segunda-feira, 23 de abril de 2012

ADEUS SARKO

Em princípio, ele vai-se embora! Se Jacques Brel fosse vivo, cantaria  «on t’aimait pas, tu sais»! (Não gostávamos de ti, sabes ?) Mas que ninguém tenha ilusões: Quando o malabarista e candidato dos ricos for embora, e que o balanço do seu reinado for feito, com todas as decepções que ele causou aos seus próprios adeptos, a vida vai continuar. Mas, repito, que ninguém tenha ilusões, porque outras decepções virão, não por causa das palhaçadas e das contradições instantâneas nas quais Sarko era um especialista, mas porque o mundo sendo o que ele é agora, as medidas que permitiriam a verdadeira mudança de rumo, não serão tomadas.

A social democracia vai continuar a gerir à sua maneira. E mesmo que o novo presidente seja mais representativo de certos valores da democracia francesa, o mundo da finança internacional continuará a impor a política económica que pôs o mundo na situação em que se encontra hoje. Paraísos fiscais, deslocalizações de empresas, globalização, procura de lucros fáceis e substanciais através da mão de obra barata do quarto mundo, injustiça social organizada, redução da segurança social e mercantilização dos serviços públicos, incluindo a saúde, que será cada vez mais a duas velocidades, precariedade, austeridade, continuarão a modelar o mundo de amanhã. 

Estes últimos cinco anos foram particularmente nefastos para os Franceses. E portanto, esta eleição da primeira volta trouxe uma surpresa: Muitos eram os que esperavam uma abstenção recorde! Ora mais de 80% dos Franceses foram votar! Mais que em 2007! Talvez porque em 2012 eles estão mais pobres que em 2007! A França é um dos países da Europa comunitária onde as desigualdades aumentaram mais fortemente, com a excepção da Espanha e de Portugal. E da Grécia! A degradação do ratio da renda média dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres é devida essencialmente à política fiscal de Sarkozy. Ele, que tinha como slogan de campanha em 2007: “Serei o presidente do poder de compra”! Os pobres pensavam que ele lhes falava do poder de compra... dos pobres! Mas enganaram-se: Ele falava dos outros, daqueles que estão mais ricos hoje que em 2007!

Claro, sejamos honestos: Os sinais de empobrecimento relativo dos Franceses não têm nada a ver com aqueles que verifiquei há dias na minha terra de Guimarães, que fui visitar rapidamente. Ainda não se vêm por cá “menus” a 5 euros nos restaurantes, com sopa, prato, pão e bebida! Perguntei a mim mesmo como é que é possível viver, tanto o restaurador como o cliente! Mas cá, os “clientes” dos restaurantes de Coluche, onde os pobres e não só, vão alimentar-se gratuitamente, estão cada vez mais cheios. Mesmo alguns membros outrora da classe média, lá vão agora também!

Mas há outros sinais negativos: a degradação das condições de trabalho nas administrações e nas empresas. Tudo isto sendo o resultado previsível do impacto crescente das condições financeiras do Mercado desregulado, impostas às políticas públicas pela renuncia dos “eleitos do povo” a resistir. O que é compreensível: O gesticulador chefe francês é o amigo da maioria dos patrões do “CAC 40”, índice da bolsa de Paris! 

Evidentemente que seria necessário acabar com tudo isso. O vencedor do 6 de Maio próximo não o fará. Ele será o novo porta voz do Pacto Financeiro Europeu criado pelos Merkozy, pacto que se fosse denunciado condenaria a França a sair do Euro! Por conseguinte, ele será obrigado a continuar, e mesmo a amplificar, a liberalização dos mercados. E a próxima etapa poderá ser a dinamitagem do pilar central do código do trabalho: O contrato com duração indeterminada. A Itália e a Espanha fizeram-no e, em nome da harmonização europeia e da livre circulação dos trabalhadores, ele fará o mesmo. E em frente para a precariedade generalizada! 

Trata-se portanto de continuar a negar a realidade dos perigos que pairam sobre o mundo contemporâneo. O capitalismo perpetua-se tragicamente, incapaz de ultrapassar as suas próprias contradições internas. A crise maior do regime de acumulação do capital, que os artifícios cada vez mais grosseiros da finança globalizada não conseguem dissimular, é irremediável. Abandonar a nossa sociedade ao autoritarismo de regimes essencialmente preocupados da defesa mortífera dos interesses de oligarquias riquíssimas, pode gerar o regresso de movimentos políticos fundados exclusivamente na designação de bodes expiatórios. Marine Le Pen é o exemplo. Aceitá-lo é abrir o caminho ao regresso do fascismo. Creio que é realmente mais que tempo para acordar. 

Freitas Pereira

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