quarta-feira, 4 de abril de 2012

"Forward"

Creio que todos nós recebemos uma imensidão de mensagens de correio electrónico reencaminhadas (vulgo “fw” ou “forward”); desde as anedotas aos gatinhos e cãezinhos com patéticas mensagens de paz e amor, das bonitas mulheres assim às obesas mulheres assado, dos reclamos com erros aos abaixo-assinados para demitir todos e mais um…

Há, todavia, um tipo de mensagens e anexos que, sempre que posso, me dou ao trabalho de ler: aqueles que versam política. E foi num desses interlúdios de leitura que abri um pequeno filme sobre a pirataria na Somália, enviado por um dos mais cultos cidadãos da diáspora que conheço, que o meu amigo Freitas Pereira, residente em França (um homem cujas ideias se encaixam claramente no que se usa designar por “esquerda”), recomenda no texto do e-mail (que não sei se é seu ou também ele reencaminhado) que vejamos “o outro lado da história”.

Vejamos, então: o filme de realização espanhola começa por um enquadramento da noção romântica de piratas que herdámos de aventuras em livros e filmes, para depois balizar o conceito. Segundo os autores, um pirata é alguém que rouba no mar, fortemente armado e, por vezes com a protecção de um Estado (relembremos as cartas de corso e os corsários...).

Seguidamente, somos elucidados sobre a pesca massiva e predadora realizada por potências ocidentais, bem como sobre o depósito ilegal de matérias radioactivas e de outros lixos tóxicos (por exemplo, resíduos hospitalares). Tudo isto se passa na zona económica exclusiva da Somália, país que a não pode vigiar por estar devassado pela guerra e pela miséria.

As consequências destes actos são evidentes: os recursos alimentares marítimos escasseiam e muita da matéria radioactiva deu à costa, por altura de uma das mais recentes e dramáticas calamidades naturais.

Pelo meio, imagens da fome que faz sofrer o povo somali e censuras aos gastos ocidentais no patrulhamento bélico da área… Segundo os seus autores, aliás, os piratas mais não são do que pescadores desesperados aliados a alguns combatentes tribais, como tudo pudesse ser justificado desta forma.

O cenário é pungente e nada pode ser mais atroz: pesca ilegal, depósitos de lixo tóxico, fome e guerra…

Contudo, cumpre olhar o " também verdadeiro" outro lado. Comecemos pelo lado da guerra: com intervenção da Etiópia na zona da Somalilândia, quem está em guerra?! Tribos somalis. São somalis que massacram o seu povo. Acresce que quando os EUA, no início dos anos 90, quiseram pôr alguma ordem no caos gerado, as Nações Unidas entenderam que não valia a pena ajudar da única forma viável: a força.

Depois, se não fosse trágico, era quase hilariante a ideia de que a pirataria pode ser justificada por depósitos e pesca. Os indivíduos que a praticam, como sabem, são vulgares bandidos que, à custa de tantos resgates (indevidamente) pagos, estão hoje fortemente armados e visam o enriquecimento ilícito e fácil.

O que, em meu entender, tem andado mal é o alheamento dos países ocidentais, designadamente das antigas potências coloniais (Reino Unido e Itália) que deveriam ajudar a repor alguma ordem no país, permitindo restaurar a ordem pública e o renascer da economia local.

Tudo o resto é propaganda para nos causar remorsos que, com franqueza, não tenho e que não devem confundir-se com preocupação, que todos devemos nutrir.

2 comentários:

X disse...

Gonçalo não será "naif" acharmos que os piratas somalis actuam sozinhos? Muito afirma ter financiamento do Médio Oriente, Europa e Americano d Norte. Não será atacar e exclusivamente a pirataria sem "concertar" primeiro o pais um erro? De certo que haveragrupos oportunistas que atacam o 1o navio que passa, mas pra tomar um petroleiro ou superpetroleiro è necessário uma boa estrutura. Acho que uma intervenção americana iria condicionar futuramente o controlo sobre o golfo de aden. Creio ser importante reconstruir pais emtermos governativos com um governo estavel e credivel eposteriormente ajudar no combate a pirataria.

Defreitas disse...

A Somália teve um governo há mais de vinte anos atrás que procurou organizar o pais: foi o governo de Saïd Barre . Era estável e a ordem reinava.
Desde que ele foi deposto, a Somália só conheceu a desordem e a anarquia.
Sob o pretexto de intervenção humanitária da ONU , os USA procuraram orientar a política internacional da Somália em 1992/93. O potencial em petróleo teria sido uma das razoes da intervenção, a outra seria a importância géo estratégica do Corno da África. Os Portugueses do século XV já tinham compreendido também a importância desta costa , que se situava à entrada do Mar Vermelho, sobre a rota da Índia. Por isso ocuparam a ilha de Socotra, entre outros pontos da região..
A intervenção americana falhou estrondosamente e provocou ainda mais de caos.
Depois dos ataques das embaixadas americanas da Tanzânia e do Quénia, em 1998, e o do 11 Setembro, os USA puseram uma vez mais o dedo no bolo somali, fornecendo apoio ao governo federal de transição (GFT) , afim de reduzir a influência dos tribunais da União Islâmica, (CUI).
Mas, como aconteceu noutras paragens, a intenção dos Americanos é uma coisa e os efeitos são outra. Quem esqueceu que os Taliban foram criados pelos USA ?
Com a ajuda da Etiópia, derrubaram os CUI, que estariam sob influência da Al Qaida. Resultado : Estas transformaram-se em milícias tomando o controlo da maior parte do pais e da capital Mogadiscio. A guerra civil, hoje, torna difícil o encaminhamento da ajuda alimentar ocidental e as pessoas morrem de fome, aos milhares.
Infelizmente, o conflito provocou a destruição do Estado e das suas estruturas de base e traduz-se hoje num milhão de refugiados e cinco milhões de pessoas vivendo (?) numa miséria vergonhosa, indigna e inaceitável.
Não resolver o mal somali é aceitar este cancro que se propagará e nos atingirá por outras vias.
A Somália põe em evidencia a necessidade para as nações de terem um governo que esteja em condições de proteger a sua população ,sem ser, ao mesmo tempo, manipulado pelas potências estrangeiras.
Mas quantos países sofrem hoje da influência, e da intervenção do estrangeiro , noutros aspectos ?