porquê? Porque o novo presidente e o seu governo vão continuar a gerir o sistema mercantil como ele é, sem mexer no seu mecanismo de fundo, sem pôr em questão a maneira de funcionar, respeitando as regras do salariado, da rentabilidade, da circulação e da acumulação do capital, do essencial das regras dos tratados europeus ... e submetendo-se aos constrangimentos internacionais. 

Vamos assistir ao “merchandising” de todas as actividades económicas e sociais, com alguns retoques, certo, mas sem perturbar o seu curso.

Vamos assistir a uma gestão “social-democrata”, na realidade “liberal”, do capitalismo, como os outros países europeus. Não será uma gestão de “direita” mas não será melhor! E isto porque a “ideia” liberal contaminou completamente a “ideia” socialista.

Os problemas, os verdadeiros problemas, aqueles que se põem aos cidadãos na vida de todos os dias ( poder de compra, emprego, reformas, saúde) vão continuar e não serão resolvidos.. até que o povo desiludido... re-vote pela direita ... e assim de seguida ! Como na Espanha.
E no outro sentido, brevemente, como na Grécia como na Itália, como na Alemanha.

Gostaria de deixar aqui, se me permite,  estas palavras de Mitterrand: “ Os socialistas que se apresentaram como “reformadores”, acabaram por colaborar e aderir aos valores capitalistas e portanto à política da direita. A colaboração escapa dificilmente ao seu destino que é o de atraiçoar”.

Alors, Caríssimo Amigo: Direita, esquerda? Onde estão realmente? No interesse individual que se situa acima do interesse colectivo? Talvez.

Freitas Pereira

1 comentário:

Gonçalo Capitão disse...

Meu Ilustre Amigo

Tendo lido com interesse o seu texto, sublinho 3 ideias que dele decorrem:

1 - uso a dicotomia "esquerda/direita" como mera ferramenta de análise, mormente no que toca ao grau de protagonismo do Estado e do cidadão.
2 - concordo que os partidos prometem o que não podem ou sabem, sendo que a vida económica amansou e encurtou os ciclos de governação.
3 - Miterrand seria das últimas pessoas que citaria, mormente quanto à sua coerência.

Um forte abraço
GC